Os dados sobre a utilização de jogadores nos campeonatos europeus, revelados esta semana pelo Observatório do Futebol/CIES, têm uma vantagem, entre outras: prolonga a discussão sobre um tema da semana passada, a formação.

A informação revelada demonstra alguns aspetos que já conhecíamos e revela outros.

Eis alguns:

1. Entre os 31 campeonatos analisados por este estudo demográfico, publicado anualmente em janeiro, o FC Porto ocupa o segundo lugar em absoluto, com 83,3 por cento de estrangeiros, atrás apenas dos italianos do Inter (88.9). O Benfica é oitavo (79.3).

2. A Liga portuguesa continua a estar no «top 5» no que diz respeito a jogadores estrangeiros.

3. Portugal tem apenas 12 por cento jogadores oriundos das escolas dos clubes a representar as equipas principais, o quarto registo mais baixo entre os 31 campeonatos analisados por este estudo, à frente apenas da Rússia, Turquia e Itália.

4.  Só há três clubes da Liga acima da média europeia (21,2 por cento): Sporting (33 por cento), Marítimo (28) e V. Guimarães (23,1). No outro extremo estão Olhanense e Arouca, com zero jogadores formados. O Benfica tem 6,9 por cento e o FC Porto 4,2 por cento.

5. Os clubes com mais jogadores formados a competir nos campeonatos analisados: Ajax (69), Partizan (66), Barcelona (61), Hajduk (52), SPORTING (52), Estrela Vermelha (50), Sparta Praga (46), Real Madrid (46), Dinamo Zagreb (45), Feyenoord (44), Dinamo Kiev (44), MTK (43), Shakhtar (43), Dinamo Minsk (41), Osijek (41), Slavia Praga (39), Levski Praga (37), FC PORTO (37), Arsenal (36) e Bayern Munique (36). O BENFICA (32) não aparece nos 20 primeiros.

Estes números permitem algumas conclusões.

Existem cada vez mais transferências. O estudo vê nisto um problema e sugere que sejam introduzidos mecanismos de controlo, uma vez que a presença de jogadores estrangeiros está a retirar espaço aos futebolistas formados nos clubes.

No fundo, o estudo reflete o que sabemos: os negócios em redor do futebol nunca foram tão elevados, empresários, fundos e milionários são hoje figuras de primeiro plano, com um poder nunca antes imaginado.

Metade da temporada é passada a negociar. Todo o mês de janeiro, mais as longas semanas entre o final da época e 31 de agosto.

Os jogadores são algo que se transfere: 49,3 por cento dos jogadores analisados a 1 de outubro já tinham passado por um país diferente daquele onde nasceram! A velocidade a que circula a informação, a facilidade de observar jogadores, tudo está reunido para facilitar o negócio.

Em Portugal, FC Porto e Benfica escolheram o caminho do negócio.  Procuram futebolistas relativamente novos, no estrangeiro, e tentam vendê-los dois ou três anos mais tarde. Os dois clubes mantêm relações próximas com fundos de investimento, que ficam com percentagens relevantes dos melhores jogadores.

No meio do turbilhão de entradas e saídas, os jogadores da casa raramente dispõem de espaço e tempo.

Como ambos os clubes marcam presença constante na Liga dos Campeões, o modelo não sofre alterações nem é contestado pelos adeptos. Sobrevive à crise e a uma ou outra mudança de treinador.

Apesar disto, as camadas jovens de ambos os emblemas continuam a produzir talento: 69 jogadores formados no Dragão e na Luz atuavam em campeonatos europeus, a 1 de outubro. 

O Sporting é o clube grande que mais espaço dedica aos jogadores formados. O estudo reflete esse ponto. O produto Sporting é apreciado em Alvalade e em outros clubes. 

Foi com uma mistura inteligente entre formação e estrangeiros mais velhos que o Sporting viveu o último período de estabilidade, com Paulo Bento no banco. Nesse tempo manteve-se perto da Liga dos Campeões e discutiu quase sempre o título, Na altura parecia pouco, logo se percebeu que era a base para a estabilidade. O regresso à tranquilidade está a ser conseguido a partir da mesma receita.

Os clubes têm toda a legitimidade para escolher o melhor caminho, mas discordo dos que afirmam que não é possível ter sucesso a partir de uma formação forte. E nem preciso de citar os exemplos de Barcelona (16 da formação na equipa principal), Arsenal (10) ou Real Madrid (7). Basta olhar para o Ajax (12), que domina o futebol holandês a partir da sua famosa escola.

Como o Sporting está a demonstrar esta época, competir com os melhores não tem a ver com os milhões investidos. Ou pelo menos não tem a ver apenas com isso. Felizmente para o futebol, ganhar ainda depende muito de saber manter uma linha coerente, ter uma equipa técnica competente e verdadeiramente alinhada com a estrutura do clube (não chega escrevê-lo na capa de um jornal...) e um conjunto de jogadores equilibrado e focado. Está por provar que o caminho da formação é incapaz de ganhar títulos e gerar equilíbrio financeiro.

NOTA: o estudo reflete também um outro ponto. Portugal é o sexto maior exportador de jogadores. Os nossos profissionais vão sobretudo para Chipre, Roménia, Grécia e clubes médios em Espanha. A Liga é incapaz de reter os jogadores portugueses de qualidade média, que partem, como muitos outros cidadãos, em busca de melhores salários. Infelizmente, os lugares vagos não estão a ser ocupados por jovens (ao contrário do que sucede em países como Brasil, Argentina, Holanda, Bélgica e até França), mas sim por estrangeiros. Parece pouco saudável e sobretudo difícil de explicar. Se por acaso é sócio de um clube, caro leitor, já pensou em pedir aos dirigentes que gerem o seu emblema por que razão isto funciona assim?