*com Nuno Madureira, enviado-especial ao Brasil

Duas semanas e 48 jogos depois, terminou a primeira fase do Mundial. Pareceu mais tempo, não pareceu? O Brasil 2014 está a ser intenso, cheio de surpresas, golos, recordes, casos e imagens para guardar. Um balanço em 10 pontos, agora começa outro Mundial. Venha ele.

A fatura é pesada

A Premier League partia para o Mundial 2014 com mais de 100 jogadores representados. Terminada a primeira fase, resta-lhe pouco mais de metade. A proporção é semelhante para a Serie A. E para a Liga espanhola. Este é o dado que ressalta na contagem de cabeças, chegada a hora do balanço. O número de seleções europeias nos oitavos acaba por igualar 2010, com seis apurados. O Brasil reforça a tendência que já se notou há quatro anos: o calendário em alta rotação das ligas mais exigentes passa fatura, e é pesada. A eliminação da campeã do mundo Espanha ao segundo jogo gritou a evidência, antes de se seguirem as despedidas de Inglaterra, depois Itália. A Espanha que, recorde-se, tinha dominado a toda a linha a época europeia de clubes. Passam seis equipas europeias, mas não passam algumas das seleções mais cotadas. Espanha, Portugal, Itália e Inglaterra estavam no top 10 do ranking da FIFA à entrada para o Mundial. Não fica por aqui a razia dos grandes campeonatos. As ligas alemã e francesa, mesmo mantendo as respetivas seleções em prova, também perderam ao fim da primeira fase grande parte do seu contingente no Brasil, como este gráfico do jornal «Guardian» bem ilustra.

As Américas... e África

No regresso do Mundial à América do Sul 36 anos depois as seleções do continente sentiram-se em casa. Não apenas o Brasil. Argentina e Chile, por exemplo, encheram estádios com as suas cores. No fim das contas passam cinco das seis seleções sul-americanas, apenas fica pelo caminho o Equador. Exatamente o mesmo número que passou em 2010. O grande marco foi atingido pela Concacaf, que conseguiu meter pela primeira vez três seleções nos oitavos de final: a surpreendente Costa Rica, o renascido México e, apesar de tudo, os Estados Unidos. Só ficou pelo caminho a limitada seleção das Honduras, que ainda assim se livrou de sair com o pior registo do Mundial. Esse fica para os Camarões, eliminados com 0 ponto, 1 golo marcado e 9 sofridos. Outras Américas, sim, mas a acentuar a ideia de que a proximidade pesa nestas coisas. E a alimentar a expectativa para ver se se mantém a tendência: nunca o campeão deixou de ser do continente num Mundial na América do Sul. No balanço dos continentes, ainda o inédito apuramento de duas seleções africanas. Fica fora dos 16 finalistas a Ásia, sem grande surpresa. 

Resultados e classificações da primeira fase  

O trono, para quem?

A Espanha caiu, o campeão do Mundo será outro. O Mundial 2014 reservou na primeira fase uma mão cheia de surpresas e fintou muitas previsões. Também já não há Itália, nem Inglaterra, também não está Portugal. Há os favoritos sul-americanos que mantêm as ilusões intactas, claro, apesar de, nos casos de Brasil e Argentina, terem feito primeiras fases não tão convincentes como isso. Ainda entre as seleções com mais estatuto há a eufórica Holanda da primeira fase, há a França e, obviamente, a Alemanha. Que, por sinal, destronou a Espanha do alto daquela que foi a bandeira da Roja nestes anos de domínio do futebol mundial. A seleção que mais passou a bola na primeira fase foi a Mannschaft (2120 passes, 1792 completos, segundo as estatísticas da FIFA). A Espanha ainda vem em segundo lugar, vá (2071/1703), e fique a saber que o último lugar do pódio é da Argentina (1882/1525). Depois há as seleções que brilharam na primeira fase e alimentam as expectativas para o que se segue: da Colômbia à Costa Rica, passando pelo Chile, a Bélgica, o Uruguai ou o México. 

Veja aqui todos os confrontos dos oitavos de final  

Recorde de golos

À partida para o último dia esta já se preparava para ser a fase de grupos mais prolífica de sempre em Mundiais, acima dos 130 de 2002. Juntou mais sete na última jornada, o que acentua a ideia de que podemos estar perante uma inversão da tendência para perder golos dos últimos Mundiais. Foram 145 ao todo na África do Sul há quatro anos (2.3 de média), 147 há oito anos na Alemanha. O melhor ataque é da Holanda, com 10 golos, mas o Brasil pode gabar-se de ter visto todas as 32 seleções marcar golos, o que acontece pela primeira vez desde 1998. O Brasil chega ao fim dos 48 jogos da fase de grupos com 136 golos, média de 2,8 por jogo. Venham mais.

Os 10 a brilhar

É o número dos grandes e 2014 está a fazer-lhes justiça. Mesmo que o papel tradicional do 10 esteja em desuso e apareça na camisola de jogadores que andam por outros caminhos em campo, o número está a deixar a sua marca. Graças a Neymar e Messi, com quatro golos cada um na frente da lista dos melhores marcadores, a par do alemão Thomas Muller, ambos a alimentar bem a expectativa em torno do que farão neste Campeonato do Mundo. Mas também a Benzema, por exemplo, já com três golos. Tal como James Rodríguez, na Colômbia. Até Rooney, o 10 da Inglaterra, conseguiu finalmente marcar num Mundial, antes de ir embora. Também houve 10 muito, muito discretos. Como Vieirinha na seleção portuguesa, que escapou por pouco a passar pelo Brasil sem jogar. O único jogador com o número 10 nas costas que ainda não entrou em campo neste Mundial foi de resto o norte-americano Mikkel Diskerud.

Suárez, o maior crime de sempre?

Luis Suárez falhou o primeiro jogo, a derrota do Uruguai com a Costa Rica, voltou ao segundo jogo para arrumar a Inglaterra com dois golos e ao terceiro foi Luis Suárez no seu pior. Mordeu Chiellini no ombro, sim, voltou a fazê-lo. Tornou-se caso mundial, proporcionou um mar de piadas, acompanhado de muita indignação: sobretudo em Inglaterra, onde o jogador do Liverpool ganhou muitos anti-corpos ao longo dos anos. A sentença da FIFA chegou no último dia da fase de grupos. Nove jogos de castigo. Nove. A maior suspensão de sempre num Campeonato do Mundo. O anterior recorde era do italiano Tassotti, que apanhou oito jogos depois de partir o nariz a Luís Enrique no Mundial 1994. O mesmo Campeonato do Mundo em que uma cotovelada do brasileiro Leonardo provocou um afundamento de crânio ao norte-americano Tab Ramos. O que fez Suárez fica para a história como mais grave do que estes exemplos de ofensas sérias à integridade física de um adversário. Entre outros.

Calor e ainda mais calor

Tanto se falou do assunto, e no entanto parece difícil ter opiniões definitivas. Sobram questões. Que peso teve jogar num clima quente e húmido como o de Manaus? E foi pior jogar lá do que ter de cumprir jogos à uma da tarde no Brasil em várias outras cidades, a uma hora em que o calor é abrasador, em nome dos compromissos com horários mais convenientes para outros mercados? E que peso teve a preparação das seleções para o que iriam encontrar no Brasil? João Moutinho, por exemplo, ainda nesta quinta-feira destacou as condições de Manaus como um handicap. Jurgen Klinsmann, antes de defrontar Portugal, desvalorizou o tema.

Tranquilo fora dos estádios

O final da fase mais intensa do Mundial também confirma a ideia dos primeiros dias. Está tudo a correr de forma mais calma do que se chegou a admitir. Os protestos não desapareceram, nem alguns problemas logísticos, mas o saldo global é tranquilo. O maior incidente acabou por ser a entrada de um grupo de adeptos do Chile no Maracanã, através da zona de imprensa. Nos jogos seguintes houve reforço policial no estádio que será o palco da final. Por trás deste episódio parece estar algum choque de competências entre as forças policiais brasileiras e a segurança privada da organização. Uma brecha no padrão FIFA de que o organismo faz sempre gala. Para já, nada de mais.

Klose e Muller, recordes ilimitados

Miroslav Klose partia para o Mundial 2014 de olho no recorde de Ronaldo, o Fenómeno. Saiu do banco aos 70 minutos do jogo com o Gana e marcou no minuto seguinte. 15 golos em Campeonatos do Mundo, recorde igualado. Ainda não acabou a história para o veterano alemão, mas ele já tem que olhar por cima do ombro. E não para muito longe. Lá atrás vem Thomas Muller, seu companheiro de seleção. Cinco golos em 2010, mais quatro para já no Brasil. Nove golos em nove jogos no Campeonato do Mundo para o «falso» ponta de lança da Alemanha. Alguém duvida que, mais cedo ou mais tarde, este recorde será dele?

Aquele beijo

Um Mundial faz-se de imagens que ficam. Para terminar, uma dessas imagens que o Brasil deixará para o futuro. A propósito de recordes, este Mundial também estabeleceu novo máximo de longevidade. Faryd Mondragón bateu a marca de 20 anos que pertencia a Roger Milla, jogando num Campeonato do Mundo aos 43 anos. José Pekerman deu a oportunidade ao guarda-redes nos minutos finais do encontro entre a Colômbia e o Japão, depois de o portista Jackson Martinez ter marcado o 3-1. Antes de entrar, Mondragón agradeceu-lhe assim.