«Nós sonhamos sempre ser os melhores marcadores, os melhores jogadores da Liga, mas nunca pensamos ser um dia os primeiros da história. É um marco incrível na minha vida, é o sonho de qualquer jogador de futebol.»

É com emoção na voz que Flávio Paixão revive aquela tarde do último sábado. O jogo em que marcou logo aos cinco minutos na Arena Gdansk e bisou aos 18, para entrar na história do futebol polaco. A dobrar. Tornou-se o primeiro estrangeiro a marcar 100 golos no campeonato e de caminho assinou o golo 1000 do Lechia na primeira divisão.

«O que fizeram no jogo este fim de semana quando marquei os 100 golos foi incrível. Os adeptos fizeram um cartaz para mim, o estádio todo a cantar, sentes o carinho de quase sete anos que estou aqui no Lechia Gdansk», conta o avançado português ao Maisfutebol. De festa em festa, homenageado pelos adeptos, pelo clube e pela cidade, o avançado português saboreia o momento, sabendo que em breve terá de tomar uma decisão: terminar a carreira ou continuar a jogar.

Antes de mais, a festa.

No estádio

E também no balneário

Mas não ficou por aí. «Os últimos dias foram alucinantes para mim. Tive de pôr um bocado o meu telefone de parte, porque era muita muita muita gente a dar-me os parabéns, muita gente a ligar. Depois do que alcancei quis passar dois dias com a família, sem stress. Acho que é normal, é um marco histórico e envolveu toda a gente em volta da equipa, o clube…. » E a cidade. Porque depois da pausa para respirar Flávio foi também homenageado pela presidente da Câmara de Gdansk: «A presidente Aleksandra Dulkiewicz convidou-me para ir ao estádio e deu-me um diploma, uma foto, uma camisola e uma bandeira da cidade. O que estava escrito no diploma é como uma condecoração que fica para o resto da vida.»

Era um objetivo já traçado por Flávio, a viver a sétima época no Lechia e a décima na Polónia, depois de ter representado por três temporadas o Slask Wroclaw. «Na época passada sabia que me faltavam mais de dez golos para atingir os 100 golos e eu tive noção de que podia acontecer a qualquer momento. A partir da primeira parte da época em que marquei seis golos e seis assistências comecei a acreditar que isso podia ser possível ainda esta época e felizmente consegui. Acho que foi sempre o objetivo principal, a nível individual, tentar chegar aos 100 golos o mais rapidamente possível.» O número redondo chegou com aquele bis frente ao Warta Poznan, quando o recorde de estrangeiro com mais golos no campeonato polaco já era dele há muito tempo. O segundo da lista é o sérvio naturalizado polaco Miroslav Radovic, que representou o Legia Varsóvia entre 2005 e 2019 e atingiu 66 golos.

E agora? Depois do jogo, Flávio disse que queria tentar marcar pelo menos mais um golo para chegar aos dez por época, algo que conseguiu desde que joga regularmente na Polónia. Mas aos 37 anos, a decisão que tem pela frente é mais definitiva: «O meu contrato acaba daqui a um mês, não sei se continuo aqui, se irei continuar a jogar futebol…»

É hora de fazer o balanço da carreira para o avançado português que começou a jogar em Sesimbra, ao lado do irmão, Marco, com quem partilhou boa parte da carreira. E de uma experiência, ambos ainda adolescentes, como modelos. «Noutra vida…», sorri agora Flávio. Foram jogadores do FC Porto, representaram a equipa B dos dragões na época 2005/06 e a partir daí correram mundo. Flávio jogou em Espanha, na Escócia e no Irão, antes de chegar à Polónia em 2013.

Portugal, o «cantinho por preencher no coração»

Com um campeonato iraniano pelo Tractor e uma Taça e uma Supertaça da Polónia pelo Lechia no palmarés, falta-lhe um objetivo, diz: «Ganhar uma Taça da Polónia e uma Supertaça da Polónia é uma sensação única e que é muito superior a qualquer título individual. É o que sempre senti. Acho que o que me falta é realmente ganhar a Liga, é o grande objetivo para mim. Este ano já não conseguimos, não sei o que se vai passar no próximo ano, mas é esse título que me falta para sair com tudo o que queria.»

Nunca jogou na Liga portuguesa. E se terminar a carreira sem isso acontecer, fica um certo vazio, reconhece. «É claro que tu és português e sonhas sempre jogar no campeonato em Portugal. Mas eu nunca tive uma oferta concreta de Portugal, alguém que me ligasse ou chegasse ao pé de mim e dissesse: ‘Fábio, tens aqui este contrato’. Nunca tive nada. Não sei se é mágoa. O Pauleta também fez uma carreira sempre fora de Portugal e teve muito sucesso. Também gostava que o meu pai e a minha mãe me vissem jogar em Portugal, mas creio que vai ser difícil. Não sei se vou continuar a jogar, se vou continuar aqui, se não vou. Se jogar em Portugal um dia, jogarei. Se não, é claro que fica aqui um cantinho no coração por preencher.»

«Estou a pensar muito bem no que posso fazer. Em duas semanas tomarei a decisão se realmente tenho força para continuar e logo verei por onde posso continuar, se a minha paixão ainda continua com muita sede de conquistar coisas. Tenho 37 anos, vou fazer 38… São muitos anos de futebol», vai dizendo. Mas, por outro lado, há exemplos que fazem pensar. Como o do «quarentão» Joaquín, o avançado espanhol que voltou agora a ser feliz no Betis: «Ainda no outro dia o Joaquín com 40 anos ganhou a Taça do Rei.... Isso também é uma inspiração para nós que estamos em final de carreira, faz-nos acreditar que conseguimos ainda lutar por mais coisas.»

Seja qual for a decisão, provavelmente vai continuar a dividir-se entre Portugal e a Polónia, país que também já é um bocado seu. «Sempre senti carinho dos adeptos. Eu também tento ajudar sempre a malta mais nova, as pessoas também dão valor a essas coisas. Desde o primeiro dia que aqui cheguei sempre fui bem tratado e sempre me aconteceram coisas boas. É isso que é a minha marca, no fundo.»

Imobilário, carreira para o futuro

Aliás, Flávio tem casamento marcado para daqui a um mês, com a companheira polaca. Quanto ao futuro para um dia depois do futebol, esse já está definido. O avançado tem há muito uma carreira paralela de empresário de imobiliário e é a ela que se vai dedicar quando pendurar as botas. «Tenho muita coisa em termos de imobiliário, é uma paixão muito grande e o que quero seguir quando acabar o futebol», explica: «Tenho uma empresa imobiliária em Portugal, tenho também apartamentos para arrendar para férias, apartamentos arrendados ao ano, fazemos remodelações e vendemos, por aí fora. Já estou no imobiliário desde os meus 20, 21 anos.» O futuro está acautelado desde cedo: «Tenho essa carreira extra-futebol e digo sempre a muitos colegas que devem pensar no que fazer quando acabar o futebol.»

A empresa está sedeada em Portugal, mas Flávio vai continuar a chamar casa à Polónia. «A minha mulher é aqui de Gdansk. Há tantos anos na Polónia já estou completamente habituado à cidade, à cultura, às pessoas. Tenho família aqui e isso também ajuda a sentirmo-nos bem e a conseguirmos coisas boas. É muito importante sentirmo-nos bem onde estamos.»

Em Gdansk, longe da fronteira com a Ucrânia, a vida continua tranquila por estes dias. O que a guerra desencadeou, conta Flávio Paixão, foi uma enorme onda de solidariedade daqueles que já são também os seus concidadãos. «O apoio que os polacos estão a dar aos ucranianos é incrível. Eu nunca vi alguém dar tanto apoio a refugiados como a Polónia está a dar e isso para mim é incrível. Cada pessoa ajuda, a presidente da nossa Câmara também tem ajudado muito, abriu uma tenda no estádio para as pessoas poderem ajudar com comida, com roupa. É espetacular.»

É aqui que Flávio quer voltar sempre, quando finalmente tomar a decisão de parar. «A nossa ideia é viver entre Gdansk e Lisboa.»