Ricardo Fernández nasceu em Santander, Espanha, há 33 anos. Gosta de ser tratado por Razhel, foi um extremo esquerdo de pés trocados e mais tarde convertido a playmaker egoísta.

Alberto Martín é de Segóvia e um ano mais novo. Não era médio de cobertura, nem avançado de talento, mas sempre adorou Luís Figo. E Nesquick.

Feitas as apresentações, em jeito de autoretrato, importa perceber o que os traz aqui ao Maisfutebol.

Bem, lembram-se de Willy Fogg e Passepartout, protagonistas da gloriosa Volta ao Mundo em 80 dias?

Coloquem-lhes uma bola nos pés, máquina fotográfica ao pescoço, muita barba na cara, adicionem uma dose exagerada de futebol nas crónicas e aí os têm, Ricardo e Alberto.

Objetivo número um: percorrer o espaço do mapa entre Santander e Hanói (Vietnam) sem recurso ao avião;
Objetivo número dois: jogar futebol, muito futebol, em cada uma das loclidades de passagem ;
Objetivo número três (o principal): medir as diferenças e similitudes do ser humano, refletir no futebol informal e improvisado o sentido da vida.
 

Ricardo Fernandéz nas planícies da Mongólia

O projeto chama-se Distrito Pachanga. Pachanga, como se traduz isso? «É algo que se faz de forma relaxada e espontânea». Aventuras intermináveis, pois, de mochila às costas, paz no coração e bola nos pés.

Vietname, Camboja, Tailândia, Birmânia, Ìndia, Butão, Nepal, depois Tibete, China, Coreia do Sul, Mongólia e Rússia, antes do regresso à Península Ibérica: Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia, Hungria, Croácia, Bósnia, Sérvia, Kosovo, Albânia, Macedónia e Bulgária.

Ainda estão aí? O efeito ricochete arrasta-os para a Turquia, depois Irão, Líbano, Israel, Jordânia, Palestina, Egito, Chipre, Grécia, Eslovénia, Itália, França e Espanha, «com os pés cheios de calos e a cabeça em cima dos ombros».

Sobreviveram para contar. 400 dias de viagem, e não houve um único sem futebol.   

Futebol Pachanga com monges tibetanos:



«A nossa heroína, a nossa droga, é a bola. O esférico, como gostamos de dizer», explica Ricardo Fernández ao Maisfutebol, agora que o Distrito Pachanga fez uma pausa.

E depois de tantos países, tantas histórias, há ainda lucidez para recordar e escolher o destino favorito nesta cruzada pelo futebol e a paz?

«A nível paisagístico, seguramente o Nepal. Os Himalaias são impressionantes. A nível humano… as duras condições de vida dos nómadas da Mongólia foram uma cruel aprendizagem», conta-nos Ricardo, a partir da Grécia, onde está sem Alberto.

A conversa flui, há muito para relatar. «As semanas na Palestina, sentindo na própria carne a ocupação israelita, marcou-nos muito. Diria que marcou a nossa viagem e o futuro das nossas vidas».

E este Distrito Pachanga tem final marcado ou há mais etapas pensadas ? Em nome do futebol e da solidariedade.

«A primeira etapa acabou. A experiência foi tão grandiosa, colocou tantos amigos no caminho e despertou tanta curiosidade na nossa audiência, que precisamos de juntar dinheiro antes de nova partida. Vamos elevar a fasquia».

Para onde? «O Distrito Pachanga vai para a América do Sul ou África. Depende da bola. Nós só a chutamos, ela decide se entra ou não na baliza (risos)»
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Futebol nas planícies da Mongólia:



Não é difícil perceber. Ricardo e Alberto são humanistas, apaixonados pelo romantismo do futebol dos anos 80 e 90. Falamos de Omam Byik, Thomas Brolin, de memórias dos Mundiais de 86 e 90, e de partidas de futebol no Tibete, entre monges budistas.

«As pessoas não imaginam a capacidade que o futebol tem em unir povos. Em unir desconhecidos».

«Certo dia saímos do autocarro, entrámos numa praça e escrevemos num papel a palavra FOOTBALL. Em poucos minutos tínhamos um pastor, um vendedor de turbantes e um grupo de miúdos à nossa volta. Fizemos uma peladinha de uma hora e encontrámos um sítio para dormir».

Só mais uma história, por favor, antes da despedida. Queremos mais futebol.

«Na fronteira entre a Birmânia e o Bangladesh percebemos que os bengalis são discriminados. Não podem passar de um país para o outro. Enfrentam um movimento radical chamado 969 e liderado por um monge nazi, U Wirathu. Religião, racismo, poder, uma confusão. O que fizemos? Organizámos um jogo de futebol num campo de refugiados para bengalis. 30 mil pessoas vivem nesse campo. Arranjámos uma autorização, entrámos e vimos uns miúdos com uma bola preta e branca, aos quadrados. Aproximamo-nos e jogámos horas a fio com eles. Ficámos a perceber o quão sortudo somos».

Viagens e pacificação. O lado mais belo de uma bola de futebol.