No dia em que o Benfica acordou mais Benfica, Artur valeu a quinta Supertaça para o museu encarnado. A transfiguração da equipa de Jorge Jesus da pálida pré-época para o primeiro jogo oficial foi evidente mas ficou a meio. Não houve golos na avalanche ofensiva e o Rio Ave sonhou mais do que nunca com um título nacional de primeiro plano. Não merecia, é preciso dizer. O Benfica venceu bem por linhas travessas. Não era preciso tanto sofrimento, tamanha foi a diferença nos 90 minutos.

A metamorfose kafkiana do Benfica de Jesus só não encontra paralelo à ficção num ponto: se no ensaio tudo aconteceu sem que nada o fizesse prever, aqui há alguns pontos a ter em consideração. Enzo Pérez é um deles. Mas não só. A verdade é que com outros artistas a música é bem melhor.

Até porque, mesmo com novidades, a principal nota do onze encarnado até foi a titularidade de Talisca, jogando como segundo avançado, uma posição onde ainda não tinha sido visto. E onde não vingou.

No resto, foi o que se esperava, com os anunciados regressos de Luisão e Jardel a colarem pelo centro uma defesa de papel em terras londrinas, para além, claro está, de Enzo, o motor da equipa. Não tendo ainda o seu fulgor característico, conseguiu, pelo menos, passar algo do espírito guerreiro que o consome para o grupo.

O Benfica entrou, por isso, enérgico e mandão. De dentes cerrados e cheio de vontade. Em vinte minutos reduziu o Rio Ave a praticamente nada. Nos outros 25, não sendo tão avassalador, foi evidentemente superior. Muito, muito melhor.

A equipa de Pedro Martins esteve presa de movimentos, encurralada no seu meio-campo e a suspirar de alívio vezes de mais. Quando ousava o ataque falhava. Porque Del Valle esteve trapalhão, Ukra mal se viu e Hassan foi inofensivo.

Assim, não chegaram os dedos de uma mão para contar as ocasiões flagrantes de golo do Benfica só na primeira parte. Foi Luisão de cabeça, para a casual mão de Marcelo; foi Maxi, de ângulo apertado, ao lado; foi Eliseu, de fora da área, nada longe; foi Talisca, nas barbas de Cássio (que passe de Gaitán!), para desfecho igual aos outros. Foi, em suma, Benfica a mais e pontaria a menos.

Talisca não fez, Derley muito menos

Em toda a primeira parte, o Rio Ave só criou um lance de perigo: uma oferta de Artur, novamente a mostrar fraqueza no jogo de pés, que Del Valle, por pouco, não castigou. A equipa é outra (até o treinador), mas houve mais verde e branco nas finais do ano passado contra um Benfica que até estava em ritmo deveras superior. À terceira final, o Rio Ave fez o pior jogo e conseguiu o melhor resultado.

O segundo tempo foi idêntico, mas menos asfixiante para o Rio Ave. Faltou frescura física ao Benfica, o que é normal nesta fase, mas voltaram a não faltar oportunidades. Lima, por exemplo, a meia hora do fim, fez o que quis de um Prince em noite de desafinação total e atirou a rasar o poste. Era um golaço.

Pouco depois, Jesus trocou Talisca por Derley, mudando o protagonista mas mantendo o esquema. O ex-Bahia, não estando mal, não foi a muleta que Lima precisava. Por outras palavras: não foi Rodrigo. Derley, contudo, também não acrescentou muito.

Pedro Martins já tinha mexido, aliás, trocando Pedro Moreira pelo mais habilidoso Diego Lopes e refrescando o ataque com Boateng em vez de Hassan. O Rio Ave, também pela referida menor frescura encarnada, levou mais tempo o jogo para a área contrária, mas não o suficiente para, sequer, equilibrar a balança, quanto mais dominar.

Jardel no cume de um jogo com notas surreais

Até ao final, aliás, a mais flagrante das ocasiões voltou a ser de Lima, em remate à meia volta a rasar o poste, apesar de, no último lance, o Rio Ave ter assustado, mas Del Valle não teve forças para finalizar uma brilhante arrancada e o lance perdeu-se para dar origem ao prolongamento.

E aí bastaram dois minutos para se perceber que nada ia mudar. Cássio, por duas vezes, evitou golos de Jardel e Enzo Pérez (este anulado por fora-de-jogo), destacando-se também como força de bloqueio ao futebol do Benfica. O Rio Ave assustou num centro/remate que colocou Artur em apuros mas Lima falhou de forma ainda mais flagrante num desvio ao primeiro poste.

O culminar de um jogo atípico foi um lance estapafúrdio. Artur falha a interceção a um canto e Jardel, a um metro da baliza deserta- a sua- alivia contra a trave! Resultado? Grandes penalidades, pois claro.

E aí houve espaço para a reviravolta de Artur, que parou três (Tarantini, Diego Lopes e Tiago Pinto) e deu o título ao Benfica.

Os próximos tempos servirão para perceber se este Benfica de Aveiro será o Benfica que estará no campeonato. A amostra foi boa, mas foi a única até agora. A favor do grupo de Jesus fica o essencial: foi, também, o único jogo que valia mesmo alguma coisa.