O dia 1 de Fernando Santos na seleção nacional foi também o dia em que morreu a renovação. Mas talvez tenha começado o processo. 

Explicando.

Na conferência, Fernando Santos deixou claro que vai construir uma base, mas que a porta estará sempre aberta. 

É um treinador que não olha para o Bilhete de Identidade dos jogadores. E deu o exemplo grego, para que todos entendessem o que pretendia dizer. No Mundial 2014 levou um jogador com 35 e outro com 36, mas também 17 lançados por ele. Ter 18 ou 34 anos, tanto faz. Conta o rendimento, conta o talento.

No discurso de posse, Fernando Santos chegou a dizer que não gosta da palavra renovação. Foi claro. Não gosta da ideia de que uns gajos velhos deixam de servir e chegam uns gajos novos para fazer o trabalho deles. Assim de repente, de um dia para o outro.

Nisso não acredita. Renovações por empurrão, foi a expressão que usou, nem pensar. Isso não.

Claro que também falou sobre formação. Vai conversar bastante com os treinadores dos escalões mais jovens, vai conhecer. Sabe que hoje os jogadores não se formam na rua, entre sarjetas. Sem formação o futebol acaba. E, ideia também forte, esta equipa não será formada para um ano apenas.

Na TVI, à noite, sintetizou a coisa: não haverá o dia 1 da renovação. Mas este dia, o dia da posse, é o início do processo. Um processo natural, no futebol como na vida. Mas não tão natural que não precise de ser «preparado». Caso contrário, «pode acontecer que daqui por um ano ou dois não haja seleção».

ANÁLISE. Esta última frase é feliz pelo que revela do pensamento de Fernando Santos. Por agora poderemos contar com os mais experientes e uns mais novos, se for mesmo necessário. Mas quando chegar a altura de construir o onze, a experiência lá estará, antes de tudo o resto. O risco deste caminho é elevado: poderá nunca chegar o dia bom para de facto apostar nos mais novos.

Quem pode entrar

Ao ouvir Paulo Bento explicar por que não sentia todas as condições fiquei com a ideia que o principal problema foi precisamente a mistura entre caras novas e caras cansadas. O selecionador teria uma ideia, a direção da Federação outra.

O que Fernando Gomes fez esta quarta-feira foi radical: a Federação não quer saber do tema. Isso é com o selecionador. Se ele entender que o melhor é chamar sempre jogadores com 30 anos, um pouco mais ou um pouco mesmo, tudo bem. Se entender que o melhor é colocar já a seleção de sub-21 em campo, tudo bem na mesma.

O mérito desta posição é acabar com qualquer dúvida que pudesse existir depois da entrevista de Paulo Bento. É tudo com o selecionador.

Fernando Santos também foi claro ao dizer que nenhum jogador está excluído à partida. Ninguém está de castigo. Escolherá quem entender. A pré-convocatória para estrangeiros sairá já sexta-feira, mas não vale a pena andar à procura de notícia: vai disparar em direção a tudo o que mexe, percebeu-se. E faz sentido. Os próximos dias serão de grande trabalho, muita pesquisa de informação. A 3 de outubro terá de fazer a primeira convocatória, aí sim com apenas 23.

Quem estiver «dois ou três meses» sem competir no clube poderá sair da convocatória. Mas isso não significa que não regresse a seguir. A tal ideia de grupo aberto. Construir uma «família».

ANÁLISE: faz sentido que não exista uma lista de jogadores que não podem ir à seleção. Os problemas que existiram tiveram sempre Paulo Bento como um dos intervenientes. As decisões foram sempre dele, não da Federação. Não faria sentido que se mantivessem com Fernando Santos. A ideia-chave «estou aqui para somar» foi feliz. E é todo um programa

O objetivo: estar em França

A conferência foi também muito útil para todos compreendermos qual o objetivo. Isso também não tinha ficado assim tão claro com Paulo Bento, talvez por causa do ruído em torno da renovação. Ou simplesmente por não ter sido afirmado com a mesma veemência desta quarta-feira.

E o objetivo é um: estar no Euro 2016. Fernando Santos teve o seu momento «à Mourinho» ao dizer que tem a certeza de que lá estaremos («Vamos qualificar-nos com alguma naturalidade», disse no «Jornal das 8» na TVI). 

Fernando Gomes acrescentou um dado, para reflexão. Se a seleção não estiver no Euro 2016 haverá menos dinheiro na FPF e havendo menos dinheiro o investimento que está a ser feito em seleções de outros escalões poderá estar em risco. Até por isto, na FPF pensa-se em chegar a França. antes de tudo o resto. As duas coisas estão relacionadas, de facto.    

Fernando Santos usou muitas vezes a palavra ganhar. Não prometeu que jogará bonito. Prometeu mostrar trabalho, deixar tudo. Na TVI, à noite, falou um pouco sobre a necessária relação com o povo. Comunicar com as pessoas, convencê-las de que fica tudo em campo.

Convencido de que «esta é uma equipa de ganhadores», Fernando Santos espera acrescentar a sua confiança. 

ANÁLISE . Ninguém falou sobre o Mundial 2018. Não pode ter sido por acaso. 

Ficou a ideia de que por agora ninguém pensará nisso. O que é pena e pode ser um erro colossal

Em condições normais todos concordamos que na seleção devem jogar os melhores em cada momento. Depois discordaremos alegremente sobre os nomes. Mas os melhores sim, sem dúvida. 

Acontece que não estamos num período normal. 

Devido a políticas desportivas erradas, o futebol português praticamente não produziu (ou não deu oportunidades sérias) jogadores de elevada qualidade durante anos. Já deveríamos ter titulares de 22 ou 23 anos. Mas não temos.

É por isso que este período não é normal. Logo, simplesmente chamar os melhores não chega. Se não for criado rapidamente espaço na seleção para os mais novos, em 2018 a seleção será ainda pior do que hoje. E continuaremos a dizer que não existe campo de recrutamento. Não existem é verdadeiras oportunidades.

O selecionador só pode influenciar as opções dos clubes. Como? Chamando os mais novos, dando-lhes minutos, dizendo aos adeptos que não é normal ter ali aquele jogador e não o utilizar. A Federação pode tentar alterar os regulamentos, exigir mais futebolistas formados localmente. Deve fazê-lo. Mas isso demora tempo.

No Mundial 2018, os jogadores de hoje terão 30 anos ou mais. Muito mais, em alguns casos. Este é o tempo em que chamar os melhores pode ser a liquidação do futuro. O que Fernando Gomes fez foi passar essa responsabilidade a Fernando Santos, o coordenador técnico e selecionador. Percebo a sensibilidade do tema, a tangente à responsabilidade do técnico e a necessidade de dinheiro. Mas algo mais terá de ser feito. Depressa.

Castigo e Ilídio Vale

Presidente e selecionador sublinharam o que já se sabia sobre o castigo de oito jogos longe do banco, confirmado pela FIFA: acreditam que não será fatal. Um problema, sim, mas que tentaram minorar levando para a equipa técnica um velho conhecido que ainda por cima já estava na casa, Ilídio Vale. E a quem chamaram «treinador da seleção». Uma forma de lhe dar estatuto perante o público e, acredito, sobretudo para consumo de balneário.

Fernando Santos contou histórias do passado que visaram apenas reforçar a ideia de que está em sintonia com Ilídio Vale, apesar de há muito não trabalharem em conjunto.

Claro que tudo será preparado, claro que treinarão juntos mas, claro também, ficou dito que algumas das opções durante o jogo serão tomadas por Ilídio Vale, no banco.

ANÁLISE : este é o ponto fraco da nomeação. E só por isso Fernando Santos partiu em desvantagem no processo de substituição de Paulo Bento. Vários dias de reflexão convenceram os dirigentes da Federação de que as vantagens acabarão por ser superiores aos problemas. Para já, só duas coisas são garantidas: não ter o treinador principal no banco é mau, fragiliza, e em caso de resultados infelizes isso será sempre utilizado como arma de arremesso em direção a Fernando Gomes.

Paulo Bento e Ronaldo

Fernando Santos revelou a mensagem enviada por Paulo Bento, que de resto elogiou. O discurso do novo selecionador em relação a quem substituiu foi exemplar. O que não espanta: são duas pessoas bem formadas e que se conhecem há muito tempo.

Fernando Gomes historiou o processo. Na terça-feira Paulo Bento disse-lhe que não sentia «as condições ideais para dar a volta a resultados adversos». Ou seja, o presidente da Federação ligou muito a conversa ao resultado com a Albânia. Do que percebi do discurso do ex-selecionador, o problema seria mais amplo.

Depois da conversa a dois, continuou Fernando Gomes, o presidente ficou convencido de que Paulo Bento já não acreditava nas capacidades para triunfar. Um «compromisso» que deixara de existir. Sem esse «pilar», disse, não podia continuar no cargo. Uma decisão sua. Depois «os colegas da direção interpretaram de forma unânime» o sentimento do presidente: era preciso mudar.

No discurso de Fernando Gomes não faltaram elogios a Paulo Bento. O mesmo tinha sucedido na entrevista do ex-selecionador em relação ao presidente. Dão-se bem, isso percebeu-se.

Sobre Ronaldo e Paulo Bento, pouco se disse. Os jogadores não influenciam estas decisões, afirmou Gomes. Santos ainda não falou com o avançado do Real Madrid. Mas vai fazê-lo. Na TVI, mais tarde, manifestou-se feliz por voltar a treinar o melhor do mundo («Não tenho dúvidas, votei nele!»), que permanecerá capitão.

ANÁLISE: Para a seleção, bem como para a Federação, é importante encerrar o tema Paulo Bento. Ainda falta ouvir Cristiano Ronaldo (nunca se sabe muito bem o que vem dali…) e sobretudo falta perceber se o ex-selecionador entende que está bem assim ou ainda é preciso dizer algo mais. A bola passou para o campo de Paulo Bento e sinceramente não deve ser uma decisão fácil. Por um lado percebe-se que guardou coisas. Por outro, se falar em cima de jogos da seleção poderá prejudicar Fernando Santos e, mais importante, a equipa nacional, que também é sua. Fernando Gomes mediu cada palavra. Tentou anular a ideia de divisão na direção e a influência de Ronaldo. No fundo, desarmar as duas bombas. O futuro dirá se o conseguiu.

RESUMO (meu...) DO DIA 1 de FERNANDO SANTOS: esqueçam lá isso da renovação, vamos é trazer os melhores (todos eles, sem distinção de passado, idade ou embirração anterior) e pensar em chegar a França. Se os miúdos tiverem oportunidades nos clubes e crescerem, muito bem, até haverá renovação. Caso contrário, depois logo se vê.