«Vá lá, senhor leão, diga-nos ao ouvido: é assim tão complicado lidar com a perspectiva de ser feliz?». Se alguém tivesse feito esta pergunta até aos 83 minutos do jogo com o Beira Mar, a resposta do Sporting seria só uma: «Complicado, não, é impossível. Não sei, e não quero ser feliz, pronto!». Mas depois veio aquele livre de Rochemback, a cabeçada de Polga a esbarrar no poste, e o desvio de Liedson (olha quem...), a três metros da linha de golo, e o filme deu uma volta dos pés à cabeça. E o Sporting acabou por ser feliz, muito feliz, por ter conseguido arrancar às garras de uma exibição francamente má uma vitória cuja importância só as próximas semanas poderão explicar.
Começou a ser feliz pouco antes do pontapé de saída, quando o golo de Miguelito ao Benfica ecoou pelas bancadas de Alvalade. Foi como se o leão (com Paíto e Mota nos lugares dos castigados Sá Pinto e Rui Jorge, e Carlos Martins a render Pedro Barbosa) entrasse em campo a ganhar por 1-0. Parecia impossível não aproveitar a possibilidade de ficar a três pontos da liderança, agora ali tão perto. Talvez perto de mais para este leão que, de tantas oscilações de personalidade ao longo da temporada, começa a parecer uma vítima da doença bipolar.
Passados os primeiros dez minutos de assédio e euforia verde e branca, entrou em cena a outra personagem desta história: a boa organização defensiva de um Beira Mar remodelado com a chegada de Augusto Inácio ao comando técnico. Os três centrais aguentaram os primeiros embates, e a passagem dos laterais para o meio-campo deram superioridade numérica aos de Aveiro, que aos 15 minutos já tinham conseguido baixar drasticamente o ritmo de jogo.
Talvez tudo tivesse sido bem diferente se, aos 20 minutos, Mota, só com Srnicek pela frente e todo o tempo do mundo não caprichasse em encontrar o poste. Foi aí que o leão começou a deitar a felicidade pela janela fora: esse lance enervou a equipa de forma instantânea e deu uma volta drástica nos acontecimentos.
Começaram a aparecer os espaços para o Beira Mar esticar o jogo até à área de Ricardo. Aos 32 minutos, o Sporting teve um breve reencontro com a felicidade: Ahamada cruzou, McPhee cabeceou para golo, mas o árbitro assistente arrancou um fora-de-jogo no mínimo muito duvidoso. Dez minutos depois, novo encontro com a D. Fortuna: Ahamada fez tudo bem e deu o golo a McPhee, mas Polga estava sobre a linha a evitar o descalabro. O intervalo chegava pouco depois, e foi pontuado com assobios dos adeptos leoninos, ainda mais nervosos que os seus jogadores, se tal era possível.
Peseiro esperou para ver, Inácio mexeu primeiro, mas as coisas não mudaram muito. Só o suficiente para a intranquilidade do leão crescer para níveis gritantes. As más opções sucediam-se dentro e fora do relvado: a saída de João Moutinho valeu uma vaia monumental ao técnico do Sporting, que continua a não ter margem de confiança por parte dos seus adeptos. As entradas de Niculae e Douala (para o lugar de um valioso Carlos Martins, o melhor da equipa enquanto as pernas duraram) deram um pouco mais de agressividade na frente, é verdade, mas começava a faltar tempo e serenidade para procurar novamente a sorte.
A um quarto de hora do fim, o Beira Mar desistia de fazer mossa na área de Ricardo. Falta de forças ou de ambição dos seus jogadores? Fica a dúvida, mas o certo é que Inácio dever ter ficado preocupado quando viu a equipa recuar, e recuar, e divorciar-se da bola para defender o castelo de Srnicek. Os centrais iam limpando todas as bolas que chegavam à área, mas defender tão perto da baliza aumenta os riscos. Mesmo diante de um Sporting cada vez deprimido. Depois, veio o tal livre de Rochemback, a tal cabeçada de Polga e o tal desvio de Liedson que acabou com o jogo e relançou a emoção na frente do campeonato. Os adeptos sumiram-se, felizes com o desfecho, mas sem conseguirem resposta convincente para a pergunta da noite: afinal, é assim tão difícil ser feliz?