O Sporting quer entrar com o pé direito na Liga Europa e para isso precisa de fazer nesta quinta-feira na visita ao Sturm Graz o que nunca fez: vencer na Áustria. Um enguiço com décadas e muitos episódios, alguns deles marcantes na memória dos leões. Mas também Rúben Amorim já teve a sua conta de trauma austríaco no banco do Sporting, em pleno Estádio de Alvalade. O leão está bem consciente do que o espera.

Começando pelos jogos fora. Foram até hoje sete visitas do Sporting a clubes austríacos, se incluirmos nas contas o primeiro confronto de todos, um duelo para a Taça Intertoto com o Rapid Viena, que venceu em casa por 3-0 uma prova que se ficou pela fase de grupos. Tudo somado dá cinco derrotas e dois empates, divididos por quatro adversários diferentes, com apenas quatro golos marcados pelo Sporting e 19 sofridos.

Alguns desses confrontos acabaram bem para os leões. Em 1969/70, o Sporting eliminou o LASK Linz na então Taça das Feiras depois de um 4-0 em Alvalade e um 2-2 na Áustria. Em 1987/88 perdeu em cada do Swarovski (2-1) mas a vitória por 4-0 em casa garantiu o apuramento na Taças das Taças. E em 2004/05 o nulo em Viena não travou a caminhada do Sporting até à final da Taça UEFA.

As boas memórias ficam por aqui. Há três resultados-choque nesta história e o Maisfutebol olha com mais detalhe para cada um deles. Em cima desses desaires marcantes em solo austríaco está bem vivo na memória o último duelo desta história, já com Rúben Amorim ao leme: a derrota por 4-1 frente ao LASK Linz, naquele que ainda agora o treinador reconheceu ter sido talvez o seu dia mais difícil no clube.

O Sporting sabe bem ao que vai, como diz Amorim. «São sete jogos que o Sporting não consegue vencer na Áustria. Isso prova a qualidade das equipas da Áustria, que não são tão conhecidas mas são muito intensas», disse o técnico na antevisão do jogo desta quarta-feira com o Sturm Graz: «Se vencermos, será tudo bom: quebramos o enguiço e entramos a vencer.»

O choque em campo, o adeus de Robson e a tragédia de Cherbakov

Esta espécie de enguiço começou em Salzburgo, num palco que já não existe. O Stadion Lehen era a casa do então Casino Salzburgo, um dos muitos nomes que o clube adotou antes de dar lugar ao RB Salzburgo. Quinze dias antes, o Sporting tinha vencido tranquilamente a primeira mão daqueles oitavos de final da então Taça UEFA. Quis o destino que fosse Cherbakov, numa arrancada de força e potência, a marcar o primeiro golo, o último que marcaria. Mais um punhado de oportunidades e um segundo golo de Cadete a meia hora do fim consolidaram a ideia de que, com aquele 2-0, a eliminatória estava mais que encaminhada para o Sporting, aquele Sporting que liderava o campeonato e tinha uma equipa recheada de talento, com craques como Balakov, Figo, Paulo Sousa, Capucho ou Valckx. Duas vitórias antes da segunda mão, uma para a Liga e outra para a Taça, reforçaram a perceção de confiança dos leões. Pura ilusão. Naquela noite de 7 de dezembro de 1993 saiu tudo mal ao Sporting e uma sucessão de erros, aliada à persistência austríaca, acabou em choque, com requintes de crueldade. Depois de Lainer fazer o primeiro golo no início da segunda parte, foi já com o Salzburgo reduzido a dez e para lá dos 90 minutos que um remate de Hutter voltou a deixar Costinha mal na fotografia e empatou a eliminatória. No prolongamento, Hamerhauser fez o golo que decidiu a eliminatória, de novo com culpas para a defesa dos leões. As ondas de choque dessa eliminação seriam inimagináveis. Sousa Cintra decidiu despedir Bobby Robson – o treinador inglês recordou sempre que foi a primeira vez que lhe aconteceu em mais de duas décadas de carreira. E depois aconteceu a tragédia de Cherbakov. No regresso do jantar de despedida de Robson, o promissor talento ucraniano sofreu um grave de acidente de automóvel no centro de Lisboa. Aos 22 anos, ficou paraplégico. Foi ainda em choque que o Sporting, já com Carlos Queiroz no banco, jogou na Luz três dias mais tarde. Num dérbi muito emotivo para os leões, o Benfica venceu por 2-1 e ganhou ascendente naquele campeonato, decidido uma volta depois no 3-6 do dérbi de Alvalade.

O queijo de Queiroz e o descalabro de Viena

O raio caiu duas vezes, ainda que não exatamente no mesmo sítio. Duas épocas depois de Salzburgo, Viena. Carlos Queiroz continuava no banco, mas já era uma equipa muito diferente a que venceu o Rapid Viena na primeira mão da segunda ronda das Taças das Taças, de novo um 2-0, agora construído com golos de Sá Pinto e Paulo Alves ainda na primeira parte. Duas semanas mais tarde, o Sporting embarcava confiante para Viena. Tanto que Queiroz até fez uma piada a propósito do fantasma de Salzburgo, a dizer que a equipa andava a comer muito queijo, para esquecer essas coisas. Pois, não correu bem. Aliás, o que podia correr mal correu pior. O Sporting começou por sofrer um golo aos 25 minutos, mas continuava na frente da eliminatória e assim se manteve até aos 90 minutos. Foi quando tudo se complicou. Dani, que fazia nesse dia 19 anos, tinha visto um primeiro cartão amarelo pouco depois de sair do banco, a menos de meia hora do fim. E já com o minuto 90 a decorrer o árbitro mostrou-lhe o segundo por considerar que Dani pontapeou a bola para fora quando já tinha passado a linha. Logo no seguimento, Stumpf marcou o 2-0 e levou o jogo para prolongamento. Reduzido a dez, o Sporting não conseguiu reagir e o Rapid confirmou a reviravolta, com mais um golo de Stumpf e outro de Carsten Jancker. O Rapid seguiu até à final da Taça das Taças, perdendo na final com o PSG. Tal como o Casino dois anos antes, que tinha chegado à decisão da Taça UEFA, frente ao Milan. Quanto ao Sporting, ficou a lamber as feridas, numa época de objetivos falhados que terminaria com o terceiro lugar no campeonato, já sem Queiroz no banco. Não foi o descalabro de Viena a decidir a saída, mas o treinador acabaria por deixar o clube ainda com a temporada a decorrer, em fevereiro de 1996.

LASK Linz, nome de pesadelos

A última visita do Sporting à Áustria também acabou mal. Em dezembro de 2019, os leões jogaram em casa do LASK Linz na última jornada da fase de grupos da Liga Europa. Com o Sporting já apurado, Silas optou por gerir a equipa, poupando jogadores como Bruno Fernandes, Mathieu ou Vietto. O LASK aproveitou, a expulsão de Renan pouco antes da meia hora complicou ainda mais as coisas e os austríacos venceram por 3-0. A derrota custou ao Sporting a liderança do grupo. Mas o grande choque, frente ao mesmo rival, aconteceu na época seguinte. Desta vez não foi na Áustria, foi mesmo em Alvalade. Em plena pandemia, o play-off de acesso à Liga Europa decidiu-se num jogo único. Era início de época, a primeira que Rúben Amorim começava depois de ter chegado a meio da temporada anterior, era tempo de muitas dúvidas e o Sporting foi apanhado na curva. O LASK adiantou-se, Tiago Tomás ainda empatou, mas 11 minutos de pesadelo na segunda parte, com Coates expulso pelo meio, levaram o leão ao tapete. O LASK venceu por 4-1, um descalabro que acrescentou pressão, muita, a Rúben Amorim. Mas esse foi também um momento-chave. Dois dias depois, Amorim dizia isto na sala de imprensa: «Parece-me que há muita gente que já desistiu da equipa do Sporting, mas eu e os rapazes não desistimos. Nós vamos dar luta. O céu pode cair que eu não vou mudar a forma de encarar as coisas. Isto ainda agora começou e nós vamos dar luta.» No dia seguinte, o Sporting venceu o Portimonense e embalou para uma caminhada que só terminou com a conquista da Liga. Agora, a propósito do jogo com o Sturm Graz, o treinador reconheceu o peso daquela derrota com o LASK Linz. «Foi talvez o pior dia que tivemos em Alvalade», disse nesta quarta-feira. «Até porque lembro-me que o Rio Ave esteve quase a passar com golos do Mané e do Geraldes, jogadores que tinham saído do Sporting», sorriu. Mas aquele, defende o técnico, era outro Sporting: «Éramos uma equipa completamente diferente quando defrontámos o LASK Linz, agora somos uma equipa muito mais experiente. Temos mais estofo, somos mais experientes, mais equipa, mas aqueles dias podem acontecer e são equipas, quanto a mim, parecidas na forma de jogar, na intensidade. Estamos preparados, mais do que na altura, vamos ver.»