Peniche pode decidir, a partir desta quarta-feira, o campeão mundial de surf de 2013. Cascais coroou a vencedora do título mundial feminino, no fim de semana passado. E Garrett McNamara está a tentar bater na Nazaré o seu próprio recorde da maior onda jamais surfada. É em Portugal que tudo acontece por estes dias. O surf, por cá, cresceu muito nos últimos anos para chegar aqui. E mudou. Foi uma atitude de vida mais ou menos marginal, hoje é um desporto para todos. E são muitos.

No fim de semana passado jogou-se na praia do Guincho, em Cascais, a última etapa do circuito mundial feminino e foi lá que a havaiana Carissa Moore celebrou o título de campeã. Esta quarta-feira, dia 9, começa a etapa portuguesa do principal circuito mundial masculino. Vai na quinta edição e este ano, além de Peniche, tem Cascais como local alternativo, à procura das melhores ondas.

Como é a penúltima etapa do circuito, Peniche até pode consagrar o novo campeão mundial. É preciso uma combinação difícil. O único surfista que pode festejar já é o australiano Mick Fanning, atual líder do ranking e num duelo pelo título com o lendário Kelly Slater, 11 vezes campeão do mundo. Para isso, Fanning precisa de chegar longe e esperar que Slater não chegue. Por exemplo, se vencer em Portugal, precisa que Slater chegue às meias-finais. sul-africano Jordy Smith e os norte-americanos Taj Burrow e Joel Parkinson são os outros surfistas ainda com hipóteses matemáticas de chegar ao título.

Espera-se muita gente na praia, à espera de ver como fica. No ano passado terão estado 130 mil espectadores no evento, segundo as contas de um estudo do Institulo Politécnico de Leiria sobre o impacto do campeonato na economia, que avançou também com um valor de 7.9 milhões de euros de despesas diretas dos turistas presentes.

É algo em grande, já se viu. E como é que se chegou aqui? O Maisfutebol falou com José Gregório, 39 anos, duas décadas a surfar, antigo campeão nacional e agora responsável por uma marca. «É um trabalho que tem algum tempo, não surge de um ano para o outro», nota.

Para começar, há em Portugal muitas e boas ondas, além de bom clima. «Portugal tem condições naturais que são das melhores da Europa, isso é o principal, sem isso não haveria nada», nota Gregório. O resto foi investimento, primeiro local e depois nacional, institucional e de grandes empresas, para atrair as grandes competiçõs: «Foi feito um trabalho das entidades, primeiro da organização do campeonato de Peniche. Foi um sucesso grande e a partir daí já houve maior investimento do turismo de Portugal, de outras marcas.» Já tinham acontecido grandes competições internacionais em Portugal antes de Peniche. Mas Supertubos conseguiu uma afirmação sólida e está há cinco anos no circuito. Isso fez muita diferença.

O surf é uma excelente aposta para Portugal, insiste Gregório. «Eu costumo chamar a Portugal a Florida da Europa. Há um grande número de jovens, dos 18 anos 35 anos, que no inverno fazem neve na Europa central e no verão vêm surfar para Portugal. São dois desportos em grande crescimento e Portugal, com boas ondas e com bom tempo, é um destino ideal. O turismo percebeu isso, apostou e estão aí os resultados. Ainda bem», analisa. E o caminho, acrescenta, é por aí: «Para mim o nosso futuro passa muito pelo turismo. A indústria e serviços estão complicados e o turismo tem muito potencial.»

Há um nome importante neste crescimento. Tiago Pires. Ele é o surfista português que decidiu desde o final dos anos 90 tentar ser um dos grandes. Primeiro começou pelo WQS, o circuito secundário, onde os surfistas tentam amealhar pontos para chegarem em cada ano ao campeonato principal. «O Tiago começou a correr o WQS em 1998. Entrou para o WCT em 2005/06. O Tiago teve grande garra, foi um grande atleta. Ele esteve nove anos no WQS, muitas vezes a perder. Ficou três anos à porta do WCT, sem entrar», analisa Gregório: «O que o Tiago fez também catapultou muito o surf. É uma das razões por que há cada vez mais miúdos a praticar.».

Tiago, que não competirá este ano em Peniche (está afastado desde maio por lesão e não conseguiu recuperar a tempo da etapa portuguesa), é um exemplo para os outros surfistas, na opinião de Gregório. Isto numa altura em que não há mais nenhum português sequer perto do circuito mundial: «Em termos de surfistas o boom ainda não acompanhou tanto o crescimento. Temos três ou quatro miúdos com potencial, o Vasco Ribeiro, o Frederico Morais, o Nicolau (von Rupp). Mas ainda ninguém chegou a fazer o que o Tiago fez nos anos 90, conseguir estar há sete anos no WCT e ser o europeu com mais tempo no circuito mundial. Ainda ninguém está perto de entrar para a elite mundial.»

Com uma etapa regular do WCT que traz todos os anos a Peniche os melhores do mundo e com um português no topo, o surf «tornou-se finalmente mainstream», como diz Gregório: «Está nos media generalistas e teve também um grande boom de participantes. Hoje há muita gente a praticar, há muitas escolas, muitos ATLs dedicados ao surf.»

Nem sempre foi assim. O surf cresceu como tendência nos anos 60, mas numa lógica diferente deste enquadramento puramente desportivo. Era uma forma de estar, que cultivava precisamente a fuga ao «mainstream». Em Portugal foi no início dos anos 90 que começou a ter competição mais organizada e começou a fazer a transição para uma lógica de desporto. Gregório recorda esses tempos: «Nessa altura o surf ainda vivia conotado com uma imagem do passado, ligada à irreverência, à droga. Nos anos 70 era assim, as raízes do surf estão muito ligadas a essa lógica marginal, a Woodstock.»

Mudou muito, para valorizar mais outros princípios, alguns dos quais já lá estavam: os de uma vida saudável, em comunhão com a natureza. «Hoje em dia é tudo muito saudável, muito verde, a imagem que passa é de um desporto «clean», amigo do ambiente», observa Gregório, para fazer esta síntese: «Hoje em dia até é um desporto incentivado pelos pais, o que não era na altura.»

Para quem viveu um e outro tempo, a mudança evoca sensações contraditórias. Gregório: «Eu sempre fui a favor de o surf estar como está hoje, ter boa imagem. Sempre me levantei cedo para ir surfar, ao contrário de muitos. Por outro lado, hoje a gente chega à praia e não conhece ninguém. É o preço a pagar pelo facto de se ter tornado moda. Mas acaba por ser bom, porque levou o surf para outro patamar.»