O Courense é um dos três clubes dos Distritais ainda em prova na terceira eliminatória da Taça de Portugal. Nunca chegou tão longe. Depois de ficar isento na primeira ronda, fez a mais longa viagem da sua história, para se apurar numa intensa reviravolta em casa do Silves, um 5-3 que acabou em festa. Mesmo no meio de muito cansaço, para quem chegou a casa de madrugada e teve de ir trabalhar no dia seguinte.

É um clube amador, que vive o momento mais entusiasmante em 90 anos de história. A vila de Paredes de Coura, que o país – e o mundo – conhecem por causa do festival de música que todos os anos atrai milhares de pessoas, tem por estes dias um outro apelo. A campanha da equipa na Taça de Portugal está a mobilizar clube e adeptos. Há corrida às camisolas, há cachecóis feitos especialmente para a ocasião. O Courense espera casa cheia no domingo, frente ao Camacha.

Para falar desta caminhada e do futebol que é feito de paixão, dedicação e também ambição, que se divide entre o emprego diário e o campo de treinos, o Maisfutebol dá voz a quem lhe dá vida todos os dias. O capitão que nasceu em Paredes de Coura e está há 12 anos no clube, o treinador que já jogou na Liga e levou ao clube um trabalho de «matriz profissional», e o presidente, que faz uma visita guiada pelo passado e pelo presente. São eles, em discurso direto, quem conta as suas histórias e a história desta aventura.

Jorge Lima é presidente do Courense vai para cinco anos. Natural de Coura, foi atleta do clube.

É a primeira vez que o clube está numa fase tão adiantada da Taça de Portugal. Vencemos a Taça de Viana e isso deu acesso à Taça de Portugal. Na primeira eliminatória ficámos isentos e agora estamos aqui. O Courense é o clube da Distrital com mais presenças no campeonato de Viana, na I Divisão. Nunca subiu nem desceu.

Não sei os nomes dos fundadores do Courense, mas o que reza a história é que houve um grupo de amigos que se juntaram e quiseram fundar um clube. No início, tinham chegado a acordo para se chamar Sport Clube Courense. Mas como a maior parte eram sportinguistas, quando foram fazer a escritura ficou Sporting Clube Courense. Temos todos os escalões de formação de futebol, desde os petizes aos veteranos. Temos cerca de 350 sócios e estamos neste momento a angariar mais. Gostávamos de chegar aos 500, 600.

Financeiramente, temos um grande apoio do município de Paredes de Coura, o nosso maior parceiro financeiro. Temos também algumas empresas aqui de Paredes de Coura que nos vão dando alguns patrocínios. Depois é trabalho do clube. Organizamos um torneio durante o mês de junho, o Couracup, que já teve a 12ª edição. Este ano em cada fim de semana tivemos cerca de 30 equipas. Esse torneio também é alguma fonte de receita.

O nosso estádio, o Campo de Jogos do SC Courense, pertence ao clube desde sempre. É mais velho do que eu, foi inaugurado em 1977. Fica relativamente perto de onde se realiza o Festival de Paredes de Coura, a 500 ou 800 metros. Tem duas bancadas, uma com cerca de 450 lugares e outra 250. Depois tem todo o pião, deve andar por volta dos 2000 lugares. O estádio está certificado para jogos da Taça de Portugal. Tem estruturas praticamente novas. Os balneários estão a ser utilizados pelo segundo ano, o relvado sintético tem dois meses. É tudo praticamente novo.

Eu vou no terceiro mandato como presidente. Sou de Coura, de uma freguesia mesmo aqui ao pé da vila, Formariz. Vivo a cerca de dois quilómetros e meio do campo. Fui atleta da formação do clube dos oito aos a16 anos. Depois deixei o futebol, mas sempre fui adepto e depois sócio do clube. Sempre acompanhei o clube. Trabalho numa empresa de colocação de alumínios e vidros. O trabalho no clube é sempre pós-laboral. Não é fácil. Muitas vezes é muito tempo à noite, ao fim da tarde, sábados, domingos. Todo esse tempo, quem paga é a família. Tanto eu como qualquer dos meus colegas. Faz-se por amor ao clube, sem dúvida.

No clube somos todos amadores. Não há nenhum jogador profissional. Treinam à noite. Os treinos começam sempre por volta da 19h30 e terminam às 21h30, mais ou menos. Alguns trabalham para o município, alguns para o município da Barca, outros são serralheiros, outros são professores. Também há quatro ou cinco estudantes que andam na universidade.

A organização da viagem para Silves foi complicada. Foi a primeira vez que o clube fez uma viagem tão grande, cerca de 680 km. É difícil em termos logísticos, porque não tivemos muito tempo para organizar tudo. Todos temos os nossos empregos. Dá muito trabalho, parecendo que não. Há clubes que têm empresas que tratam de tudo, mas o Courense é amador, não faz viagens por norma longas, só no distrito. Felizmente correu tudo bem, porque acabámos por ganhar. Só chegámos a Coura por volta das 4h30 da madrugada. O dia seguinte era dia de trabalho, claro, para quase toda a gente.

Fomos muito bem recebidos pelo Silves. Já agradeci pessoalmente ao presidente do clube. Ligaram-nos a perguntar se precisávamos de ajuda para reservar hotel, restaurantes, isso tudo. Puseram-nos à vontade em tudo, disponibilizaram o campo deles para treinarmos no dia anterior. Só temos a agradecer.

Agora, com o Camacha, sabemos que eles estão no escalão acima, mas sabemos o valor da nossa equipa e acreditamos que podemos passar, como acreditávamos quando fomos a Silves. Não esperamos muitos adeptos deles, a viagem da Madeira para cá não é fácil. Contamos é com muitos adeptos do Courense. Com as manifestações que se têm visto acho que vamos ter casa cheia. Os preços já estão combinados com o Camacha. Vai ser cinco euros para sócios e oito para não sócios.

Estava ansioso antes do sorteio, claro. Por um lado, tínhamos receio que nos calhasse outra viagem longa. Para o clube não era fácil gerir. Por outro lado, gostávamos que tivesse calhado um grande. Não foi possível desta vez. Mas acreditamos que o clube tem condições para passar esta eliminatória e que na próxima sim, será um dos grandes.

Miguel Mota, 46 anos, jogou na I Liga pelo Belenenses e pelo Farense. Tem o seu emprego, mas em paralelo segue um percurso de treinador que o levou esta época ao Courense.

Enquanto treinador eu já disputei a Taça de Portugal e como jogador disputei uns oitavos de final com o Benfica na Luz, quando estava no Desp. Aves. Mas para um clube da Distrital, que quase nunca disputou a Taça de Portugal, é algo diferente e extraordinário. Estamos a viver isso com algum entusiasmo, como é lógico. Acabamos por ser um bocadinho levados por esse entusiasmo. O que queremos é desfrutar do momento e tentar chegar mais adiante.

Eu sou natural de Águeda e fiz toda a formação no Recreio de Águeda. Aos 18 anos saí para o Belenenses pela mão do João Alves e estreei-me na I Liga. Depois tive uma proposta do Desp. Aves e alguém me aliciou: «Vais jogar no Aves, na Liga de Honra, depois poderás eventualmente saltar para o FC Porto.» O treinador era o Luís Campos. Acabei por não jogar muito, ou pelo menos não jogar aquilo que eu esperava. Fui para o Aves numa decisão se calhar um bocadinho à maluca: «Vou conquistar o mundo e pronto.» Depois acabei por ir jogar para o Vianense, na II Divisão. Nessa época descemos, mas no ano seguinte, na versão antiga da III Divisão, fomos campeões nacionais. Nesse ano voltei a ser convidado para ir para a I Liga, para o Farense. Nos primeiros jogos fui sempre titular. Era o João Alves também o treinador. Acabei por me magoar, só fiz mais dois ou três jogos. Entretanto houve alteração de treinador, veio um espanhol, e pronto. Estive dois anos a jogar emprestado, um ano no Paredes e outro no Olhanense. Ainda joguei também no Vilaverdense, e depois tomei a decisão de não jogar mais profissionalmente.

Não tinha a pretensão de ser treinador, apesar de ter tirado cursos, porque nunca sabemos o que pode acontecer. Tirei o Nível I e o Nível II. Surgiu a possibilidade de treinar uma equipa de miúdos no Vianense. Eu primeiro entendi que não tinha competência para trabalhar com a formação. Mas o diretor que me convidou estava à frente de um clube que era uma instituição de reintegração de miúdos, uma Casa dos Rapazes aqui em Viana. É uma casa que recolhe crianças que não têm condições em casa. Acabei por ir ajudar. No ano seguinte o Vianense voltou a convidar-me. Fui treinar a equipa sub-16 e subimos à I Divisão distrital. No ano seguinte assumi a equipa sub-17 e conseguimos a manutenção no campeonato nacional. Depois o presidente do Vianense convidou-me para treinar a equipa sénior. Nesse ano, ainda dentro do contexto covid, subimos de divisão no Distrital. No ano seguinte fizemos um sexto lugar no Campeonato de Portugal. Na época passada o Vianense entrou numa situação de constituição de SAD e eu saí a seis jornadas do fim, porque a SAD trouxe um treinador. Este ano tive o convite do Courense. Não era minha intenção regressar ao Distrital, mas aceitei, pela forma como as pessoas me abordaram. Achei que era interessante e estamos aqui a tentar alavancar o clube para outro patamar. Vamos ver se conseguimos.

Tirei um CET (Curso de Especialização Tecnológica) de qualidade ambiental e estive 12 anos ligado a uma empresa do grupo Águas de Portugal. Entretanto saí, agora regressei e estou na direção de clientes. É muito difícil conciliar, porque o tempo é muito curto para a família. Porque, apesar de estarmos no Distrital, a nossa ideia e a nossa matriz é profissional. Vai ser sempre profissional, porque eu e a minha equipa técnica gostamos muito de futebol e queremos é futebol. Portanto, planeamos a época, a semana, o dia… Isso toma-nos muito tempo. Hoje é dia de folga e nós vamos ter reunião técnica, para fazermos o balanço da semana anterior e abordarmos o próximo jogo. Já temos algum conhecimento do nosso adversário e vamos planificar a semana em função disso. Não descurando a nossa ideia, mas metendo alguma nuance estratégica.

Em relação ao estudo do adversário, nós temos uma vantagem adicional no caso do Camacha, porque os defrontámos nos dois anos anteriores. O Camacha mantém o mesmo treinador e os mesmos jogadores, não deve alterar muito o padrão. Isso já é um ponto de partida. Depois há algumas plataformas, como o InStat, a que temos acesso e conseguimos ter alguma análise. Não é aquela que queremos, não está ao nível de clubes que têm outras ferramentas, mas tentamos esmiuçar o que podemos com o que temos. Em relação ao Silves, havia muito menos informação. Como é que preparámos o Silves? Percebemos que o treinador da época anterior já estava lá, percebemos que eventualmente o padrão de jogo seria aquele. Não houve muitas alterações de jogadores. Conseguimos ver algum jogo de preparação, pelo menos o onze inicial, e perceber uma ou outra dinâmica.

Alguns dos nossos jogadores têm profissões extremamente duras e nós também temos que gerir isso em termos do esforço e de carga. Outros são estudantes. O Courense é um clube que se situa um bocadinho mais no interior relativamente a Viana do Castelo, o que é uma dificuldade geográfica também para ter capacidade de recrutamento. Até por isso esta nossa aparição na Taça de Portugal acaba por ajudar o clube. Mas é difícil conciliar trabalhos mais duros em termos físicos com o nosso trabalho diário. Os elementos da equipa técnica tentam ter sempre uma relação de proximidade com os jogadores. Eles vão passando algum feedback, nós também temos algumas ferramentas, nomeadamente uma check list com algumas questões básicas, para perceber como é que eles estão em termos físicos, ou em termos de motivação. A nossa equipa técnica tem um grupo no WhatsApp com os jogadores, para irem falando e passando informação. Eu não estou lá. É assim que nós funcionamos. Eu no fundo sou aqui o patinho feio da coisa… O polícia mau, é por aí.

A maior parte dos jogadores não tem experiência de Taça de Portugal. Na vila as pessoas andam muito entusiasmadas, como é lógico, mas nós tentamos passar muita serenidade aos jogadores e agir com naturalidade. Porque no fundo é mais um jogo. Vamos tentar tirar proveito do momento e perceber se podemos ainda continuar esta caminhada. Eu gostaria de ter tido um grande cá em casa no sorteio. Por todos os motivos. Íamos colocar mais o Courense no mapa futebolístico, por assim dizer. E porque em termos financeiros seria altamente vantajoso. E isso é importante, para poder alavancar o clube. Com o Camacha, acho que temos aqui uma janela de oportunidade. Sabendo de antemão que não será fácil. É uma equipa que já tem algum estatuto no Campeonato de Portugal e tem jogadores de qualidade, mas acho que podemos ter uma palavra a dizer. E vamo-nos agarrar a isso. É isso que vou dizer aos jogadores.

Jorge Cunha, 37 anos, é o capitão de equipa há 12 anos. Conversou com o Maisfutebol no final de um dia de trabalho que acabou com o treino, eram 21h30

Eu sou natural de Paredes de Coura. Sempre gostei muito de futebol, mas tive uma formação muito escassa. Só comecei a jogar nos juniores, aqui no Courense. No ano seguinte não houve esse escalão e fui para o Castanheira, aqui perto, onde fiquei 10 anos. A minha formação acabou por ser também um bocadinho lá, numa equipa de seniores. Depois houve oportunidade de vir para o Courense, o clube para onde eu sempre sonhei vir, digamos assim. Inicialmente jogava a médio. Mas depois com o passar da idade vamos recuando e nas últimas épocas tenho jogado a central. Sempre fui um jogador aqui da terra, que represento o melhor que posso, com todo o meu amor ao clube e paixão pelo futebol.

Eu muito cedo pensei que os meus voos seriam por aqui, por estas andanças. Tinha noção de que para outros voos, teria que ter uma formação com as bases necessárias, num clube se calhar doutra dimensão, e teria que ter pensado nisso quando era muito jovem. Nunca tive grandes ilusões, sinceramente, em termos futebolísticos. Estudei aqui na escola profissional de Paredes de Coura, tirei um curso profissional de eletrónica e automação. Depois comecei a trabalhar numa empresa que faz instalação e manutenção de automatismos num concelho perto, em Arcos de Valdevez. Já há 18 ou 19 anos. Fui sempre conciliando o trabalho com o futebol. Às vezes é um bocado complicado, porque o trabalho exige deslocações, mesmo para o norte de Espanha. Muitas vezes é chegar mesmo em cima da hora do treino. E muitas vezes não dá para ir. Mas tento ser sempre focado e sempre responsável. Quando assumo um compromisso tem de ser.

No clube há mais alguns jogadores de Coura, que estão a começar. Havia outros, que eram um ou dois anos mais novos que eu, mas já se retiraram. Restei eu para levar aqui os mais novos pelo bom caminho… Como capitão procuro nem ser muito rude nem ríspido. Tento perceber sempre se alguns estão mais em baixo, às vezes porque o treinador lhes dá uma descasca… O que me preocupa mais em relação aos mais novos é tentar que eles estejam ali felizes. Fazer com que tenham vontade de aprender e evoluir.

No ano passado conseguimos pela segunda vez na história do clube conquistar a Taça de Viana. Foi um marco. Agora esta Taça é diferente, como estávamos a comentar aqui há bocado. É uma competição profissional, em que poderíamos calhar com qualquer um dos grandes tubarões. É uma competição muito importante, que tem muita história, e queremos desfrutar ao máximo dela. É isso que vamos fazer. Temos consciência que estamos numa situação inédita no clube. A maioria dos jogadores nunca chegaram a uma eliminatória da Taça de Portugal. Estamos motivados, acho que é muito essa a palavra que está no balneário. Muita motivação, muita vontade de participar em algo tão importante tanto para o clube como para nós. Aqui na vila está a haver muito interesse. Há muita procura de adereços. Camisolas, cachecóis. Há um crescer de interesse muito grande em relação ao clube. As pessoas estão a apoiar de forma incrível.

Já tínhamos tido oportunidade de ir a França, duas ou três vezes. Mas fomos a um torneio convidados, para passear. Não foi com o sentido de responsabilidade da viagem a Silves.  Foi uma aventura, porque são muitos quilómetros. Tivemos uma receção incrível, com pessoas fenomenais. Foi o primeiro jogo que fizemos às 15h. Normalmente jogamos às 17h. Estava muito calor. Custou-nos muito a adaptar, custou-nos também a adaptar ao modelo de jogo do adversário, estávamos um bocadinho na expectativa. Quando já estávamos a encaixar mais ou menos e a ver a forma como eles estavam a jogar acabámos por sofrer dois golos em dois erros. Depois na segunda parte tivemos que ter uma alma muito grande. Conseguimos pôr as nossas ideias em jogo, conseguimos fazer aquilo que treinámos e acabámos por fazer um golo muito cedo, logo na primeira ou na segunda jogada da segunda parte, que fez com que a confiança subisse a níveis muito altos. Acho que foi a chave para conseguirmos dar a volta ao resultado. É óbvio que a viagem para cima foi muito mais saborosa e muito mais fácil de fazer.

Agora estamos confiantes para o jogo com o Camacha. Sabemos que vamos defrontar um adversário que vem de um escalão superior, com qualidade e com ambição também. Mas temos de ter consciência que com trabalho, com humildade e com o sonho bem presente nas nossas cabeças, é possível. Agora, claro que temos de ter a consciência que do outro lado está uma equipa com qualidade, com ambição também. O que o treinador nos diz é que temos de pôr em prática aquilo que trabalhamos, o modelo de jogo. E depois ser ambiciosos. Temos de querer continuar a fazer história. Se até agora foi um trajeto bonito daqui para a frente pode ser mais bonito ainda. Temos os adeptos em casa e vão comparecer em grande número, isso temos a certeza. Para nós será uma vantagem muito grande. Será algo muito bonito de certeza. Se tivesse calhado um «grande» acabaria por ser especial. Ter oportunidade de jogar contra os nossos ídolos, os jogadores que nós habitualmente vemos só na televisão, e podermos estar ali 90 minutos, ou uns minutos que seja, dentro do campo a lutar contra eles acabaria por ser algo bonito e muito especial para cada um de nós. Mas ainda é possível…