Em Dume vive-se a visita ao Sporting para a quarta eliminatória da Taça de Portugal «quase como se fosse a final do Jamor» e a festa está garantida, com 10 autocarros e à volta de 800 adeptos em Alvalade, preparados para viver um momento especial na história de um clube também ele diferente, que cresceu através de uma parceria com um colégio. E que conta com um capitão que já eliminou o Sporting.

O Dumiense/CJP II subiu pela primeira vez ao Campeonato de Portugal há um ano e na época passada também foi longe na Taça de Portugal, onde só caiu na quarta eliminatória, frente ao Famalicão. Começava a dar resultados o projeto do clube que criou uma SAD e desenvolveu a formação, num modelo que resulta da associação com o Colégio João Paulo II, instituição católica local que assumiu os destinos do Dumiense em 2017.

«O colégio era um mero patrocinador do clube», começa por explicar ao Maisfutebol Mário Paulo Pereira, que preside ao colégio e agora também lidera o Dumiense. «Mas depois as pessoas que geriam o clube foram ter connosco a dizer que iam fechar. Já não tinham escolinhas, os seniores também já não estavam, já não tinham capacidade para manter o clube. Daí nasce a SAD, de uma sociedade entre o clube e o colégio. O colégio entrou com a ótica da promoção e fomento do desporto e é acionista da SAD.»

O clube, fundado há mais de 60 anos, passou a ter o futebol sénior gerido através da SAD, enquanto investia no desporto de base. «Através das atividades extra-curriculares do colégio acabámos por reabilitar as escolinhas do futebol», conta o dirigente. «Criámos mais algumas atividades e abrimos à comunidade de Braga. Aproveitámos a sinergia com o colégio e acabámos por ter um crescimento de atletas. Neste momento, entre voleibol, futebol, karaté, rope skipping e atletismo temos cerca de 800 praticantes de desporto no Dumiense. Do colégio serão 200, os outros 600 são da comunidade bracarense.»

Parte da atividade de formação do clube é feita nas instalações do colégio. «O Dumiense tem um protocolo com o colégio e utiliza o pavilhão para o voleibol e o campo de futebol de 11 que temos no colégio. No fim do dia o Dumiense utiliza o campo de futebol também, porque já não tínhamos infraestruturas no Dumiense para acolher tanta criança.»

Um campeão do mundo para ajudar «a formar bons homens e mulheres»

Para desenvolver o projeto, o Dumiense recorreu a uma cara conhecida - Nélson, o antigo lateral internacional português que foi campeão do mundo sub-20 em 1991 e jogou no Sporting, FC Porto e Aston Villa. «Queríamos fazer uma coisa diferente. Apostámos em formar bons homens e mulheres, e depois atletas. Para isso recorremos à figura do Nelson, porque é uma pessoa que tem uma experiência muito grande e se enquadrava no nosso perfil humano e ético», diz o presidente do clube.

Nesta altura, Nélson já não tem funções de direção, mas continua ligado ao clube. «Já não é diretor-geral, porque teve de ir ajudar a família. Mas continua a ajudar-nos na área da pastoral», diz Mário Paulo Pereira, explicando em que consiste essa abordagem.

«No clube, através do colégio, apoiamos por exemplo miúdos que tenham dificuldades e vamos tentando dar ajuda, através de salas de estudo. E temos um projeto em que acabamos por fazer também uma formação humana. Por exemplo, eles todos os meses trabalham um valor humano. Por exemplo a amizade, então andam um mês inteiro a falar sobre a amizade, a defini-la e a vivê-la. Tentamos fazer essa componente mais académica e mais humana, e o Nelson ajuda-nos nisso», afirma, acrescentando que não é necessariamente uma componente de prática católica, mas de valores: «Evidentemente que os grandes valores, sendo um colégio católico, são os que professamos. Que não deixam de ser os valores humanos, os valores católicos são os maiores valores humanos. Portanto, nós tentamos incutir os grandes valores humanos aos miúdos.»

Das escolinhas desde os três anos até ao objetivo da Liga 3

O projeto passa por criar uma ligação das escolas até ao futebol sénior. «Nós temos as escolinhas a partir dos três anos, que quase ninguém tem. A bola é quase maior que eles, mas é pela motricidade, os nossos professores de educação física dizem que faz muito bem às crianças», explica o presidente. O objetivo é partir daí para alimentar o crescimento do Dumiense na pirâmide do futebol nacional: «A ideia era nos próximos dois, três anos, tentar colocar o clube na Liga 3 e estabilizar por ali. Daí para cima é o que conseguirmos. Mas consolidar na Liga 3 para podermos fazer um cordão de pegar nos miúdos e eles perceberem que, se quiserem jogar futebol, têm uma equipa que os pode lançar através das escolinhas e depois chegar a uma Liga 3, que já é um bom patamar.»

O clube conta com um orçamento de «cerca de 400 mil euros» e tem uma equipa que não é exclusivamente profissional. «Há uma mistura. Temos para aí dois terços de amadores, e um terço é profissional», diz o presidente.

«Milagres existem, mas é muito difícil»

Foi essa equipa que já superou duas eliminatórias da Taça de Portugal esta época, primeiro frente ao União Santarém e depois eliminado o AVS, da II Liga. E que se prepara agora para ir a Alvalade defrontar o Sporting. «Estamos a preparar-nos para que seja um dia de festa e uma oportunidade para os nossos meninos irem para esses palcos, para jogarem com os seus ídolos. Honrando sempre a camisola, é isso que é pedido e nada mais do que isso. De resto, que se divirtam. O nosso campeonato é cá mais abaixo, não é aquele, portanto têm de abordar isto numa perspetiva de tranquilidade.»

O momento está a ser vivido com grande expectativa pelos adeptos. «Estão a viver e ajudar também os jogadores a viver com alegria este momento, com o carinho que lhes dão. É quase como se fosse a final do Jamor, as pessoas de Dume estão entusiasmadas. Nós temos uma massa adepta que acompanha muito a equipa, é normal aqui nas bancadas estarem 400 ou 500 pessoas. Lá para baixo vão para aí 800», diz o dirigente, a contar como a operação foi montada em colaboração com a autarquia de Braga, que cede os autocarros onde irão vários jovens das escolas do clube, e através da iniciativa de adeptos: «Daqui devem ir cerca de 10 autocarros. E depois há os outros que vão por meios próprios, que vão passar um fim de semana e aproveitam para ir ver o jogo.»

Quanto ao jogo, o presidente do Dumiense sabe que a diferença de nível é muita grande. Mas resta sempre alguma fé. «No ano passado caímos com o Famalicão. Este ano… Milagres existem, mas é muito difícil.»

O capitão que já eliminou o Sporting e… preferia ir ao Dragão

No Dumiense, há um jogador que sabe o que é eliminar o Sporting da Taça de Portugal. Aliás, foi ele que na época passada marcou o golo da vitória do Varzim sobre os leões. Hoje, João Faria é o capitão do Dumiense. E está pronto para outra.

«Não sonho com isso, mas acredito que possa acontecer. Mesmo que não seja eu a marcar, que seja um colega meu…», diz o defesa de 33 anos ao Maisfutebol: «Nós nunca vamos jogar para perder. Temos sempre esperança de ficar na história. Porque um clube de três divisões abaixo ganhar ao Sporting fica sempre na história. Somos um clube que ainda está em crescimento, que está a crescer pouco a pouco. Claro que nós acreditamos sempre que vai ser a festa da Taça.»

«Esperamos sempre por estes momentos. Para nos sentirmos jogadores»

João Faria ri-se quando se pergunta o que sentiu quando voltou a sair-lhe o Sporting no sorteio. «Para ser sincero… eu não queria o Sporting.» Então? «Claro que fiquei feliz por voltar a defrontar o Sporting, jogar no Estádio de Alvalade é sempre bom. Nós jogadores destes escalões mais abaixo esperamos sempre por este momento, para desfrutar destes jogos. Para nos sentirmos jogadores. Nós somos jogadores, mas não como são os jogadores do Sporting, que têm outra forma de viver o futebol e tudo isso.»

«Mas gostava de experimentar outro estádio», continua, ele que tem uma longa carreira que já passou pela II Liga, pelo Benfica B e até por uma experiência em Espanha, no Salamanca: «Já joguei contra o Benfica, já joguei no Estádio do Benfica. Mas eu gostava de jogar no Estádio do Dragão, nunca lá joguei. No Dragão ou no AXA… Fiquei feliz, mas podia ser outra equipa, podia ser o Porto…»

De resto, João Faria não se foca muito no facto de ter sido o herói daquela eliminatória com o Sporting. «Na história da vitória do ano passado pelo Varzim acho que ficámos todos. Eu só empurrei a bola lá para dentro, mas a equipa esteve toda excecional, está na memória de toda a gente», defende, ele que também não vê aquela vitória como o ponto mais alto da sua carreira: «Se calhar é o momento que vai estar na história durante mais anos. Claro que no futuro a gente vai-se lembrar mais do golo ao Sporting do que das três subidas de divisão, mais a que tive no Varzim. Mas as subidas de divisão, para mim, estão sempre presentes.»

«O que vier deste jogo vai ser bom para todos»

João Faria passado a sua experiência aos companheiros, na abordagem ao jogo de Alvalade. «Tenho dito que temos de estar muito focados, muito concentrados. Conseguir juntar a concentração à serenidade, porque às vezes estamos concentrados mas estamos nervosos. É isso que tento passar», diz, dizendo que a mensagem será para repetir mais perto do jogo, «no momento de ir para o campo». «Agora é preparar o melhor possível para chegarmos a esse jogo e darmos pelo menos uma boa imagem.»

O importante, acrescenta, é aproveitar o momento. «É desfrutarmos do jogo, vivermos este jogo de forma intensa, com muita concentração. O que vier deste jogo vai ser bom para todos. Se ganharmos, maravilhoso, não é? Se perdermos, é uma experiência única, que a maioria do plantel nunca viveu. É aproveitar ao máximo, o ambiente que vai estar e tudo, e depois focar no campeonato, que é o nosso principal objetivo.»

«Ainda por cima», como diz João Faria, o Dumiense não está bem no Campeonato de Portugal, onde ocupa o último lugar na Série A do Campeonato de Portugal, com sete pontos e apenas uma vitória em dez jogos. O capitão do Dumiense não acredita que a antecipação do jogo com o Sporting tenha tirado o foco do campeonato à equipa: «Acho que não. Se calhar na primeira semana, nos primeiros dias do sorteio, tirou um bocadinho o foco, por todo o interesse que tem, da comunicação social, dos amigos da família, sempre a falar no mesmo: «Vais ao Sporting! Vais jogar com o Sporting, espectáculo! E aquilo está sempre na cabeça das pessoas. Mas depois dessa semana desliga-se tudo um bocado desse jogo.»

Mas deixa o alerta à equipa: «As coisas não estão a correr como nós planeámos, ou desejámos. Se ganharmos ao Sporting é viver um bocado um sonho. Se formos eliminados é focarmos as nossas forças todas no campeonato para darmos a volta à situação, porque não está nada a nosso favor.»

O presidente do clube, por seu lado, acha que o jogo com o Sporting contribuiu para afetar o rendimento da equipa. «Toda a gente quer fazer este jogo, jogar com os seus ídolos, eu acho que estes últimos jogos mal conseguidos têm muito a ver com isso», diz. «Aquilo que nós pretendemos e ir para o lugar que a equipa merece, porque é uma boa equipa, um plantel montado para andar lá em cima. Portanto, espero que depois de passar este dia de festa eles também se foquem naquilo que é o nosso campeonato.»

O pedido ao Sporting para ceder a receita: «Fiz o meu papel»

De Alvalade, além da festa, o Dumiense espera trazer também um reforço para as suas contas. O clube tem direito a uma parte da receita, mas Mário Paulo Pereira fez um apelo ao Sporting para que cedesse também a sua própria parte. Algo que os leões já recusaram, nomeadamente na eliminatória anterior, frente ao Olivais e Moscavide.

«Eu fiz o meu papel para o bem desta coletividade, para fomentar as escolinhas, para que nada falte e porque estamos a fazer obras no complexo desportivo, a fazer novos balneários porque temos tido muitos atletas e já não temos onde os meter. Se fosse para mim tinha vergonha de pedir, como é para o clube acabei por pedir», começa por dizer: «Devo ter resposta no domingo, ainda não a tenho a resposta. Para nós era importante. Aguardamos com serenidade. Agora, também, se não puderem dar, ninguém fica chateado.»

Essa era uma prática comum dos clubes grandes durante muitos anos, recorda: «Os clubes pequenos sempre contaram um bocado com isso. Não sei quando começou esta coisa de não darem a parte deles das receitas, mas antigamente havia essa prática. E acho que era boa, porque era uma boa ajuda. Estes clubes vêm sempre com orçamentos apertados. E acabam por ser os clubes que fomentam o desporto de recreação. Porque os grandes clubes querem desporto mais à procura de grandes profissionais. A recreação não lhes interessa, somos nós que a fazemos.»

O presidente do Dumiense nem faz ideia da verba que estaria em causa. «Nós temos sempre direito a um terço da receita líquida. Não sabemos quantas pessoas vão, depois há os custos do policiamento, os ARD, os bombeiros, não sabemos qual é o custo que tem abrir Alvalade.» Mas, diz, seja quanto for pode fazer muita diferença: «Sei que pelo menos no ano passado e neste, quando eles não cedem a receita, alguns dos clubes pequenos até têm tido prejuízo. Por causa dos grandes custos que os clubes grandes acarretam e depois terem bilheteiras mais pequenas. Vamos ver, não conto que tenha prejuízo, porque o Sporting junta sempre muita gente, entre 15 a 20 mil vão sempre. A ver o que se consegue.»