Já se detestaram em público, já trocaram acusações graves e já protagonizaram uma das inimizades mais ostensivas da Premier League. Agora nem tanto: não será efeito da quadra natalícia, mas seguramente do passar do tempo. Arsène Wenger e José Mourinho mudaram o registo da sua rivalidade nos últimos tempos. De inimigos assumidos, passaram a apresentar-se como respeitosos rivais. E na última semana até se puseram de acordo sobre vários temas, entre eles nas declarações de apoio a um adversário comum: André Villas-Boas, ex-treinador do Tottenham.

A rivalidade entre o técnico do Arsenal e o do Chelsea, iniciou-se há nove anos e tem um registo invulgarmente favorável ao português, que ganhou cinco jogos e empatou quatro, nunca perdendo. Nesta segunda-feira, no Emirates, além de o Arsenal ter de defender a liderança, ameaçada pela pressão de Chelsea e Liverpool, Wenger enfrenta também um desafio particular: o de tentar, pela décima vez, a primeira vitória sobre uma equipa treinado por Mourinho.

Classificação da Premier League

Esta época já se cruzaram, a 29 de outubro, no Emirates, para a Taça da Liga. Para não variar, ganhou a equipa de Mourinho: quinta vitória dos «blues», com golos de Azpilicueta e Mata. Segunda no Emirates, em quatro visitas. Sim, era para a Taça da Liga (uma prova da qual o Chelsea também já foi afastado), e houve poupanças de parte a parte, mas ninguém pense que se jogou a feijões. Não há disso entre «gunners» e «blues». E, mesmo com toda a diplomacia de que agora se rodeiam, quando falam um do outro, muito menos haverá jogos a feijões entre Mourinho e Wenger, o homem a quem um dia o português chamou «voyeur», por estar obcecado com o que se passava em Stamford Bridge.

O pretexto, na altura, era Ashley Cole, que se preparava para trocar o Arsenal pelos rivais. Wenger acusou os responsáveis dos «blues» de aliciar o jogador de forma contrária aos regulamentos, usando escutas para o efeito. Mourinho contra-atacou com a tal palavra francesa escolhida a dedo para enfurecer o francês. «Há pessoas que têm telescópios em casa para ver o que se passa nas outras famílias», disse Mourinho, em outubro de 2005. Na altura chegou a haver ameaças de processo em tribunal. Cole acabou por ir para o Chelsea, sem surpresa. E entretanto já caiu em desgraça, estando em fim de contrato e fora das opções habituais de Mourinho.

«Uma surpresa para mim», admite Wenger que, com algum requinte, não poupa elogios ao lateral que um dia lhe virou as costas: «Quando vejo Ashley nos grandes jogos ainda é capaz de grandes desempenhos», diz, mantendo viva uma das polémicas neste regresso de Mourinho a Stamford Bridge.

Um regresso que não surpreendeu o técnico do Arsenal, como este fez questão de sublinhar na conferência de imprensa de lançamento para o jogo: «Sempre pensei que ele voltasse, com os jogadores é o mesmo. Pode haver a tentação de ir para Itália ou Espanha, mas todos acabam por voltar. Há algo de especial neste campeonato», diz, com o tom patriarcal de quem, depois do fim de carreira de Ferguson, é o técnico com mais tempo de permanência na Premier League (17 anos e meio). Questionado sobre o saldo desfavorável, de nove jogos sem qualquer vitória, Wenger não nega as qualidades do seu rival, embora pondo-as sempre a par do livro de cheques de Abramovich: «Nos últimos anos, o Chelsea teve sempre grandes equipas e grandes jogadores, e ele (Mourinho) é bom treinador. Essa conjugação de fatores torna as coisas difíceis», admitiu.

A diferença de estilos, no campo e fora dele, explicará parte da antiga inimizade. O facto de o Arsenal não ter voltado a ser campeão desde que Mourinho inaugurou a vocação conquistadora da era Abramovich, explicará a outra parte – Wenger sempre foi o crítico mais feroz da política gastadora simbolizada por Chelsea e Manchester City. 

Para este jogo, Wenger surge numa posição invulgar. A contratação de Özil, um dos jogadores preferidos de Mourinho, parece ter sido a pedra que faltava para fazer do Arsenal um candidato de corpo inteiro. Até há duas semanas, a equipa estava claramente na mó de cima, com uma identidade mais consolidada em campo do que um Chelsea demasiado irregular.

Mas, coincidindo com o eclipse de um Özil a precisar de descanso (é Wenger quem o admite) uma sequência de maus resultados deixou os «gunners» em risco de perder o comando e de ficarem novamente sem o estatuto de primeiro clube da capital. Uma sexta derrota em dez duelos, nessas circunstâncias, seria algo capaz de deixar Wenger apreensivo. Mas não por questões de rivalidade, garante: «Isto não é uma batalha pessoal. Mas uma série de três resultados dececionantes já é suficiente», lembra, aludindo ao empate com o Everton e às duas derrotas sucessivas, com Nápoles e Manchester City, que lhe complicaram as contas da Champions e da Premier League.

«Nada de pessoal, não sou eu contra Wenger», garante também Mourinho, que no regresso a Londres já tinha designado o treinador do Arsenal como um «tipo porreiro». «Tive a hipótese de conhecê-lo melhor quando saí de Inglaterra, encontrámo-nos em fóruns da UEFA, em Mundiais e Europeus. E quando não estamos na mesma Liga, é mais fácilconhecer as pessoas», resumiu, na altura, dando o melhor uso à sua versão de «happy one». Quem os viu e quem os vê... 

Jogos entre equipas de Wenger e Mourinho

12/12/2004- Arsenal-Chelsea, 2-2 (PL)
20/4/2005- Chelsea-Arsenal, 0-0
7/8/2005- Chelsea-Arsenal,2-1 (Comm. Shield)
21/8/2005- Chelsea-Arsenal, 1-0 (PL)
18/12/2005- Arsenal-Chelsea, 0-2 (PL)
10/12/2006- Chelsea-Arsenal, 1-1
25/2/2007- Chelsea-Arsenal,2-1 (Final da Taça da Liga)
6/5/2007- Arsenal-Chelsea, 1-1 (PL)
29/10/2013- Arsenal-Chelsea, 0-2 (Taça da Liga)