«Não sou exemplo para ninguém e nunca quis sê-lo. Nenhum jogador pode ser um exemplo de vida. No máximo, será um exemplo desportivo»

(Maradona, 17/10/2013)

Três dias antes de passar a frase à prática, brindando a administração fiscal italiana com este manguito televisivo, Diego Armando Maradona cometeu a proeza, provavelmente inédita, de passar por um indivíduo frio, lúcido e ponderado.

Por entre a febre mediática que rodeou a sua recente passagem por Itália, teve de ser um homem cujos defeitos e falhas de caráter foram dissecados ao pormenor, nas últimas duas décadas, a lembrar o óbvio: é um colossal disparate a ideia de que um futebolista deve ser, mais do que outras profissões, um exemplo para a formação moral dos jovens.

Os compromissos mais sérios que um profissional de futebol tem para com o exterior aprendem-se nos primeiros anos de formação. São os de respeitar os códigos do jogo, a equipa, os adeptos e os adversários. Depois, no caso raro dos grandes talentos, há a responsabilidade moral de dar uso à capacidade de inspirar e encorajar imitadores do que fazem em campo.

Por isso, com todos os defeitos do mundo às costas, Maradona não perde o rótulo de herói. Porque o que se cobra a um herói não deve ir além da obra que nos deixa. E se, em algumas atividades, ela pode ser medida em filmes, quadros, livros ou discos, no futebol mede-se em memórias. O que Maradona fez com uma bola – e, abençoado Youtube, continua a fazer, para quem o descobre agora – chega e sobra para ser uma figura altamente inspiradora, com lugar cativo no patamar de génios de outras áreas, que, pessoalmente, não teria qualquer interesse em convidar para jantar lá em casa.



Maradona é isto. Ou isto. Ou mais umas dezenas de istos. Como o serão Messi, Ronaldo e os outros, quando a poeira assentar. O resto é um joguinho menor, chamado culto da celebridade, que se pratica em muitos setores do entretenimento e serve para fazer cortinas de fumo sobre o essencial. Procurar aí exemplos para guiar os filhos não é falha das celebridades: é ignorância nossa.

«Agora ele era o herói» é um espaço de opinião de Nuno Madureira