Armand Duplantis voltou a dar que fazer aos funcionários municipais de Avesta. Esta semana, lá tiveram eles de subir a uma grua para levantar a fasquia do monumento que lhe é dedicado, na localidade sueca onde a mãe de Mondo nasceu. É que ele voltou a bater o recorde do mundo do salto com vara, pela sétima vez.

 

Mondo Duplantis faz história centímetro a centímetro. Agora deixou o recorde nos 6.23 metros e só é possível imaginar onde chegará o atleta que nasceu nos Estados Unidos e escolheu representar a Suécia. Mas ele dá uma dica. «Quero ganhar tudo o que é possível neste desporto. Quero ganhar tudo o que há para ganhar e mais vezes do que qualquer outro», disse à Reuters.

Está lançado para isso. São dele as oito melhores marcas da história, é bicampeão do mundo ao ar livre e campeão olímpico. Já superou mais de 50 vezes a fasquia dos seis metros. Mais do que qualquer outro, lá está. Tem 23 anos.

Mondo já voa muito acima da concorrência, um fenómeno apenas comparável à grande referência histórica da sua modalidade, Sergei Bubka. Estrela do atletismo, o homem que popularizou a disciplina, primeiro representando a União Soviética e depois a Ucrânia, foi o primeiro a passar a barreira dos seis metros. Dez vezes campeão do mundo (seis ao ar livre e quatro em pista coberta), bateu o recorde mundial 35 vezes e em 1994 deixou-o nos 6.14 metros. Essa marca, ao ar livre, só foi superada 26 anos mais tarde. Por Armand Duplantis.

O desporto nos genes e o salto com vara no quintal lá de casa

As proezas de Bubka fizeram parte das histórias de infância de Duplantis, para quem o atletismo é assunto de família. O pai, Greg, foi profissional do salto com vara, contemporâneo do ucraniano. Tem como melhor marca uns muito respeitáveis 5.80 metros. A mãe, Helena, também foi atleta, primeiro no heptatlo e depois no voleibol.

Greg montou uma estrutura de salto com vara no quintal lá de casa e Armand começou por medir forças com os dois irmãos mais velhos, que também chegaram a patamares de competição, um deles na vara e outro no basebol - Antoine chegou a passar pela Major League Baseball.

 

Armand rapidamente se distinguiu, não apenas pela capacidade técnica mas também pela obsessão em ser o melhor.  

Em criança, passou muito tempo a ver vídeos dos grandes atletas da disciplina, horas a fio até os pais o mandarem para a cama. Vídeos de Bubka e também do francês Renaud Lavillenie, que foi o seu grande ídolo de infância, antes de se tornar rival e também amigo – chegaram a treinar juntos em Clermont-Ferrand. Lavillenie, hoje com 37 anos, foi quem entrou primeiro nos livros dos recordes como tendo batido a marca de Bubka, quando em 2014 saltou 6.16 metros em pista coberta. Isto porque atualmente os registos formais já não fazem distinção entre marcas indoor e outdoor.

 

Crescer a ver vídeos de Bubka

Mondo – alcunha que lhe foi posta em criança por um amigo da família -, já falou sobre isso com Bubka, numa conversa entre os dois a propósito da sua nomeação para os Prémios Laureus de 2021, em que acabaram a debater modelos de varas. «Quando tinha quatro, cinco, seis anos, via vídeos teus e pareciam feitos quase impossíveis», disse Duplantis. «Parecia tão distante, e depois cresci a ver também o Renaud.»

Parte dessa conversa está aqui

O contexto familiar e o facto de poder treinar nas traseiras de casa foram determinantes, reconhece Mondo. «O salto com vara é uma disciplina muito técnica. Quando se começa a saltar tão novo, também se começa a compreender e a aperfeiçoar a técnica, mesmo sendo apenas uma criança. Eu já era muito bom aos nove ou dez anos. Tinha a técnica e era rápido para a minha idade, apesar de ser baixinho», disse Duplantis numa entrevista à revista sueca Café.

Em miúdo, Armand procurava repetir no quintal lá de casa o que via nos vídeos. «Aos 12 anos, ele tentava imitar no jardim os diferentes saltadores e os seus estilos», contou à France Press o luso-francês Damien Inocencio, antigo treinador de Lavillenie e amigo da família Duplantis, que aliás também destaca a velocidade como a principal característica de Duplantis: «Há dois anos», dizia Inocencio em 2020, «ele corria os 100 metros em 10.56 segundos, isso é natural nele. Também tem a altura certa e é um verdadeiro competidor, com grande força mental.»

Os pais, os seus treinadores desde sempre, recordam como Mondo era uma criança hiperativa, que nunca parava. Aliás, além da vara ele chegou a jogar também futebol americano e basebol no liceu, com energia que dava para tudo.

Acabou por escolher a vara e foi sempre a subir. Superando, lá está, qualquer outro. Tem as melhores marcas mundiais de todos os escalões etários até aos sub-12. Bateu o recorde do mundo de juniores aos 17 anos e um ano mais tarde foi campeão da Europa absoluto, com um salto de 6.05 metros que o colocou desde logo entre as cinco melhores marcas de sempre.

A «vida dupla» entre a Suécia e os Estados Unidos

Por essa altura já tinha decidido representar a Suécia, por sentir que seria mais valorizado no país de origem da sua mãe. «É o melhor para ele. O atletismo é muito celebrado na Europa e na Suécia e pouco nos EUA, essa foi uma das coisas que o atraiu», disse o pai Greg ao jornal Público em 2017: «Ele é mais conhecido na Suécia que na sua cidade natal.»

Duplantis passou a dividir o tempo entre a Suécia e Lafayette, no Louisiana, onde nasceu e onde cresceu. Faz questão de ter uma vida normal quando não está a competir e gosta do contraste entre a Europa, onde tem toda a atenção mediática, e os Estados Unidos, onde vive quase anónimo. «Às vezes é bom ficar debaixo do radar, descontrair e estar com os meus amigos de infância, jogar golfe e fazer os meus treinos normais sem muitas interrupções», disse ao jornal sueco Expressen: «Não me queixo, é muito bom e reconfortante ver muita gente a apoiar-me. De certa forma vivo duas vidas diferentes. Sou como um agente duplo.»

Foi em fevereiro de 2020 que Mondo superou pela primeira vez a melhor marca mundial, quando atingiu os 6.17 metros em Torun, na Polónia, e correu eufórico para abraçar a mãe na bancada.

A aposta de Bubka: «6.20 metros? 6.25? Está pronto para isso»

Seria o primeiro de muitos recordes e o segundo chegou logo uma semana mais tarde, em Glasgow, quando acrescentou um centímetro à melhor marca. Em setembro desse ano, superou então o mítico recorde de Bubka ao ar livre, quando saltou 6.15 metros no meeting de Roma.

Por essa altura, já poucos tinham dúvidas de que o céu é o limite para Duplantis. A começar por Sergei Bubka. «É um atleta fantástico que está a trazer um espírito novo ao salto com vara», disse o ucraniano à BBC depois de Duplantis ter batido a sua marca: «6.20 metros? 6.25? Para mim, ele está pronto para isso hoje.»

Duplantis chegou aos 6.20 metros em março de 2022. Depois disso estabeleceu por três vezes novos máximos, acrescentando de cada vez um centímetro. Uma gestão idêntica, aliás, à que fez Bubka no seu tempo.

A motivação e quem sabe os 6.30 metros, só porque «parece fixe»

Em julho de 2022, conquistou o seu primeiro título em Mundiais de atletismo com novo recorde do mundo, 6.21 metros, apenas a primeira vez desde os 6.14 metros de Bubka em 1994 que a melhor marca de sempre resultava de um salto ao ar livre. Um ano mais tarde, depois de ter voltado a bater o recorde em fevereiro e de garantir o segundo título mundial, tentou ainda nos Mundiais de Budapeste passar os 6.23 metros. Não deu, mas conseguiu-o três semanas mais tarde – no domingo passado, em Eugene, no meeting que encerrou a época internacional do atletismo.

Em 2023, apenas mais dois atletas em todo o mundo conseguiram marcas acima dos seis metros – o melhor registo é do norte-americanoo KC Lightfoot, com 6.07. Nesta altura, Mondo salta apenas contra si próprio, é ele quem define a fasquia. Mas continua a encontrar motivação. «Não sinto que já tenha atingido o máximo do que posso fazer. Enquanto sentir que posso continuar a superar os limites, a motivação vai lá estar. Além disso, divirto-me a fazer isto», disse em fevereiro à BBC: «Gostaria de saltar 6.30 metros porque parece-me fixe. Não porque seja um limite, ou algo assim.»