«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@tvi.pt.

A vida de Pedro Barrigana mudou em 1990. Promissor médio do Amarante FC, o antigo jogador tinha recusado abordagens de outros clubes para dar prioridade aos estudos. Porém, uma viagem de finalistas a Cascais ditou uma mudança de rumo.

Barrigana foi contactado por Manolo Vidal, diretor do Sporting - clube que acompanhava a sua evolução -, aceitou o convite para treinar à experiência nos seniores do clube leonino, assinou contrato por três épocas e virou as costas à universidade, numa altura em que já estava inscrito no curso de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores.

O médio de 18 anos esteve dois anos sem jogar no clube leonino, devido a questões administrativas, mas fez posteriormente uma carreira de bom nível, participando em momentos históricos de Farense e Santa Clara. Pendurou as chuteiras em 2007 e lançou-se no mercado de trabalho.

Atualmente, Barrigana trabalha no Algarve como comercial da Paperpack, uma empresa de produtos de higiene e limpeza.

«Comecei por trabalhar no restaurante do meu ex-sogro. Depois disso, comecei a trabalhar como comercial das Águas do Marão e há cerca de seis/sete anos mudei-me para esta empresa de produtos de higiene e limpeza. Não é como jogar à bola, em que éramos pagos para fazer aquilo de que gostávamos, mas tem de ser.»

O ex-jogador, agora com 51 anos, garante que a longa trajetória no futebol foi importante para moldar a sua personalidade: «No futebol aprendemos a adaptar-nos e a resistir à pressão, algo a que estamos sujeitos desde miúdos. A trabalhar para conseguir sempre mais e melhor. Tudo isso é útil na minha carreira atual.»

«A empresa para que trabalho está sediada no Redondo, no Alentejo, mas tem delegações em Ourém e em Faro. Eu faço a volta de Faro/Loulé/Vilamoura e Albufeira e continuo a ser reconhecido, o futebol acaba por ser um bom desbloqueador de conversa quando tento começar a negociar com pessoas de empresas ou hotéis», reconhece.

Pedro Barrigana passa os dias na rua, a negociar com atuais e futuros clientes. «Não é fácil vender, até porque eu sou uma pessoa mais séria, um vendedor deve ter um pouco mais de lábia para dar a volta às situações. Mas lá vou apresentando resultados e a empresa teve uma grande subida na altura da Covid-19, porque tem uma grande variedade de produtos de higiene e limpeza», explica.

À margem da atividade profissional, o antigo médio ainda consegue matar saudades do futebol.

«Quando deixei de jogar, estive quatro ou cinco anos a treinar miúdos no Inter de Almancil. Entretanto, há uns três anos convidaram-me para dar uma ajuda no Quarteira SC, como adjunto da equipa principal, que está a lutar pela permanência na primeira distrital. Faz-se aquilo por amor e para sentir ainda o cheirinho do futebol. Eu se pudesse jogava até morrer, foi para isso que nasci.»

«Fui um privilegiado porque jogava futebol e ainda me pagavam por isso», insiste Barrigana.

E assim foi. Grande promessa do Amarante FC, na terra que o viu nascer, o médio foi alvo de intensa cobiça quando ajudou a seleção regional do Porto a vencer o Torneio Lopes da Silva. O Sporting bateu à porta, mas os estudos eram considerados prioritários.

Já com 18 anos, antes de entrar na universidade, Pedro Barrigana foi a um viagem de finalistas a Cascais, por altura da Páscoa, e já não voltou a Amarante. «Era júnior do Amarante. O Manolo Vidal, que já me conhecia, soube através do meu pai que eu estava em Cascais e foi lá convidar-me para duas semanas de treino à experiência nos seniores do Sporting. Eu aceitei, foram buscar-me e segui direto para os treinos», explica.

«O Vítor Damas e Raul Águas, que eram diretores, vieram falar comigo ao fim de uma semana de treinos, porque gostaram de mim, e assinei contrato por três anos. Porém, aquilo complicou-se, porque o Amarante quis receber uma indemnização, o Sousa Cintra chateou-se com a direção do Amarante e fiquei quase dois anos sem jogar, só podia treinar e participar em amigáveis. Ainda fiz cinco jogos pelo Atlético, o clube satélite do Sporting, mas depois a Federação proibiu-me de jogar, por causa da queixa do Amarante.»

A afirmação do médio ficou condicionada. Ainda assim, Barrigana recorda com saudade a passagem pelo Sporting. «Mais valia treinar ali, no meio daqueles craques, do que jogar em outros clubes», considera. Saiu ao fim de dois anos e rumou a Sul para representar o Farense.

O ex-jogador foi titular nos únicos jogos europeus da história do clube algarvio: em 1995, na eliminatória frente ao Olympique Lyon.

«Estive quase anos no Farense e fizemos das melhores épocas de sempre. Nessa eliminatória da Taça UEFA só perdemos por 1-0 cá e lá, na altura em que o Lyon começou a crescer. Tínhamos uma grande equipa, que hoje em dia lutaria pela Europa, e eu ainda fiz bons jogos, mas tive vários problemas físicos, fui operado, tive pubalgias, estive demasiado tempo limitado.»

Após quatro temporadas no Farense, o médio rumou ao Tirsense em 1996 e ao Penafiel na época seguinte: «Fui para o Tirsense com o Manuel Fernandes. Entretanto estive no Penafiel e fui novamente convidado pelo Manuel Fernandes, dessa vez para ir para o Santa Clara. Estive na primeira subida do clube à Liga, em 1999.»

«Subimos uma vez, descemos, fomos campeões da II Liga e voltámos a subir. O Manuel Fernandes saiu entretanto para o Sporting, mas depois voltou. Era o meu paizinho no futebol. Estive seis anos no Santa Clara, até 2004, foram dos melhores anos do clube, que nunca tinha passado da II Divisão B, e também foi muito especial para mim. Foi onde nasceu a minha filha.»

Já com 32 anos, Barrigana regressou ao Algarve para representar o Portimonense na II Liga: «Fiz uma boa época e era para ir para o Felgueiras. Porém, a uma semana de começar o campeonato, o Felgueiras desceu por dívidas. Aquilo abortou, já não dava para inscrever-me nos campeonatos profissionais e fui para o Silves, que estava na III Divisão. Acabei a carreira na época seguinte, no Imortal.»

O médio terminou a carreira de jogador em 2007 e ficou a morar no Algarve. «Nasci em Amarante mas vivo aqui em Vilamoura, o Algarve tem grande qualidade de vida, passo o ano quase todo de t-shirt», frisa.

«Quanto à minha carreira, faço um balanço positivo. Podia ter sido um pouco melhor, mas fico satisfeito. Eu tinha muita vontade, as coisas que consegui foram fruto do meu trabalho, nada veio de mão beijada. Só não fiquei satisfeito com as lesões, a carreira podia ter sido bem melhor sem isso, mas nem todos podem ser o Cristiano Ronaldo.»

Pedro conseguiu respeitar a longa tradição da família Barrigana no futebol. O tio-avô do pai, Frederico Barrigana, foi um dos melhores guarda-redes portugueses de sempre, brilhando ao serviço do FC Porto. O pai de Pedro, Ernesto Barrigana, destacou-se igualmente entre os postes, passando por clubes como Sporting, Tirsense ou Boavista.

«O meu pai jogou com o Vítor Damas, foi à seleção com ele, era muito bom guarda-redes. Acho que só não teve melhor carreira porque tinha o coração muito perto da boca, dizia sempre o que pensava. Mas vejo os guarda-redes atuais e o meu pai dava-lhes 10-0», conclui Pedro Barrigana, com orgulho.