Das passagens pelo Sporting, da experiência falhada no FC Porto à ambição de treinar o Benfica, José Peseiro passou em revista algumas das experiências que teve na carreira e revelou objetivos que ainda tem por cumprir.

«Treinar o Benfica? Há ambição, mas não vejo como uma coisa fácil de concretizar neste momento. Não me sentiria bem em afirmar uma coisas dessas... já treinei quatro dos cinco melhores clubes portugueses, falta o Benfica. Não vejo isso muito claro, mas no futebol tudo pode acontecer. É uma ambição e um sonho que tenho, mas não me posiciono para isso. Há gente que se posiciona quando há convulsões nos clubes e isso é grave e chato. Ainda que o presidente do Benfica veio clarificar muito bem isso, os meus parabéns ao Rui Costa. É isso que se espera de um presidente de um clube grande», referiu, em declarações ao podcast «Ontem já era tarde».

O selecionador da Nigéria defendeu ainda Roger Schmidt, algo da contestação dos adeptos encarnados durante e após o último jogo da Liga frente ao Farense.

«Tenho noção de que cada vez mais os treinadores são alvo que este negócio serve quando serve e quando não serve, não serve. Há treinadores que disseram que 75 por cento do vencimento é para suportar a angústia e a frustração e o resto é para o trabalho. (...) Por vezes, colocam-se os treinadores no céu quando estes ganham ao serviço de clubes como Benfica, Sporting ou FC Porto, e se calhar não merecem estar no céu só por isso. Se calhar há gente mais importante na humanidade, que descobre coisas incríveis para a nossa saúde, bem-estar e que não são falados nem um centésimo. (...) Os treinadores nunca se devem sentir nas nuvens quando ganham, em na m**** quando perdem. O futebol só tem o estádio cheio e esta loucura porque tem uma grande carga emocional associada. Não concordo [com o comportamento dos adeptos], mas não me surpreende. Eu também vivi, várias vezes, momentos difíceis. Quando fazes um bom trabalho, crias expetativas muito grandes e é quando se pode promover estes atos de maior intolerância», refletiu.

Logo de seguida, Peseiro, de 63 anos, lembrou precisamente a primeira passagem no Sporting, continuando no tema da contestação de que os treinadores são alvo.

«Quando cheguei ao Sporting, lembro-me de ouvir nas bancadas: "Peseiro, cabrão, pede a demissão". Cantava-se nas claques, não sei se se espalhava pelos outros. Era este o termo, não me mandavam coisas para cima. Havia um foco de tensão e o presidente [Dias da Cunha] chegou a dizer-me que eu era uma arma de arremesso contra ele. E no final, quase ganhámos tudo. O Sporting tinha menos orçamento que FC Porto e Benfica e mesmo assi, chegou ao fim da Liga com possibilidades de ser campeão. Era falta sobre o Ricardo [no golo de Luisão na Luz]. Não ganhámos a Taça UEFA porque a equipa estava desgastada e não tivemos felicidade em alguns momentos. No final da época, fui convencido de que o melhor era continuar, mas eu não queria. Achei que não havia uma relação saudável. (...) o clube tinha divisões e problemas estruturais e organizacionais de alguma gravidade. Fui convencido a não ir embora. Mas eu queria ir, sentia que a minha presença não facilitava o trabalho aos jogadores e queria aliviar a carga emocional sobre o presidente. À terceira, vim embora. (...) Não me revejo em nenhum ato que aconteceu na Luz, não concordo, mas no mundo do futebol em que se vive...», partilhou.

O técnico defendeu ainda que o que aconteceu na Luz é um reflexo da sociedade onde vivemos. «Percebo que vivemos num mundo... acumulámos frustrações. Eu, em miúdo, não acumulava tantas frustrações e não tinha isto tudo à minha vida. Parece que vivemos sempre chateados e incomodados. Vivemos numa sociedade complicada em que os valores e as relações humanos não estão aqui, estão ali. Por exemplo, passo o dia ao telefone durante o almoço com a minha mulher e com os meus filhos, ninguém fala com ninguém... vivemos num mundo artificial e se calhar o  momento em que estamos juntos em família é quando vamos ver os jogos. E precisamos da vitória. Andamos a perder a semana toda porque não temos uma relação de amizade, a vida que gostaríamos e concentramos tudo num momento de um jogo. Temos de aceitar, mas isso é soltar o ódio e a raiva, não tem a ver com o Benfica. Há pessoas que seguem o Benfica, o FC Porto, o Sporting e outras equipas e que querem um momento de satisfação. É um momento de egoísmo. Procuram uma compensação. Às vezes são pessoas que ganham bem, têm educação. O Schmidt vem de outra cultua e não sente as coisas como nós. Ele ficou escandalizado, o que viveu não é normal. Mas também é inaceitável que diga a adeptos para ficarem em casa. Será que ele sabe o que signfica para um português, um latino?», disse.

José Peseiro recordou o golo de Luisão no dérbi da Luz que ditou a perda do campeonato, referindo que «com VAR, aquele golo tinha sido anulado» e falou das dificuldades que teve na segunda passagem pelo Sporting.

«Não sei se fiz bem. Aceitei porque o Sporting marcou muito a minha carreira. A ligação emocional que tenho pelo que consegui e não consegui... pensei: "Bem, quero ganhar alguma coisa no Sporting". Era uma altura muito complicada, sei o que sofri nos primeiros tempos. Não sei quantas horas passei com a administração a resolver questões para os jogadores que tinham rescindido voltarem. Depois, queríamos jogadores e ninguém queria vir para o Sporting. (...) O que o Peseiro fez foi vestir a camisola, devemos sempre vesti-la. E não sobrecarregar o Sporting com orçamentos, vínculos e responsabilidades que não podia tomar. Tínhamos de reduizr em 15 milhões o orçamento para o novo ano. Sempre disse que só queria jogadores que acrescentassem. Já tínhamos alguns que foram erros tremendos de contratação, com vencimentos loucos, não sei quem foi o responsável. Esses tratámos de ver se saiam, depois reunimos os melhores e apresentaram grandes jogadores, mas era impossível. (...) Fui assobiado na apresentação assim como o Sousa Cintra sabemos por quem. Felizmente, isso está parcialmente tratado no Sporting. O plantel que montámos ganhou a Taça de portugal e a Taça da Liga mesmo com dificuldaes que tivemos. Fiquei muito satisfeito, muito mesmo. Sei que para mim não foi muito bom ter de sair. Quando houve eleições, o Sporting estava em primeiro lugar, tinha plantel suficiente para, perante o que foi o campeonato, ter conquistado duas competições», rememorou.

Por último, o técnico lembrou a passagem sem sucesso pelo FC Porto numa fase difícil do clube portista. «Projeto Kamikaze? O do FC Porto também foi. Não era um plantel tão forte como os que o FC Porto já tinha tido. Poderá ter sido um erro, mas era uma ambição que tinha. O FC Porto era uma das melhores equipas dos últimos anos em Portugal e pensei que podia mudar. (...) Chegámos e perdemos o Maicon, andámos a meter um Chidozie, que com todo o valor que tem, era um miúdo... o plantel não era fortíssimo. Perdemos a final da Taça de Portugal contra o Sp. Braga quando o Sp. Braga merecia se calhar mais ter batido o Sporting no ano anterior do que o FC Porto nesse ano. Não estou arrependido, mas se calhar não fiz bem», confessou.

José Peseiro está, lembre-se, contratualmente vinculado à Nigéria até final da CAN que se vai realizar no início de 2024.