*Enviado especial a Turim

Falar de Turim é falar de duas marcas: a Juventus e a Fiat. Curiosamente ambas pertencem à mesma família, a família Agnelli. Curiosamente também, foi a existência de uma que impediu a existência de Maradona na outra. Uma história com mais de trinta anos.

O episódio foi revelado há pouco tempo pelo próprio Maradona.

Quando o génio maior do futebol tinha apenas 20 anos e brilhava com a camisola do Argentino Juniors, em 1980, teve tudo certo para se transferir para a Juventus.

Por indicação da família Agnelli, tinha sido Omar Sivori, antigo jogador da Juventus e chefe dos olheiros do clube italiano na América do Sul, a negociar com o Argentino Juniors. Mas também por indicação da família Angelli, Omar Sivori foi obrigado a cancelar o acordo.

Tudo, lá está, por causa da Fiat.

Eram dias difíceis em Turim. A empresa automóvel da família Agnelli estava em processo de automatização das fábricas e previa despedir cerca de dois mil funcionários. Ora por isso gerou-se o tumulto na cidade que ficou para a história como «Os 37 dias da Fiat».

Durante 37 dias consecutivos, cerca de 40 mil pessoas de Turim saíram para as ruas em greves e severas manifestações contra o processo em curso, houve confrontos com a polícia e o ambiente estava por isso pesado. Gianni Agnelli, o chefe da família, considerou que uma contratação dispendiosa de Maradona podia ser mais gasolina para a fogueira e cancelou a contratação.

Maradona confessou que não ficou triste: saiu para o Boca Juniors, do Boca Juniors saltou passados dois anos para o Barcelona e chegou a Itália em 1984 para ser ídolo do Nápoles.

Fiat e Agnelli, um casamento feliz que gerou a Juventus

A ligação da Fiat e da Juventus nem sempre foi tão infeliz, contudo.

Há quem diga, aliás, que as duas juntas transformaram Turim na quarta maior cidade italiana. Antes da Fiat nascer, em 1899, Turim era apenas uma cidade de província sob a sombra das montanhas.

A visão de Giovanni Agnelli, o patriarca da família, tornou-a na maior empresa de Itália e conduziu à migração de milhares de pessoas do sul mais pobre para a industrial cidade de Turim para trabalhar nas empresas do grupo Fiat.

A isso há que acrescentar a Juventus, claro.

Comprada em 1923 por Edoardo Agnelli, filho e herdeiro de Giovanni Agnelli, foi crescendo com o dinheiro da Fiat até se tornar o mais bem sucedido clube italiano e um dos mais bem sucedidos da Europa. Com isso levou o nome de Turim à Europa.

A Juventus está na posse da família Angelli desde 1923, o que os torna nos proprietários mais antigos de um clube europeu: muito antes de aparecerem milionários russos ou arábes no futebol.

Desde então a família Agnelli tem controlado as duas marcas da cidade de Turim, e da própria Itália. Mas raramente o presidente da Fiat foi também o presidente da Juventus: só aconteceu com Edoardo Agnelli e com o filho (e todo poderoso) Gianni Agnelli.



A Bola de Ouro que Platini ofereceu a Gianni Agneli

Em Itália há quem diga que a família Agnelli é aliás a família real que o país não tem: gerações que se vão sucedendo no poder, vida social a alimentar revistas, mortes trágicas em acidentes e até suicídios, crises sucessórias, enfim, tem tudo o que a imprensa cor de rosa merece.

A influência da família Agnelli é tão grande que Michel Platini, quando ganhou a terceira Bola de Ouro, a ofereceu a Gianni Agnelli. «Por muito dinheiro que tenha, uma destas nunca conseguiria», disse-lhe. Gianni Agnelli perguntou-lhe se era mesmo de ouro e Platini, conta-se, foi desarmante. «Se fosse mesmo de ouro não lha oferecia.»

Hoje no poder estão dois jovens com pouco mais de trinta anos. John Elkann é presidente da Fiat e o primo Andrea Agnelli é presidente da Juventus.

Andrea Agnelli que é, de resto, um apaixonado pela Juventus. Com sete anos, por exemplo, foi ao Heysel Park ver a Juventus ganhar a Taça dos Campeões frente ao Liverpool.

Nessa noite morreram 39 adeptos da Juventus esmagados, mas Andrea só registou a vitória.

Cresceu nos relvados ao lado do pai Umberto Agnelli, na altura presidente da Juventus. Por isso toda a família considerou que seria a escolha óbvia para assumir a presidência do clube quando em 2006, na sequência do Calciocaos e da descida de divisão, a família decidiu que devia ser um Agnelli a regressar ao posto de comando.

Debaixo do sentido prático de Andrea Agnelli, a Juventus voltou a dominar o futebol italiano. Há 91 anos que que Turim, a família Agnelli, a Fiat e a Juventus têm um relacionamento feliz.

Tirando aquela vez em que a Fiat afastou Maradona da Juventus.