Vou confessar-me. Ora com licença, aqui vai.

Adoro a rivalidade.

Adoro a rivalidade inteligente, aquela hostilidade saudável, o conceito de confrontação que alimenta o futebol e se alimenta do futebol.

A existência, ela própria, só faz sentido à sombra de uma rivalidade. Portugal e Espanha, por exemplo. Argentina e Brasil. Monserrat e Reino do Butão. Mourinho e o resto do mundo.

Percebo perfeitamente aliás que a liga inglesa tenha considerado o desabafo de Kevin Keagan antes da última jornada do campeonato de 93/94 a melhor frase da história da competição.

O Newcastle partia para a última jornada com menos um ponto do que o Manchester United e ainda a lutar pelo título: os dois andavam pegados.

«I would love if we beat them. Just love it.»

Brilhante. Um olhar que fala mais do que mil palavras. 



Da mesma forma não é fácil levar a mal que Alex Ferguson tenha usado um palavrão feio quando falava de tudo o que conquistou: a rivalidade impunha aquele palavrão.

«O meu maior desafio não tem nada a ver com o que está a acontecer no momento. O meu maior desafio foi expulsar o Liverpool do poleiro». Fucking perch, disse ele. «E podem escrever isso.»

Está escrito, sir.

Abel Xavier explicaria a rivalidade, de resto, de uma forma simples: rivalidade... ri... vale... idade.

Trata-se portanto de uma atitude ou um pensamento que corresponde a um sorriso em qualquer idade: numa criança ou num idoso.

Como aconteceu, por exemplo, quando um adepto do Tottenham levou a camisola de Nayim para as bancadas de um derby recente com o Arsenal: Nayim fizera o golo que em 1995 valera o triunfo do Saragonça na final da Taça das Taças, precisamente sobre o Arsenal.

Dezoito anos depois, tomem lá: ainda se lembram?!



É possível não sorrir? Abel Xavier garantirá que não, mas ele é um vencedor: vence a dor.

Já eu sou um admirador: admiro a dor. Sobretudo a dor dos outros.

Nisso sou um bocadinho como os adeptos do Bétis, por exemplo. Aquela que é considerada por muito boa gente a maior rivalidade da liga espanhola encontrou a expressão máxima em 1997.

O Bétis jogava em casa, na última jornada, com o Sporting Gijón: os asturianos lutavam com o Sevilha pela permanência e foram recebidos em completo arrebatamento pelos adeptos béticos. A partir daí foi algo nunca visto. Parecia que o Sporting Gijón jogava em casa. Ganhou, atirou o Sevilha para a segunda divisão, e foi obrigado a dar uma volta de agradecimento no final do jogo.



No fundo, caro leitor, é disto que se fala quando se fala de rivalidade: desta cabeça lúcida que deixa o coração aos pulos. Deste amor que se mede também no tamanho do ciúme.

Desta inteligência e deste sorriso alimentado pela memória.

Desta capacidade de invejar. Desta excitação que nasce da partilha de um sonho.

Nenhuma vitória é completa se não caminhar ao lado de uma derrota: e a vitória é tanto maior quanto maior for a derrota do outro lado.

Os economistas definem rivalidade como a exclusividade sobre um bem: mas o futebol não se conta em números. Conta-se em sonhos, em recordações, em sorrisos. Conta-se enfim em emoções.

Achar que a rivalidade se defende nas ruas, se avalia em motins ou se mede em feridos, é matar a rivalidade: em última instância é matar o futebol.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui todas as sexta-feiras de quinze em quinze dias