Não nasci a tempo de ver jogar Carvalho e guardo dele apenas a memória feliz da reverência com que o meu pai, quando eu era criança, me falava daquele antigo guarda-redes do Sporting.

Percebia naquelas palavras que era um homem a sério, como antigamente eram os homens a sério: grande, austero, corajoso e autoritário.

Mais tarde, já em 2013, estive com ele numa tertúlia em Alvalade para celebrar os cinquenta anos da conquista da Taça das Taças. Nessa altura confirmei tudo o que percebera nas palavras do meu pai: Carvalho era efetivamente um homem rígido.

Quando ele falava, a conversa tornava-se mais séria.

Geralmente os guarda-redes, sobretudo os grandes guarda-redes, eram feitos desta têmpera. Eram homens destemidos, corajosos, cobertos de uma valentia quase louca.

Ainda hoje o são, claro, mas naquela altura, quando o futebol era mais cru, genuíno e irrefletido, eram-no muito mais. Carvalho representava o exemplo inteiro do que era ser guarda-redes.

Por isso construiu uma carreira que o torna um dos melhores da história do futebol português. Doze anos no Sporting, vários títulos, um lugar no pódio do Mundial 66 e dois jogos para história: a finalíssima da Taça das Taças e o Portugal-Checoslováquia de apuramento para o Mundial 66.

Nas duas vezes, Carvalho manteve a baliza inviolada: foi decisivo para os sucessos do Sporting e da Seleção Nacional, portanto.

Nesta terça-feira, é normal que para várias gerações mais novas a notícia da sua morte não signifique muito. Afinal representa um tempo que já tem mais de meio século.

A maior parte de nós provavelmente ainda nem era nascida.

Convém não esquecer o essencial, porém: não merecemos o futebol que temos se não soubermos valorizar a memória de quem o construiu. Heróis fundamentais como Carvalho, que fizeram o futebol ser este jogo que tanto amamos.

Hoje é um dia triste.

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, editor-chefe do Maisfutebol