António Lobo Antunes confessou uma vez a paixão por uma citação que eu próprio também aprecio: parece-me um sinal evidente de algum paralelismo de genialidades. 

Mas em frente.
 
«Todos os bocadinhos contam, diz o rato depois de mijar no mar.»
 
Basicamente é isto: basicamente é esta simplicidade com que se sublinha que o importante não são as coisas grandes, são as muitas coisas pequenas que todas juntas nos permitem ter algo realmente grande. São no fundo as coisas menores mas nada irrelevantes.
 
Ora vem esta conversa a propósito do campeonato português, e daquela grande mentira que frequentemente se reflete nos rankings que colocam a liga nacional na frente.
 
O campeonato português não é o quinto melhor da Europa, como garante erradamente o ranking da UEFA. Nem o sexto, nem o sétimo.
 
É no fundo uma mentira travestida de verdade insofismável: como todas as verdades que assentam na lógica matemática dos números.
 
Mas os números, neste caso, mentem.
 
A liga portuguesa não é a quinta melhor da Europa. Nem a sexta, nem a sétima, repete-se: e repare que aqui a repetição é propositada, quase poética.
 
No fundo os três grandes do futebol português, sim, todos juntos, são o quinto melhor lote nacional entre os países da Europa. O que é muito diferente. É a obra clássica do futebol português, na eterna divisão em três capítulos.
 
O problema é que a liga portuguesa não é apenas feita de clubes grandes, e essa liga portuguesa está mal. Cada vez pior, aliás.
 
Por isso o Estoril vende o melhor jogador a meio do ano para um clube que luta por não descer no campeonato turco e vende outro talento da equipa para o campeonato angolano.
 
Por isso o V. Guimarães vende um titularíssimo para a Suíça e o Moreirense vende um avançado para o campeonato do Chipre.
 
O problema no futebol português não é a saída de Enzo Perez para o Valencia, de Mangala para o Manchester City ou de Marcos Rojo para o Manchester United.

O problema é a partida do que Fernando Santos chamou de classe média portuguesa: dos bons valores de clubes médios ou pequenos que se transferem para campeonatos marginais. Para o Chipre, para a Grécia, para a Roménia ou para a Polónia.
 
Sejam portugueses ou estrangeiros, os melhores jogadores do segundo e terceiro terço do campeonato português saem todos os anos para clubes que nem sabíamos que existiam.
 
Esse sim, é um sintoma: o campeonato português não está melhor, só está mais fragmentado. Os clubes menores, mas nem por isso irrelevantes, estão cada vez mais pobres,  e o campeonato fica mais fraco também.
 
Por isso os três grandes acabam por perder competitividade na primeira divisão europeia: é difícil jogar com Chelsea ou PSG quando se habituam a jogar com Penafiel e Gil Vicente.
 
A liga portuguesa só será enfim melhor, e mais competitiva, quando pensar como o rato da citação de António Lobo Antunes: percebendo que todos os bocadinhos contam.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias