Já houve quem lhe chamasse a melhor equipa uruguaia da atualidade, o que é realmente uma definição feliz: este Atlético tem muito de uruguaio dentro dele.

Tem muito, por exemplo, de Obdulia Varela.

Obdulio Varela era, recorde-se, o capitão da seleção uruguaia que venceu o Mundial de 1950. Foi ele quem começou a escrever Maracanazo quando, depois do Brasil ter aberto o marcador, foi buscar a bola ao fundo da baliza, caminhou lentamente até ao centro do relvado, dirigiu-se ao árbitro e durante dois minutos falou-lhe de nada em particular.

O objetivo era quebrar a euforia de duzentos mil brasileiros que estavam nas bancadas, o que conseguiu: a festa transformou-se em impaciência, e depois em raiva.

O Uruguai fez, depois disso, dois golos e venceu a final. Mais tarde Varela explicou que o jogador tem de ser como o ator em cima do palco. Tem de dominar o cenário.

Ora se há coisa que este Atlético faz bem, é isso: dominar o cenário. Em qualquer relvado e sob as mais distintas circunstâncias, a equipa de Simeone tem personalidade, tem carácter, obedece a um conceito óbvio e não se deixa manipular por nenhum contexto.

Mesmo quando é empurrada para a defesa, como foi há dias em Munique, o Atlético continua a dominar o cenário: não tem dúvidas do que está a fazer.

Mas há mais.

Este Atlético de Simeone é um iconoclasta. Um vândalo de conceitos modernos, um assassino de ideias reverenciadas. É um bandido, no fundo.

Numa época que condena o trabalho físico e estima a organização tática, numa época em que se reprovam as cargas pesadas, numa época, enfim, em que se diz que o trabalho sem bola já não faz sentido há pelo menos uma década, nesta época o que faz Diego Simeone? Leva os jogadores para a montanha e bate-lhes tanto que eles só desejam morrer.

Obriga-os a correr pela serra e fá-los levantar pesos. Impõe-lhes flexões, abdominais, agachamentos e pranchas. Tudo sem bola, tudo apenas físico e tudo, claro, muito duro.

Os teóricos do futebol moderno devem deitar as mãos à cabeça e nós, que olhamos de fora, pensamos que estamos de volta ao início dos anos oitenta, quando era normal fazer treinos na praia, sem bola, supostamente para oxigenar os pulmões.

Mas Diego Simeone é mesmo assim.

Como, aliás, o Atlético Madrid também é mesmo assim: um destruidor de conceitos convencionados, um desafiador de ideias, um pensador à sua própria maneira.

Numa altura, de resto, em que se preza a posse de bola e o jogo paciente, o Atlético honra a fúria, a energia, a cólera e a velocidade: tem um futebol ansioso, agitado e vigoroso, sempre de olhos na baliza adversária, um futebol de bolas longas, muito contacto físico, contra-ataque e capacidade de sofrimento.

Um futebol fora de moda, no fundo.

Por isso o Atlético não é tão sedutor como o Bayern, o Barcelona ou o Real Madrid, mas também não precisa de o ser: tem a nobreza dos princípios e merece todo o crédito.

O diretor de marketing esteve há dias em Lisboa, no congresso organizado pelo Sporting, e disse que nunca vendeu tanto em mercados como os Estados Unidos, a Índia ou a China.

Porquê? Porque o clube tem hoje uma identidade clara, que emana da imagem que chega a todo o mundo do treinador ou do futebol da equipa: intensidade e robustez.

O Atlético vai ganhando por isso dentro e fora de campo, enquanto Simeone desafia todas as ideias pré-concebidas para nos dizer que não há uma só forma de ser feliz.

Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias