A sua revista digitalTudo memórias. Vãs e tristes, se o olhar partir da Cidade Invicta.
Os resultados demonstram-no claramente: jogar no Estádio da Luz já não assusta os dragões. No século XXI, o FC Porto ganhou tantas vezes em casa do Benfica como ganhara nas três décadas anteriores.
Se recuarmos no tempo, as diferenças são ainda mais marcantes. Entre 1930 e 1970, 40 anos, só há registo de quatro vitórias do FC Porto na Luz, em jogos do campeonato nacional.
O paradigma mudou. A derradeira derrota dos tricampeões nacionais ocorreu em dezembro de 2009, ano do único título levado por Jorge Jesus para a catedral. Daí para cá, duas vitórias do FC Porto e uma igualdade.
O Benfica pode, porém, agarrar-se a uma curiosa nuance estatística: nas últimas seis partidas realizadas na Grande Lisboa, o FC Porto nunca venceu (Sporting, Belenenses, Estoril, novamente Sporting, Benfica e outra vez Estoril).
Tudo depende, pois, da origem do ponto de vista.
«Fomos espicaçados por uma frase do Coentrão»
O símbolo perfeito da revolução espiritual do FC Porto para os jogos na Luz é a dupla vitória em 2010/11, primeiro no jogo que garantiu o título aos dragões e duas semanas mais tarde na reviravolta nas meias-finais da Taça de Portugal.
Na primeira dessas visitas quase consecutivas è Luz, Villas-Boas afixou um cartaz com uma frase de Fábio Coentrão. O então lateral do Benfica dizia que as águias podiam perfeitamente «ganhar por dois ou três» e propunha-se ele próprio fazer por isso. «Já marquei quatro, é uma coisa espectacular, vai ficar marcado, mas não quero ficar nos quatro, espero no domingo marcar dois ou três».
Beto não se recorda ipsis verbis das palavras do colega de seleção, mas não hesita ao falar da reação «espicaçada» do plantel azul e branco.
«Nada era irrecuperável para a equipa. Tanto no campeonato como na taça fomos com um desejo muito forte, especial. No segundo jogo, mesmo ao intervalo, com 0-0, olhámos uns para os outros e começámos a gritar: vamos com tudo, é só um sprint até ao fim».
O jogo em que o FC Porto decidiu o campeonato e deixou a Luz às escuras foi no início de abril: 1-2, vitória festejada de forma inaudita. Luzes apagadas no fim, sistema de rega ligado, adeptos e jogadores azuis e brancos a celebrarem molhados e às escuras.
«Ainda nos deu mais satisfação festejar assim», desabafa Beto. «Foi inacreditável. O estádio só com os nossos adeptos, nós em cima da baliza, a água a cair sem parar... melhor do que isso não há. Estou certo de que esse jogo traumatizou o Benfica».
Mas não ficou por aí. 17 dias mais tarde, para a Taça, mais um triunfo: o FC Porto venceu por 1-3. Duas vitórias no estádio do Benfica num espaço de duas semanas e meia.
O contexto era completamente adverso. O Benfica vencera por 0-2 na primeira-mão, jogada no Dragão, e chegava com uma vantagem confortável a esse Clássico. Ao intervalo, prevalecia o nulo. Os segundos 45 minutos dos dragões foram arrasadores.
Na baliza dos tricampeões nacionais esteve Beto. O atual guarda-redes do Sevilha conta minuciosamente ao Maisfutebol de que forma foi esse jogo preparado. «Fomos para lá convencidos que íamos vencer. O discurso do André Villas-Boas apontou sempre nesse sentido. Aliás, grande parte do trabalho de preparação teve uma componente emocional, psicológica», conta o internacional português.
Esse FC Porto acabaria por pedir meças a Usain Bolt no tal sprint de que fala Beto. Três golos marcados em 10 minutos (João Moutinho, 64; Falcao, 72 e Hulk, 74), para um só sofrido (Cardozo, 80, g.p.).
Em 18 jogos para a Taça de Portugal realizados na Luz entre os dois rivais, o FC Porto venceu só dessa vez, em 2011. Logo depois da tal desfeita, numa verdadeira final de campeonato.
Apesar do ciclo de domínio, quase ditatorial, do Benfica ter sido invertido no século XXI, Beto faz questão de sublinhar que cada jogo é uma final: «tudo pode suceder».
A grande diferença está, acredita, na postura estratégica do FC Porto. Deixou de assentar na tremideira tática e no respeito reverencial para adotar uma alma de génese conquistadora.
«O FC Porto marcou uma posição forte no futebol português e europeu. Estive lá mais de dois anos e constatei isso. A ambição é gigante, seja na Luz ou noutro estádio. Mas num clássico tudo pode suceder».
Antes, em 1972, também na Luz e também nas meias-finais da taça, tudo tinha sido radicalmente diferente: 6-0 para as águias, um ataque imparável com Artur Jorge e Vítor Batista.
Já na década de 90, e para a Supertaça, o FC Porto foi golear o Benfica à Luz por 0-5. Essa terá sido a década da decisiva viragem, a ignição de um FC Porto maioritário no número de títulos nacionais.
Domingo há mais um capítulo, certamente rico, desta rivalidade ancestral. O recente desaparecimento de Eusébio pode, acredita Beto em final de conversa, «influenciar» o jogo.
«Vou estar em Elche, onde jogaremos às 22 horas, e irei ver o jogo. Vai ser fantástico e as emoções estarão à flor da pele, até pela morte do Pantera Negra. São os melhores duelos do futebol português».
O SALDO HISTÓRICO DOS BENFICA-FC PORTO
CAMPEONATO NACIONAL
Década de 30:
. 6 jogos
. Benfica: 5 vitórias
. FC Porto: 1 vitória
Década de 40:
. 10 jogos
. Benfica: 9 vitórias
. 1 empate
Década de 50:
. 10 jogos
. Benfica: 5 vitórias
. 3 empates
. FC Porto: 2 vitórias
Década de 60:
. 10 jogos
. Benfica: 6 vitórias
. 3 empates
. FC Porto: 1 vitória
Década de 70:
. 10 jogos
. Benfica: 4 vitórias
. 4 empates
. FC Porto: 2 vitórias
Década de 80:
. 10 jogos
. Benfica: 5 vitórias
. 4 empates
. FC Porto: 1 vitória
Década de 90:
. 10 jogos
. Benfica: 4 vitórias
. 4 empates
. FC Porto: 2 vitórias
Da época 2000/01 em diante:
. 13 jogos
. FC Porto: 5 vitórias
. 5 empates
. Benfica: 3 vitórias
TOTAIS: 79 jogos; 41 vitórias do Benfica, 14 do FC Porto e 24 empates
TAÇA DE PORTUGAL
. 18 jogos
. Benfica: 15 vitórias
. 2 empates
. FC Porto: 1 vitória
SUPERTAÇA
. 10 jogos
. Benfica: 5 vitórias
. 1 empate
. FC Porto: 4 vitórias
