"Conto direto" é a rubrica do Maisfutebol que dá voz a protagonistas dos escalões inferiores do futebol português. As vivências, os sonhos e as rotinas, contados na primeira pessoa.

Mário Sérgio, 40 anos, lateral do Maia Lidador.  

«Saio de Lordelo e em dez minutos estou na Maia. Por volta das 8 horas estou no estádio. Treinamos quase todos os dias por volta das 9:30/10 horas, mas gosto de ir cedo para fazer as minhas coisas de forma tranquila. Tomo lá o pequeno-almoço antes do treino. 

Volto para casa para almoçar e o resto do meu dia é dedicado aos meus filhos. Tenho de ir buscar o meu filho à escola a uma hora e a minha filha a outra hora. Como estou com o Tiago Valente nos juniores do Aliados de Lordelo, ainda vou lá treinar os miúdos às 20 horas.

Antes de começar o campeoanto, ligaram-me do Maia Lidador. O Bruno Tiago, um rapaz que jogou comigo há muitos anos e que pertence à malta que está à frente do clube, falou-me das condições e do projeto para este ano. Analisei várias situações e optei pelo Maia Lidador pelas pessoas e pelo treinador [Pedro Cunha, ex-Rio Ave] que já conhecia.

Comecei a jogar futebol aos 8 anos no Paços de Ferreira. Salvo erro, em Lordelo não havia escolinhas e o Paços de Ferreira era o clube mais perto. Íamos vários miúdos de Lordelo para Paços de Ferreira. Fui ficando no clube as coisas aconteceram naturalmente. 

Deram-me a oportunidade de treinar com os seniores e agarrei-a. Vivi três anos muito bons nos seniores. Chegámos à meia-final da Taça de Portugal, mas perdemos na meia-final contra a União de Leiria. É uma competição diferente com um espírito especial e tenho 'pena' de nunca ter chegado à final. 

Apanhei o Cristiano Ronaldo, o Bruno Alves, o Ricardo Costa, o Quaresma, entre outros, nas seleções jovens. Participei num Europeu de sub-21 e estive nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004. Há um jogo especial no meu percurso nas seleções a contar para o apuramento para o Euro sub-21, se a memória não me atraiçoa.

Jogámos contra a França, uma grande seleção com jogadores como o Djibril Cissé, o Evra e o Mexès. Perdemos a primeira mão por 2-1 em Guimarães e no segundo jogo, sentimos alguma falta de respeito por parte dos franceses. Até pelo que disseram na imprensa, parecia que o jogo estava ganho. As coisas correram bem, ganhámos nos penáltis – fui um dos que marquei. O balneário tinha um tecto era falso, não era grande coisa. A malta empolgou-se com a vitória e o balneário ficou meio estragado (risos).

Mário Sérgio transferiu-se do Paços de Ferreira para o Sporting com 22 anos. 

Saí do Paços de Ferreira para o Sporting com 22 anos. Já o disse anteriormente e não tenho problemas em dizê-lo novamente. Se calhar não estava 100 por cento preparado quando fui para o Sporting. Encontrei uma realidade totalmente diferente e as coisas não correram como queria. 

Quando cheguei apanhei craques como o João Vieira Pinto, o Sá Pinto, enfim, jogadores que faziam a diferença. Foi um privilégio aprender todos os dias com eles, independentemente de ter jogado pouco. O treinador era o Fernando Santos. Ele é um bocado 'fechado', mas é a personalidade dele. Acho que agora já está mais solto e ri-se mais um bocadinho. 

Fiz alguns jogos com o mister Fernando Santos, mas com o Peseiro praticamente não joguei. Tinha mais dois anos de contrato com o Sporting, mas senti que precisava de jogar e fui emprestado ao Vitória.

O Vitória é um grande clube, independentemente da fase que possa viver. Estive um ano emprestado e deu-me um gozo tremendo representar o Vitória. Lamento que as coisas não tenham corrido bem [ndr: descida de divisão]. 

Depois da experiência em Guimarães, mudei-me para a Naval. Foi o clube onde provavelmente fiz mais jogos em Portugal. Com todo o respeito pela Naval, não era um clube como o Vitória. Mas mostraram-se muito interessados. Apesar de ter jogado no Sporting e no Vitória, não tive problema em dar um passo atrás e fiz duas grandes épocas na Naval. Isso deu-me outras oportunidades.


 

Mário Sérgio num jogo entre a Naval e o Desportivo das Aves na época 2006/07


Fui para a Ucrânia através do Ricardo Fernandes. Ele já lá estava e o treinador do Metalurg Donetsk disse-lhe que precisava de um lateral-direito. Ele falou-me da Ucrânia e aceitei o que me foi oferecido. O país estava em mudança. Apanhei um pequeno choque quando cheguei. Lembro-me bem de que no aeroporto, quando fui buscar a mala, não havia tapete rolante. As nosas malas estavam em cima daquelas carrinhas de caixa aberta. Pensei: 'Não estava a contar com isto'. 

Durante o período em que estive lá, a Ucrânia começou a construir estádios novos por causa do Euro 2012 e melhorou as estradas. Donetsk, a cidade onde vivia, cresceu muito e tornou-se mais bonita e viva.

É impossível falar da Ucrânia sem me lembrar do frio. O frio não era nada fácil. Ainda assim, as coisas correram-me muito bem desportivamente e guardo boas lembranças. Joguei por exemplo com o Mkhitaryan antes de ele ir para o Shakhtar Donetsk. A equipa tinha alguns portugueses e brasileiros, o que tornou a adaptação mais fácil. 

Há uma história que me recordo da Ucrânia. Um dia fomos jogar fora, mas não conseguimos regressar por causa da neve. Ficámos no hotel. A malta estava a jantar à vontade, pois o treinador tinha dado liberdade para isso, e houve um ou outro que bebeu um copo a mais. Quando nos apercebemos, estava um jogador enterrado na neve. Talvez precisasse de se arrefercer um pouco (risos). Acabou por correr tudo bem, mas foi um episódio engraçado. 

Da Ucrânia mudei-me para Chipre. Foi uma mudança radical. Culturalmente, Chipre é mais parecido com Portugal e em termos de clima, é um paraíso. As épocas correram-me bem, fui muito feliz no APOEL e ganhei tudo o que havia para ganhar a nível interno. 

 

Mário Sérgio e Lionel Messi num jogo da Liga dos Campeões na época 2014/15.


Além disso, o APOEL deu-me a possibilidade de jogar na Liga dos Campeões, um dos meus objetivos quando fui para Chipre. Foi uma experiência incrível: jogámos contra PSG, Barcelona e Ajax na fase de grupos. Aliás, essa equipa do Barcelona foi a que ganhou a Liga dos Campeões contra a Juventus. Apanhei o Neymar, o Messi, o Suárez, o Xavi, o Iniesta, entre outros. 

Quando defrontámos essas equipas, temos de aproveitar o momento e tentar fazer o nosso melhor. Perdemos 1-0 em Camp Nou e foi a minha estreia na Champions.

Após cinco anos em Chipre, decidi juntamente com a minha família, que estava na hora de regressar a Portugal. Ainda houve uma abordagem para jogar na Liga, mas as coisas não se concretizaram e fui para o Varzim. Quando assinei, a ideia era andar o mais acima possível na tabela, mas nem sempre tivemos a estabilidade necessária. Ainda assim, gostei da experiência no Varzim pelas pessoas e pelas condições que o clube ofereceu. 

Tinha 37 anos e o Bilhete de Identidade começou a falar por mim. Quando não me sentir bem, sou o primeiro a assumi-lo. Não me vou continuar a enganar. Acabei por ir para o Felgueiras 1932. Estive lá dois anos e o segundo ano correu melhor, apesar de o campeonato ter acabado devido à pandemia de covid-19. 

Ao fim de dois anos, entraram outras pessoas no Felgueiras 1932 e decidiram não falar comigo. Tinham outras ideias e acabei por mudar-me para o Maia Lidador. 

Não vou dizer que vou jogar mais dois ou três anos. Tenho 40 anos e vivo um dia de cada vez. Não posso colocar metas a mim próprio. Até posso ter vontade de jogar até aos 50 anos, mas sei que não será possível. Depende de como me for sentido. Treinador? Está a dar-me um gozo especial treinar os miúdos do Lordelo, poder partilhar o que vivi, ensinar e aprender com eles, mas ainda não pensei em tirar o curso de treinador.»