O Cova da Piedade, campeão da Associação de Futebol de Setúbal e orgulhoso representante da Margem Sul do Tejo, está à espera do Gil Vicente para a festa da Taça de Portugal. Haverá romaria ao Estádio Municipal José Martins Vieira e suor até ao apito final.

Na eliminatória anterior, a equipa que subiu ao Campeonato Nacional de Seniores eliminou o Portimonense. No Algarve, após um empate a zero, o Cova da Piedade foi superior nos castigos máximos (3-4).

Houve festa rija mas sem luxos. Na modesta realidade de um clube amador, com um orçamento mensal de três mil euros, não há prémios de jogo avultados.

O emblema na nova União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas garantiu uma receita de quatro mil euros na visita a Portimão. Mil euros foram para os jogadores, como recompensa pela surpresa na Taça. Dividindo tal valor por um grupo de cerca de vinte elementos, são à volta de 50 euros para cada um.

Não é muito mas chega. Pelo menos, servirá para financiar as jantaradas semanais na Tia Bé, um restaurante africano situado na localidade. «É, dá para dois ou três jantares. Não é pelo dinheiro que defendemos a camisola, é pelo orgulho. Todas as quintas-feiras, já há vários anos, a equipa junta-se para uma jantarada lá. É uma forma de manter a equipa unida», explica Tiago Meira, um dos jogadores mais experientes.


Cova da Piedade não recebia equipa de Liga há 28 anos

Tiago Meira tem 32 anos e nunca viu uma equipa da Liga a jogar na Cova da Piedade. Aliás, poderá ter visto mas não se lembra. O defesa é adepto do clube desde tenra idade. De qualquer forma, tinha apenas quatro anos quando o Vizela, então na I Divisão, passou por lá.

Na época 1984/85, uma equipa onde estava Pedro Espinha chegou aos oitavos-de-final da Taça de Portugal. Recebeu e venceu Estrela da Amadora, Vizela e Ginásio de Alcobaça. O sonho foi desfeito no Estádio da Luz, 4-0 para o Benfica.

«Sou adepto do Piedade desde pequeno e não me lembro de ter aqui uma equipa de primeira. Vai ser um dia de festa, tenho amigos com quem não falo há anos que me pediram bilhetes. Queríamos um dos grandes mas, não calhando esses, é um orgulho defrontar o Gil Vicente, a atual sensação da Liga», admite Tiago Meira.

O Estádio Municipal José Martins Vieira vai receber o encontro. Tem capacidade para 3.500 espectadores e uma caraterística que pode favorecer a equipa da casa. «O Gil vem jogar a um campo difícil, o relvado é sintético e não estão habituados. Sinceramente, não acredito que poupem jogadores porque sabem que será um duelo complicado. Vamos dar tudo.»

«Como o Almada joga apenas no domingo, toda a gente desta zona estará concentrada no jogo do Piedade. Para mim será um momento especial e para os mais jovens será uma oportunidade. Há aqui miúdos com muita qualidade», avisa o jogador.

Mais uma curiosidade: o Cova da Piedade, do distrito de Setúbal, recebe o Gil Vicente. E o Vitória de Setúbal recebe o Santa Maria, a outra equipa de Barcelos.


Bancário a passar a ponte para chegar aos treinos

Tiago Meira, o guia do Maisfutebol nesta visita virtual a Cova da Piedade, é um dos elementos mais experientes num plantel completamente amador. Este bancário de profissão admite que não é fácil arranjar tempo para o trabalho e a paixão.

«Eu, por exemplo, chego às 8h30 ao banco, em Lisboa, e saio às 17h00, a correr. Às vezes, deixo alguns assuntos para trás, e tenho de agradecer à minha chefe, que tem sido inexcedível. Meto-me no carro rapidamente para atravessar a ponte. Se me atrasar, apanho o trânsito todo», explica.

Enquanto o lateral esquerdo joga no Campeonato Nacional de Seniores, o seu irmão está na Liga. João Meira, central do Belenenses, tem agarrado a oportunidade. «Tem muita qualidade. E felizmente, os tempos são outros. É o lado bom da crise. Há mais espaço para jogadores portugueses. Quando eu era mais novo isso não acontecia.»

Há mais espaço nos clubes da Liga e rendimentos mais baixos nos emblemas dos escalões inferiores. «No último fim-de-semana jogámos com o Pinhalnovense, por exemplo. Esse clube, há uns anos, pagava 2500 ou 3000 euros a cada jogador. Agora são 200 ou 300. Foi por isso que, a dada altura, percebi que teria de apostar noutra profissão.»


Ricardo Aires já eliminou o F.C. Porto no Dragão

Tiago Meira é jogador da casa e um dos mais experientes. De qualquer forma, aparecem outros nomes conhecidos no plantel do Cova da Piedade. «Olhe, temos por exemplo o Ricardo Aires, que já eliminou o F.C. Porto na Taça de Portugal!».

Ricardo Aires, agora com 35 anos, jogava no Atlético que surpreendeu a formação portista no Estádio do Dragão, em 2006/07.

Uma coisa é certa: o Cova da Piedade está preparado. Sem grandes prémios de jogo, sem estágios, apenas com uma enorme dose de esperança. «Não mudámos as rotinas. Vamos encontrar-nos no sábado de manhã e almoçar no estádio. Depois, iremos dar o máximo para dignificar o clube.»

«Vai ser um dia de festa para o Cova da Piedade e merecido. Não é um clube bafejado em capital mas teve vários jogadores a passar por aqui, como o Luís Boa Morte ou o Luís Leal, que está agora no Estoril. Se perguntarem aos jovens do distrito de Setúbal onde querem jogar, e excluindo o Vitória, acho que nenhum descartaria o Piedade, que dá oportunidades e tem grandes condições», remata Tiago Meira.

Afinal, este é o Campeão da Associação de Futebol de Setúbal.