Depois do Adeus é uma rubrica lançada no Maisfutebol em junho de 2013 e dedicada à vida de ex-jogadores após o final das suas carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem aqueles que não continuam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para valvarenga@mediacapital.pt.

Marco Freitas foi um dos melhores médios defensivos do campeonato português na segunda metade da década de 90. Porém, o jogador luso-angolano viu o seu crescimento bloqueado face à presença de um certo Michael Thomas no plantel do Benfica.

Após três épocas de grande nível no V. Guimarães, Marco rumou ao Estádio da Luz em 1998, com 26 anos e uma mala cheia de esperanças: assinou um contrato de quatro épocas e fez apenas quatro jogos pela equipa principal do Benfica.

Essa é a fase decisiva de uma carreira bonita (sete épocas e mais de cem jogos na Liga), concluída na Madeira. É por lá que Marco Freitas continua, agora como um massagista profissional.

O antigo médio, atualmente com 44 anos, interessou-se pela arte, investiu na sua formação e regressou ao futebol. Trabalhou em hotéis, clínicas e outros espaços, mas o futuro passaria por novo contacto com os relvados. Trabalha há cerca de três anos na AD Machico.

«Fui tirando várias formações e consigo fazer vários tratamentos e massagens: Massagem Indiana, Massagem Ayurvedica e Massagem Champi, Massagem anti-Celulite, Massagem Sueca, Aromaterapia, Tratamentos Terapêuticos, Reiki, Cavitação, Radio Frequência, etc. Isto, para além de Fisioterapia que pratico no clube.»

Marco Freitas está feliz. Não ganha – nem de perto nem de longe – aquilo que ganhou enquanto jogador de futebol mas sente-se realizado, tem alguma independência financeira e continua ligado ao mundo do futebol.

«Acompanho todos os escalões do Machico. São cerca de 400 miúdos, para além do trabalho com a equipa sénior, que acompanho sempre nos jogos. Antes, trabalhei em hotéis, em clínicas, mas neste momento a atividade principal é essa. Se dá saudades de ir lá dentro? Claro! Tantas…»

O antigo jogador teve um período de enorme fulgor no Vitória e foi em Guimarães que começou a desenvolver um interesse por esta área: «Surgiu quando eu jogava V. Guimarães, onde falava muito com Francisco Miranda, que está agora no Sp. Braga. O bichinho ficou.»

«Antes de acabar a carreira, comecei a tirar cursos de massagens e enquanto jogava já ia a hotéis e outros espaços exercer. Depois, estive a trabalhar durante algum tempo numa clínica, mas essa entretanto fechou. Nesta altura dedico-me sobretudo ao futebol, mas é preciso ter consciência que não se ganha tanto como massagista do que como treinador. Por outro lado, não se é despedido tão facilmente (risos).»

Marco Freitas terminou a carreira de jogador há nove anos – com uma pequena interrupção para ajudar a AD Porto da Cruz – mas mantém a ambição que demonstrava nessa altura. Quer chegar o mais longe possível, agora como massagista.

«O Machico está na Divisão de Honra da AF Madeira e não escondo que a minha ambição seria chegar a um nível mais alto. Na Madeira, por exemplo, há o União, o Nacional e o Marítimo, que tem estabilidade na Liga. O restante cenário aqui é muito diferente.»

Hoje em dia Marco não ganha o suficiente para ter sequer margem de manobra: «É algo que eu gosto de fazer, embora seja um trabalho de segunda-feira a segunda-feira, não há fins-de-semana para ninguém. E claro que estou muito longe daquilo que ganhava como jogador. Aliás, estou sempre a contar o dinheiro e às vezes não chega. Infelizmente, mesmo durante a carreira tive clubes que me falharam, ordenados em atraso, e um investimento que correu muito mal.»

O antigo jogador está ligado atualmente ao Machico mas salienta que o trabalho por conta própria, como comprovou depois de pendurar as chuteiras, é extremamente complexo.

«Trabalhar nesta área é complicado porque os particulares sentem dificuldades para pagar as massagens de que muitas vezes precisam. Precisas de ter boas relações com médicos, com seguradoras, e mesmo assim ficas meses à espera que te paguem», desabafa.

As queixas de Marco Freitas não se limitam ao cenário financeiro. No âmbito da sua atividade, tem uma especial preocupação pelo bem-estar físico dos atletas mas enfrenta dificuldades acumuladas.

«Eu sempre tive uma grande preocupação pelo físico, por estar na melhor forma possível, é algo que infelizmente não vejo agora. Os seniores trabalham, querem é acabar os treinos e ir para casa descansar, o que se tem de perceber, infelizmente, e os miúdos não se esforçam tanto, não jogam na rua, estão agarrados à internet, a pensar em tudo menos futebol.»

«Não vais ficar porque eu quero que jogue o Michael Thomas»

Chegou a hora de um regresso ao passado e ao ciclo decisivo na carreira de Marco Freitas: o Benfica. Sonhou com esse passo, justificou um contrato de quatro épocas e viu as expectativas defraudas logo à entrada, com Graeme Souness a fazer de tudo para abrir caminho para Michael Thomas.

«Assinei um contrato de quatro anos com o Benfica mas surgiram muitas complicações. Antes de mais, o meu compromisso foi Manuel Damásio, até fiquei seis meses sem jogar no V. Guimarães por causa disso, e quanto cheguei lá o presidente já era Vale e Azevedo. Era suposto eu receber um valor em dinheiro e Vale e Azevedo quis logo mudar o contrato», revela.

O médio rejeitou nessa altura (1998) outras propostas para cumprir o desejo de representar o seu Benfica: «Foi pena porque eu gostava do Benfica e foi por isso que me comprometi logo, mesmo que a proposta fosse a pior do ponto de vista financeiro. Nessa altura apareceu o FC Porto a dar mais, o Celta de Vigo, o Vitesse, mas eu já tinha dado a minha palavra e queria jogar no Benfica.»

«Chego eu à Luz em 1998 e o que encontro? Graeme Souness e Michael Tomas. Certo dia veio Souness ao meu quarto explicar-me o que se passava: ‘não vais ficar no plantel porque eu quero que jogue o Michael Thomas'», desabafa, acrescentando: «Eh pá, o Michael Thomas…Parecia que só andava naquele círculo, não saía dali. Souness dizia que ele tinha big balls mas eu era mais agressivo que ele e, claro, mais rápido, isso nem tem discussão.»

Michael Thomas fez 25 jogos pelo «British» Benfica nessa temporada, com um desempenho sofrível. O português seguiu para Alverca, onde já estava Luís Filipe Vieira. «Fui emprestado ao Alverca, destaquei-me e em dezembro Vale e Azevedo até queria que eu voltasse, mas Graeme Souness rejeitou essa hipótese…»

«Fiz uma boa época em Alverca e regressei ao Benfica já com Jupp Heynckes. Joguei na visita ao Alverca (3-1), curiosamente, e contra o Celta de Vigo na Luz (1-1), após aqueles 7-0. Quando me deram os 90 minutos, correspondi, mas infelizmente não tive mais oportunidades. Em dezembro, Heynckes disse-me que seria melhor sair, porque teria pouco espaço, mas eu não queria passar novamente por isso e decidi ficar no plantel.»

Marco Freitas não teve continuidade e foi percebendo que o seu tempo no Benfica estava a acabar. Assim como a fase mais entusiasmante da carreira: «Regressei ao Alverca ainda por empréstimo do Benfica, depois fui para o Salgueiros, que viria a descer de divisão, e a partir daí (2002) a minha carreira foi baixando de nível. Quando o Salgueiros desceu, o empresário que tinha também se afastou…enfim, coisas do futebol.»

«Fiz mais de cem jogos na Liga mas sinto que podia ter ido mais longe. Olhe, comecei no Machico e acabei por voltar ao Machico, onde ainda fiz uma grande época. Em termos gerais, foi uma carreira de que me orgulho», considera.

Machico, Nacional, V. Guimarães, Alverca, Benfica, Salgueiros, Felgueiras, Pontassolense e o regresso ao Machico. 7 épocas na Liga, 129 jogos no escalão principal. Um belo registo.

«Para além disso, acabei por representar a seleção de Angola, com muito orgulho. Durante alguns anos, sobretudo pelo que fiz no Vitória de Guimarães e depois com o salto para o Benfica, ainda pensei na seleção portuguesa. Isso não aconteceu e já no Salgueiros, através do Bodunha, surgiu o convite para jogar por Angola», recorda.

Curiosamente, Marco Freitas fez a sua estreia pelos Palancas Negras num jogo que perdura na memória coletiva. Portugal contra Angola no Estádio de Alvalade (5-1), um particular com vários episódios de violência no relvado.

«Fiz a minha estreia por Angola naquele ‘amigável’ com Portugal em Alvalade, que deu grande confusão. Eu só pensava ‘onde é que me vim meter’! Mas acabou por ser uma boa experiência, que recordo com carinho», salienta o antigo médio.

Olhando para trás, aos 44 anos, o massagista faz questão de recordar mais dois pontos importantes na longa carreira. O crescimento do Nacional da Madeira e as épocas de enorme glória no Vitória: «Tive espaço no Nacional da Madeira e fui para três anos maravilhosos no Vitória de Guimarães. Fomos sempre às competições europeias nessa altura e num dos anos até ficámos à frente do Sporting.

«Tínhamos uma equipa fantástica: Vítor Paneira, Zahovic, Neno, Capucho, Quim Berto…Muita qualidade mesmo. E claro, adeptos sem igual. O Vitória é de facto um clube diferente. Nunca o vou esquecer», remata.

Durante a longa conversa, Marco Freitas revelou ainda ao Maisfutebol que parte do dinheiro acumulado ao longo da carreira foi parar às mãos de um burlão. O investimento num imóvel, normalmente uma aposta segura, teve consequências devastadoras.

«Decide investir num apartamento, algo que sempre foi visto como uma aposta segura. Dei o sinal para um apartamento num prédio em Ermesinde, ao pé da Igreja de Santa Rita, que já estava praticamente concluído. Dei eu e mais 40 famílias. Entretanto, com mais de um milhão de euros nos bolsos – eu por exemplo paguei bastante de sinal -, o sujeito pôs-se a andar», relata.

Esse episódio, que atormentou o antigo médio durante vários anos, encolheu consideravelmente o pé de meia. Um autêntico pesadelo.

«Foi algo horrível para mim. Nessa altura tinha uma moradia em Lisboa, não a acabei de pagar, investi nesse apartamento a pensar no futuro e fiquei sem tudo. Eu e muita gente, médicos, advogados, até um ex-presidente da Câmara. Só há dois anos consegui reaver alguma coisa, cerca de 30 por cento, mas com despesas e isso correspondeu apenas a 20. Enfim, foi muito triste e deixou marcas para o futuro», conclui Marco Freitas.

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