Falar de Flávio Paixão faz mais sentido no plural: afinal brindou cada golo ao lado do irmão Marco. Gémeos verdadeiros, não souberam viver um dia sem partilhar conquistas e desilusões. Os 26 anos trouxeram a separação, e nenhum ficou contente: Marco ficou em Portugal, Flávio partiu para o Irão.

«Tem sido complicado. Passámos dois anos bons na Escócia, mas entretanto queríamos dar um novo rumo à carreira e aconteceram coisas muito estranhas a mim e ao meu irmão, houve um empresário que nos separou e que nos trouxe para uma situação que não queríamos», conta Flávio Paixão.

Ele está bem, está a jogar futebol no Irão onde até já marcou dois golos e é destaque da equipa, o irmão continua em Sesimbra à espera de encontrar uma equipa. «Houve uma possibilidade de seguirmos juntos, mas complicaram-nos a vida. O meu irmão está sem clube e isso preocupa-me, claro.»

«A primeira semana assustou-me»

A partir de Trabiz, onde vive sozinho, Flávio confessa que liga todos os dias ao mano. «A minha sorte é ter um irmão fantástico que me ajudou a ultrapassar os momentos mais difíceis.» Sim, que o início de carreira no Médio Oriente pode ser intimidante. «Na primeira semana assustei-me muito.»

«Foi uma decisão tomada à pressa, porque estava em cima do fecho do mercado. Vim em pleno Ramadão, que para eles é muito importante», lembra. «Cheguei a treinar com 43 graus sem poder meter uma gota de água ou uma peça de fruta à boca. Só quando o sol se põe é que eles se alimentam.»

Flávio Paixão, com 60 mil a aplaudi-lo (vídeo)

Nessa altura Flávio Paixão temeu pelo futuro. «Não conseguia comprar nada porque não havia um mercado aberto, a cidade durante o dia estava deserta. A minha sorte é que tenho um irmão e um pai fantásticos, sempre que me vinha abaixo ligava-lhes e eles davam-me força para continuar.»

Um mês depois, o português diz que tudo melhora com o tempo. «É preciso uma pessoa habituar-se. É um estilo de vida diferente, não há um café ou um bar para ir beber uma cola, também não há aquele tipo de bons restaurantes que nós gostamos, por isso passo a maior parte do tempo em casa.»

«É difícil conhecer alguém aqui»

«Acordo, tomo o pequeno-almoço e vou até à internet, distraio-me no Facebook ou a ver notícias. Depois almoço, descanso um bocado, muitas vezes fico com o Rodrigo, que é um brasileiro da equipa, ou com o Mustafá, que é um iraniano que fala inglês e tem sido uma grande ajuda para mim», conta.

«Ficamos aqui a jogar playstation, a conversar, depois vamos para o treino por volta das 16 horas, chego a casa pelas sete da tarde, janto e volto para a internet, falo com a família pelo skype, converso com amigos e estou por aqui. É muito difícil conhecer aqui alguém, até porque ninguém fala inglês.»

O F.C. Porto, no fim da carreira na moda

Sair à rua é quase uma aventura. «Um dia estávamos no hotel e íamos sair para o treino, eu e o brasileiro íamos de calções e um segurança começou aos gritos, não estávamos a perceber nada. Explicaram-nos que tínhamos de vestir umas calças. Nem para sair do hotel para o estádio podíamos ir de calções.»

De resto o Irão é um país profundamente religioso. Com a subida de Ahmadinejad ao poder, em 2005, tornou-se até mais conservador. «Estão sempre a rezar antes dos jogos e dos treinos, no autocarro ou no balneário rezam individualmente, alguns entram no campo de joelhos. Para nós é estranho.»

No entanto Flávio Paixão está a gostar: trata-se de viver por dentro uma cultura muito diferente. «É a cultura deles e temos de adaptar-nos. O que me mete mais impressão é ver as mulheres todas tapadas, algumas só se vê os olhos. Com este calor, com temperaturas acima dos quarenta graus, deve ser cruel.»

Por isso Flávio estranha, mas não reprova: «Há que saber respeitar».