Quarenta e quatro mil no Heysel, em Bruxelas, contaram já 26 minutos. De peito feito, postura apoiada em régua e esquadro e olhos nos olhos de quem lhe aparecesse à frente, o «Kaiser» arranca. Elegante, leva a bola colada ao pé direito para a vitória. Está disposto a acabar com a resistência dos russos e sobretudo do seu guarda-redes Rudakov, que já defendera umas quantas e vira uma na trave. A bola chega à área e a festa prolonga-se na recarga de Müller à recarga de Kremers, depois da bomba de Netzer ao ferro. Beckenbauer pôde soltar finalmente os cordelinhos que prendiam os companheiros-marionetas. É o primeiro a abraçar o goleador. Tinha finalmente ceptro.

Capitão, mas também estratega. Defesa leal, mas igualmente avançado implacável. Franz Beckenbauer foi o inventor do líbero ofensivo, alargando os metros percorridos e as funções desempenhadas por Armando Picchi no catenaccio do argentino Helenio Herrera. Foi nesse mesmo sistema do Inter na década de 60 que o alemão se baseou, mas não em Picchi. «No início da carreira era um médio convencional. Depois comecei a observar Facchetti, o defesa esquerdo, e ele deu-me inspiração e sentido de aventura», diz, antes de aprofundar a ideia: «Naquela altura o futebol era muito estereotipado. Um defesa era um defesa, um médio era um médio. Ele na esquerda não tinha espaço para onde ir, eu no meio tinha-o.

A primeira Bola de Ouro da «France Football» chegou logo a seguir, dois anos depois era campeão do mundo e levava a «Mannschaft» a tornar-se na primeira selecção a acumular os títulos continental e planetário. Voltaria a dizer presente para 1976, mas o checo Panenka ultrapassaria as suas aspirações com um chapéu da marca de penalty. Nem marcou o último, no desempate. Ficaria a olhar desolado, de mãos nas ancas, para a baliza e para Maier. Uma segunda Bola de Ouro nesse mesmo ano compensaria o fracasso.

O abandono dos relvados não acabaria com as honras. Não houve equipa ideal de todos os tempos em que não aparecesse a comandar a defesa. E no banco conquistaria mais taças, como a de campeão do mundo, em 1990.

Texto retirado do livro do Maisfutebol «Doze euros no bolso», publicado em 2008