O Marselha é sempre um nome ligado ao futebol português. A mão de Vata, na célebre meia-final com o Benfica, é o exemplo mais forte de como este clube está atado ao nosso país. Mas há outros exemplos, que passam por jogadores consagrados. Rui Barros e Paulo Futre vestiram a camisola do próximo adversário do F.C. Porto no Grupo F da Liga dos Campeões e numa altura conturbada: o escândalo de corrupção tinha sido manchete dos jornais em 1993/94 e a poderosa equipa montada para defender o título de campeã europeia desmembrava-se como um castelo de cartas.

Nesta perspectiva, o Maisfutebol falou telefonicamente com Rui Barros, agora um dos olheiros portistas, para tentar perceber, na primeira pessoa, o drama de um clube destroçado pelo suborno do seu presidente Tapie. Tudo aconteceu na época anterior (1992/93), quando os jogadores do Valenciennes foram aliciados a perder o desafio para que o Marselha conquistasse mais cedo o título e assim jogasse desafogado de pressões na final da Liga dos Campeões com o Milan (1-0). Era o princípio do fim. O clube foi relegado à II Divisão, onde esteve duas épocas, perdeu o título europeu e Tapie foi condenado a cumprir pena atrás das grades. O drama na primeira pessoa:

Maisfutebol - Lembra-se de como foi o seu processo de saída do Mónaco e a consequente entrada em Marselha na época 1993/94?

Rui Barros - Na minha última época no Mónaco, depois de três anos ao serviço deste clube, os dirigentes não estavam interessados na minha continuidade. O Marselha interessou-se e acabei por assinar. Naquela altura estava em final de contrato e não havia transferências a custo zero como há agora. Logo, tiveram de pagar para adquirirem o meu passe.

- Foi para o Marselha, na altura campeão europeu em título, mas é capaz de explicar por que esse projecto era tão tentador?

- Naquela altura, a minha ida para o Marselha ficou tratada em dois dias. Depois do Mónaco, era para regressar ao F.C. Porto, mas isso não aconteceu porque o Mónaco pediu muito dinheiro pelo meu passe. Apesar de estar em final de contrato, não havia transferências a custo zero como já expliquei. A minha hipótese era passar uma época em Marselha, onde foi colocada uma cláusula no meu contrato para que, no final da temporada, fosse livre para ir para onde quisesse. A ideia era regressar ao F.C. Porto como veio a acontecer. Por isso, fui para o Marselha.

- Jogou em Marselha na época em que rebentou o «escândalo Tapie» e soube-se que o clube ia descer à II Divisão na temporada seguinte. Por isso, foram vendidos vários jogadores, entre eles o Futre. A sua passagem pelo clube foi coroada de êxito ou de fracasso?

- O sucesso não foi muito e o fracasso também não. Foi uma passagem complicada para o clube, porque nessa época começaram as confusões por causa do problema com o Tapie. Lembro-me que estávamos nas competições europeias, mas fomos impedidos de disputar a prova. Nessa altura, falava-se mais dos problemas do Marselha do que propriamente daquilo que estávamos a fazer no campeonato francês. No entanto, foi uma temporada boa, porque ainda conseguimos o segundo lugar, porém acabámos por descer à II Divisão.

- Explique-nos como é que você e os seus colegas lidavam, diariamente, com as notícias sobre a corrupção e também com aquilo que disse há pouco: «Falava-se mais dos problemas do Marselha do que aquilo que fazíamos no campeonato»?

- O problema era o público, que estava muito assustado com tudo o que se estava a passar no clube. Os jogadores eram uma parte assegurada. Tínhamos sempre clubes interessados. Pessoalmente, sabia que ia para o F.C. Porto no final da época. Mas notava-se, sem dúvida, nos adeptos, nos directores, nos massagistas e nos médicos um certo medo e receio. Temia-se que o clube terminasse por causa daquilo. Foi uma época atribulada e muito complicada.

- Qual é a sua melhor e pior recordação do Marselha?

- A maior recordação é o público. O ambiente era extraordinário e ganhávamos os jogos todos em casa. Não venci nenhum título, por isso, resta-me dizer que joguei no Marselha, um clube que me ficou no coração como todos os clubes que representei, e senti o que era jogar naquele estádio com aquele público fantástico. A pior recordação foi as confusões que aconteceram. Se não saíssem cinco ou seis jogadores, ganharíamos o título de França. Mas valeu a pena ter jogado em Marselha.

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