Daniel Duarte joga futebol desde que se lembra e sempre esperou por isto. Poder jogar pela sua seleção em competições internacionais. Mas agora que chegou o momento pode ser tarde para Daniel. Ele vai fazer 34 anos. Quando daqui por um ano Gibraltar entrar em campo na qualificação para o Euro 2016, provavelmente no Estádio Algarve, Daniel teme que o seu tempo já tenha passado.

Na reta final de uma carreira inteira no meio na batalha política que foi a luta pelo reconhecimento como membro da UEFA, é entre a alegria de ver nascer Gibraltar para o futebol internacional e a frustração de poder ser tarde de mais para si que Daniel fala com o Maisfutebol.

O nome não engana, Daniel tem origens portuguesas. Mas com raízes muito longínquas. «Foi o avô do meu avô que veio de Portugal», explica. Pouco mais sabe. Mas a conversa alimentou-lhe a curiosidade e Daniel foi aos arquivos de memória da família procurar mais informação. Ficou a saber então que as suas raízes portuguesas estão na Ericeira e, tanto quanto se lembra quem ainda se lembra, a viagem do tal antepassado para o Rochedo aconteceu algures ainda no séc. XIX. Até encontrou quem lhe ensinasse umas palavras em português. Foi com um «Muito obrigado» que se despediu.

De Portugal Daniel conhece o Algarve, destino de férias. A referência que dá é Albufeira. Bate certo. Daniel é, pois, cidadão de Gibraltar, formalmente território britânico ultramarino. Uma língua de terra e um enorme rochedo no extremo sul da Península Ibérica, a olhar para Ceuta e de costas voltadas com Espanha, que reclama a soberania sobre o território. Um bocado de terra onde, volta e meia, se reacende a rivalidade e a batalha política sobe de tom. Aconteceu agora outra vez, a Comissão Europeia enviou por estes dias inspectores à região por causa de uma queixa de Gibraltar contra as autoridades aduaneiras espanholas. Pelo meio, o futebol moveu-se.

Foi em 1997 que a Federação de Gibraltar pediu formalmente o reconhecimento pela FIFA. O organismo internacional mandou o caso para a UEFA, seguiram-se anos de luta legal e política, com apoio britânico e oposição espanhola. Em 2007, só três Federações britânicas (Inglaterra, Escócia e Gales) votaram a favor da admissão de Gibraltar. Mas, reforçada por uma deliberação do Tribunal Arbitral de Desporto, Gibraltar voltou à carga. E acabou por conseguir o reconhecimento formal da UEFA, em maio de 2013. Tornou-se a 54ª associação-membro do futebol europeu.

Ainda falta o reconhecimento por parte da FIFA. Dennis Beiso, diretor-executivo da Federação de Gibraltar, explica ao Maisfutebol que o objetivo é relançar esse processo. «Nós começámos por pedir o reconhecimento pela FIFA, em 1997. Agora estamos a estudar a possibilidade de recomeçar essa candidatura. Gostaríamos muito de pertencer à FIFA, mas para já queremos concentrar-nos em consolidar a posição de membros de pleno direito da UEFA.»

O reconhecimento pela FIFA será mais difícil por causa do peso da Federação espanhola e do seu presidente, Angel Villar, membro do Comité Executivo do organismo que tutela o futebol mundial? Dennis Beiso responde com diplomacia à pergunta: «A Espanha tem muita influência no futebol internacional e exerce-a, tal como aconteceu no processo de reconhecimento pela UEFA. Mas espero que o caso seja analisado pelo seu mérito desportivo e não por influências políticas.»






Voltando a Daniel Duarte, do ponto de vista de um jogador, como foi viver esta longa caminhada e esta batalha política? «Sempre nos focámos no futebol, nunca nos focámos na política. Mas está sempre no fundo da nossa mente, é um sonho», diz Daniel. «Estamos muito felizes com o reconhecimento de Gibraltar, muitos jogadores não tiveram esta oportunidade.» E é tudo o que diz sobre o processo, que qualquer questão mais abrangente sobre a tensão com Espanha esbarra invariavelmente na mesma resposta: «Não posso falar de política. Sou jogador de futebol, não quero falar de política.»

O tema é obviamente sensível. Mas o futebol tem contornado alguma dessa tensão. Até tem havido jogos de preparação entre Gibraltar e equipas de clubes espanhóis, conta Daniel. «Há equipas espanholas que têm vindo a Gibraltar. Equipas da II Divisão B, das localidades próximas de Gibraltar», diz. E esses jogos decorrem «sem problemas». E sem que a situação política, acrescenta, seja assunto de conversa entre jogadores.

Daniel, médio-centro, joga futebol desde os 16 anos e jogou sempre pela seleção. Sempre foi futebolista amador, claro. Começou a trabalhar cedo, na construção civil. «Era carpinteiro.» Hoje trabalha como treinador, com a Federação de Gibraltar, trabalha com o futebol jovem.

Joga futebol, joga futsal e joga sempre contra os mesmos adversários. A Premier Division de Gibraltar tem seis clubes, seis equipas de caras familiares. «É uma comunidade pequena, andámos na escola juntos, conhecemo-nos todos», conta Daniel. O que pode complicar as coisas: «É difícil porque os adversários conhecem as nossas fraquezas e as nossas forças, é difícil surpreendê-los.»

Daniel joga no Lincoln FC, crónico campeão de Gibraltar, 11 títulos seguidos e a preparar-se para tentar o 12º, o mais importante da história do futebol do território. É que a partir de 2014/15 o campeão de Gibraltar entra na primeira pré-eliminatória da Liga dos Campeões. O campeonato, que agora irá ter oito equipas, só começa no fim de outubro e nesta altura o Lincoln e os outros clubes tentam preparar-se também para as exigências burocráticas da UEFA, que faz depender a participação dos clubes de um processo de licenciamento.

No meio disto há tempo também para o futsal. Aliás, Daniel não consegue escolher entre uma e outra modalidade: «Gosto de ambos. Crescemos a jogar os dois, é difícil escolher. O futsal torna-nos melhores jogadores de futebol, ensina-nos a jogar em espaços curtos.»

Foi graças ao futsal que Daniel teve já a sua grande experiência internacional. Ele fez parte da seleção que jogou em janeiro deste ano a qualificação para o Europeu, a primeira grande competição internacional a que Gibraltar teve acesso. Gibraltar sofreu uma goleada pesada no primeiro jogo com o Montenegro (2-10), depois perdeu com a França (2-6) e despediu-se com uma vitória frente a San Marino (7-5).

Essa experiência ninguém lha tira. É a isso que Daniel se agarra quando constata, já para o fim da conversa, que o futebol de 11 internacional pode ser tarde de mais para ele. «Vou fazer 34 anos, no próximo ano vou ter quase 35. Talvez tenha hipótese de ir à qualificação, se for chamado. Mas vai ser difícil. Imagine a frustração. Esperar por isto tanto tempo e agora é um pouco tarde para mim», diz, antes de afastar rapidamente a tristeza. «Mas tive a experiência do futsal e foi fantástica. E mesmo que não vá ao Estádio Algarve como jogador, irei certamente como membro do staff de Gibraltar.»

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