A pergunta é obrigatória: quando é que a Bulgária volta a ter uma geração como a que encantou o mundo na década de noventa?

«Essa é a pergunta que me fazem mais vezes», sorri Marcelo Chagas.

«É uma coisa da qual os próprios búlgaros confessam ter alguma nostalgia. Essa é uma seleção intemporal, que acho difícil de repetir. Em primeiro porque tinha vários jogadores de alto nível, não apenas dois ou três, e depois porque tinha um Stoichkov, que era top mundial. Agora não tem ninguém assim e é difícil repetir aquela seleção enquanto não tiver, mas tem miúdos que permitem antever uma boa equipa daqui a uns anos.»

Nesta altura convém referir que Marcelo Chagas será dos portugueses mais autorizados para falar do futebol búlgaro. Observador do Ludogorets, passa os dias a ver jogos, jogadores e equipas búlgaras, tendo um conhecimento pouco comum em Portugal.

Viajou para Razgrad no início da temporada, com Bruno Ribeiro, mas acabou por ficar após a saída do treinador português: acabou por ficar também, já agora, depois da saída do substituto do treinador português. Já vai, portanto, em três equipas técnicas este ano.

Marcelo Chagas faz parte de uma estrutura que integra também dois espanhóis e que faz análise de jogo, preparação física e acompanhamento de jogadores a nível individual.

«Neste momento a seleção da Bulgária tem uma perspetiva de reciclagem um pouco à imagem do que Portugal tentou fazer na parte final de Paulo Bento. Estão a tentar lançar jogadores mais novos», destaca Marcelo Chagas.

«Há vários jogadores na faixa dos 20 aos 24 anos e que prometem. Destaco sobretudo Tsonev, um jovem extremo de 20 anos do Levski Sofia, e Malinov, um médio ofensivo do Litex, de 21 anos, que vai estar em Portugal para este particular. O futebol búlgaro está a projetar-se e dentro de cinco anos vamos ter uma seleção búlgara mais forte.»

No entanto, e para lá dos jovens que podem devolver a Bulgária aos grandes palcos, Marcelo Chagas destaca outra curiosidade para este jogo com Portugal.

«Nesta convocatória há um acontecimento muito relevante que será a estreia de Marcelinho. É um jogador brasileiro, de 31 anos, que conheço bem porque joga no Ludogorets, e que abraçou a seleção búlgara como sendo a dele», sublinha.

«Está na Bulgária há mais de cinco anos, sente o país e por isso vai estrear-se na seleção. Vai trazer muita qualidade à equipa, porque é um jogador de um nível superior.»

Ora é nesta fase que a conversa chega ao ponto essencial: Marcelo Chagas confessa que a estreia de Marcelinho está a provocar uma curiosidade na Bulgária tão grande quanto a estreia de Deco pela seleção nacional criou em Portugal.

O observador do Ludogorets encontra, de resto, vários pontos de contacto entre a estria de Deco e a estreia de Marcelinho, para além de encontrar semelhanças entre os dois.

«Se tivesse que associar este acontecimento ao passado recente de Portugal, recordar-me-ia claramente do evento Deco, e por todos os motivos. Pela qualidade dos jogadores, pela posição deles em campo e por eu sentir naquela altura, enquanto português, e devido à época que o Deco tinha feito no FC Porto, que poucos seriam os meus compatriotas que não gostariam de ver o Deco jogar na seleção portuguesa. Toda a gente desfrutou de ver o Deco jogar no Euro 2004.»

Ora o que acontece com Marcelinho, diz, é precisamente a mesma coisa.

«Marcelinho vai acrescentar muito à seleção búlgara na etapa de criação e de finalização. No campeonato búlgaro, por exemplo, não há ninguém que ameace ter a influência que ele tem», refere Marcelo Chagas.

«Ele decide um jogo com um passe, numa movimentação sem bola ou numa finalização de média distância. É um jogador que tem golo, que tem último passe, que tem qualidade de transporte de bola e que tem velocidade.»

Mas há mais, há por exemplo uma óbvia semelhança na capacidade de liderança.

«Também estou certo que o Marcelinho vai ser muito bem recebido no interior da seleção búlgara, até porque a sua personalidade e a mentalidade competitiva favorece essa integração. Ele é um líder, um jogador com uma qualidade muito acima da média, principalmente na tomada de decisão é um jogador ao nível dos nossos.»

Por isso, e porque «a chamada dele não criou dúvidas ou polémicas, porque ninguém considera que tenha sido uma decisão forçada pelo Marcelinho, foi uma coisa natural», Marcelo Chagas acredita que o jogo com Portugal, em Leiria, vai ser um bom teste.

Basicamente vai servir para testar Marcelinho, que faz a estreia na seleção búlgara, mas vai servir também para testar uma frente de ataque com Marcelinho e Popov, a estrela e capitão da seleção búlgara, que representa o Spartak Moscovo.

«Podem jogar os dois, pode jogar o Marcelinho a médio ofensivo e o Popov a falso nove», garante o observador português.

«Mas acima de tudo acredito que esta decisão vai ser importante na qualificação para o Mundial 2018 e penso que é nesse sentido que tomam esta decisão, neste momento.»

Esta sexta-feira, a partir das 20.45 horas, em Leiria, Portugal vai testar o sucesso da adaptação do brasileiro Marcelinho. Com uma certeza: se o Deco búlgaro tiver metade do sucesso do Deco português, já será um êxito.

Talvez até a Bulgária possa reviver os momentos altos, como Portugal fez com Deco.