Foi a 18 de dezembro de 2018 que José Mourinho deixou Old Trafford, mais desgastado que nunca ao fim de duas épocas e meia. Esteve onze meses parado e agora está de volta à casa onde aliás tudo começou. Manchester United-Tottenham, a partir das 19h30 desta quarta-feira. Mais um regresso, marcante como os outros. E oportunidade para recordar as outras vezes em que Mourinho voltou a casas que foram suas.

Quase um ano depois, as sensações em torno de Mourinho são bem diferentes. Este começa por ser um regresso em maré alta, depois de três vitórias no banco do Tottenham. Em Manchester, as coisas não melhoraram, o que também joga a favor de Mourinho. Quando ele saiu, o Manchester United tinha 26 pontos em 17 jornadas e estava a 19 da liderança. Hoje, somou 18 pontos ao fim de 14 rondas e vê o líder Liverpool a 22 pontos de distância. Portanto, está tendencialmente pior: para igualar o registo que levou ao despedimento de Mourinho, tinha de ganhar os próximos três jogos. A pressão sobre Solskjaer é enorme. Mas também é um momento chave para Mourinho, o primeiro grande desafio desde que assumiu o Tottenham.

Para já, chega por cima. Há duas semanas, quando substituiu Mauricio Pochettino, o Tottenham estava na 14ª posição, dois pontos atrás do Manchester United. Duas vitórias depois, subiu para quinto e é com dois pontos de vantagem sobre os «red devils» que chega esta quarta-feira a Old Trafford.

Por muito que José Mourinho parecesse incapaz de se reinventar e levar o United de volta ao topo, o facto é que o português foi o treinador dos «red devils» com melhor rendimento desde que Alex Ferguson saiu, em 2013. Na primeira temporada ganhou a Liga Europa, a Taça da Liga e a Supertaça inglesas, apesar do sexto lugar no campeonato. E em 2017/18 terminou em segundo lugar na Premier League, atrás do super Manchester City que chegou aos 100 pontos. Além dele, só Van Gaal conseguiu um troféu, a Taça de Inglaterra em 2016.

Portanto, não é de esperar uma má receção a Mourinho em Old Trafford. Até porque há antecedentes, como ele fez questão de lembrar na antevisão do jogo. Em agosto, quando voltou como comentador, Mourinho foi saudado cordialmente por muitos adeptos.

Mourinho diz que volta a um lugar onde foi feliz. Não tanto como isso, não tanto como queria, ele e os adeptos do United. Mas, na verdade, o lugar onde tudo começou para ele. Em março de 2004, naqueles oitavos de final decididos no último suspiro no golo do empate de Costinha, naquela corrida épica ao longo da linha e no apuramento do FC Porto, no momento mais marcante da caminhada que só terminaria na conquista da Liga dos Campeões.

Aqui estão as imagens, bem como José Mourinho a falar sobre aquele momento. E a contar como o marcou o facto de no final Alex Ferguson ter ido ao balneário dar-lhe os parabéns, a ele e ao FC Porto. Um gesto de gente «grande», que ajudou também a seduzi-lo para o futebol inglês. Onde quis chegar e onde quer sempre voltar. Como voltou agora, para o terceiro clube diferente em Inglaterra.

Aquela eliminação do Manchester United e aquela corrida efusiva foram a apresentação de Mourinho a Inglaterra e o nascer para o mundo da aura daquele que se tornaria a referência e o mais vencedor dos treinadores portugueses. Seguiu-se o Chelsea, o Inter e a segunda conquista da Liga dos Campeões, o Real Madrid e o regresso a Inglaterra, primeiro para nova passagem pelo Chelsea e depois para assumir o Manchester United.

2004, o regresso ao Dragão

Pelo meio, Mourinho voltou várias vezes a casa dos seus antigos clubes como adversário. Voltou ainda em 2004 ao primeiro sítio onde foi feliz, quando o sorteio da fase de grupos da Liga dos Campeões o colocou no caminho do FC Porto logo na primeira época no Chelsea. Venceu em Stamford Bridge e visitou o Dragão na última jornada, já com o apuramento no bolso e o primeiro lugar do grupo assegurado. Foi a 7 de dezembro de 2004, há exatamente 15 anos. O FC Porto precisava de vencer para seguir em frente a ganhou mesmo, um triunfo por 2-1.

A expectativa em torno de Mourinho era grande, depois do choque que tinha sido a saída logo a seguir à final da Liga dos Campeões, meses antes. Mas antes do jogo Mourinho já tinha aliviado alguma dessa tensão, como aliás faria sempre na altura de voltar a defrontar antigos clubes. Tal como fez agora, na véspera do reencontro com o Manchester United, evitando repisar amarguras e desentendimentos.

Naquele final de ano de 2004 o Chelsea chegou ao aeroporto do Porto sob forte dispositivo de segurança, mas Mourinho foi recebido com aplausos. O treinador não falou na conferência de imprensa de antevisão do jogo, delegou no adjunto Steve Clarke, e o Chelsea nem treinou no Dragão. No final, Mourinho disse que precisava de se alhear do impacto do regresso: «Trabalhei-me a mim próprio para não sentir nada. Durante o jogo estava concentrado, a entrada para o banco também foi rapidinha, tentei apenas manter uma postura séria, de educação, correcção e fair-play. Mas não vivi grandes sensações. Tentei não me deixar envolver, vir apenas para o jogo e ganhar. Tentei isolar-me do facto de este ser o estádio mais bonito da Europa e de, além disso, ter sido a minha casa durante dois anos».

No banco de visitante do Dragão em dezembro de 2004

Voltaria ao Dragão em mais duas ocasiões, sem nunca ter vencido. Em 2007 levou a melhor nos oitavos de final da Champions, ao vencer em Stamford Bridge, mas só depois de um empate a uma bola no Porto. E em 2014/15, aquando da segunda passagem pelos Blues, perdeu na casa portista para a segunda jornada da fase de grupos, por 2-1.

Mourinho nunca teve o Inter como adversário desde que deixou Milão, e também nunca voltou ao Santiago Bernabéu depois das três épocas que passou no Real Madrid e de onde saiu em 2013. Mas já defrontou os merengues, depois de ter ganho a Liga Europa com o Manchester United, na Supertaça Europeia de 2017. Foi em Skopje e perdeu, 2-1.

2010, feliz em em Stamford Bridge com o Inter

O Chelsea é, por outro lado, a antiga equipa que José Mourinho mais vezes defrontou. Aquela com quem teve uma relação mais duradoura, em duas passagens diferentes. O primeiro regresso, pelo Inter, foi marcante. Também aí Mourinho procurou resguardar-se das emoções. «O lado bom é não ter de andar muito. Do balneário ao banco são cinco metros. Não tenho de atravessar o campo, não tenho de sentir as emoções e as reacções do público», dizia antes desse jogo de março de 2010, onde se decidia o acesso aos quartos de final da Liga dos Campeões. Mas Mourinho ainda mantinha muito do capital que ganhou junto dos adeptos do clube que levou ao topo naquela primeira passagem. Foi um regresso com sorrisos. A receção de Stamford Bridge a Mourinho foi calorosa e a aura dele saiu reforçada com o resultado: o Inter venceu por 1-0 garantiu o apuramento.

O cumprimento a um funcionário do Chelsea no regresso pelo Inter
O cumprimento a um funcionário do Chelsea no regresso pelo Inter

Já o segundo regresso a Stamford Bridge foi bem diferente. Em 2016/17, na primeira época como treinador do Manchester United e já depois da segunda passagem pelos «Blues», Mourinho visitou o futuro campeão Chelsea para a 9ª jornada da Premier League. E saiu de lá vergado àquela que foi a sua derrota mais pesada para a Premier League, 4-0. Em quatro jogos pelo Manchester United em casa do Chelsea, aliás, Mourinho não venceu nenhum: perdeu três e empatou um.

Manchester United, rival com todas as camisolas

Agora volta a Old Trafford como adversários, ele que curiosamente defrontou o Manchester United em todas as equipas por onde passou. Além do duelo com o FC Porto em 2004, dos vários duelos no banco do Chelsea para a Premier League, também teve um confronto de oitavos de final de Champions em 2008/09, na primeira época como treinador do Inter – foi eliminado com uma derrota em Old Trafford na segunda mão – e outro em 2012/13 pelo Real Madrid. Aí levou a melhor depois de vencer em casa dos «red devils». Ao todo, defrontou o Manchester United por 20 vezes. Ganhou nove, empatou outros tantos jogos e só perdeu dois, ambos em Old Trafford: em 2005 com o Chelsea, para o campeonato, e o tal duelo de Champions pelo Inter.

Agora, vai ao Teatro dos Sonhos pelo quinto clube diferente. Que Mourinho é este que agora volta a Londres, para treinar o Tottenham, ainda é cedo para perceber. Mas este duelo de Old Trafford vai dar uma boa ajuda para definir o que aí vem.