Resistir a pão e água e ter a capacidade de saborear. Até o limite físico, o esgotamento, tudo levar para São Petersburgo. O FC Porto teve caráter, nobreza, paixão em cada detalhe. Pareceu, aliás, capaz de esquecer a insensatez de Herrera (e do árbitro). A reta final foi-lhe cruel.

As pernas cederam nos últimos metros e o dragão colapsou. Foi atropelado pela locomotiva russa e ficou com os oitavos-de-final da Champions mais longe. O golo de Kerzhakov teve ar de crime, pelo timing e a impunidade.

Por trás do maquiavélico plano armado por Luciano Spalletti esteve, porém, outro nome. Hulk, sempre Hulk. A arrancar, a assustar, a levar as bancadas que outrora o aclamaram ao desespero. Falhou um ou dois golos quase feitos, levou com aplausos, e por ele tudo acabaria num diplomático nulo. Diplomático e justo.

Assim não foi. Um protagonista lançado tarde e a más horas para o FC Porto riscou o tratado de parceria estratégica.

OS DESTAQUES DO JOGO: Fernando, até que o coração lhe doa

Vamos ao início do jogo e já voltamos.

Aos seis minutos, Hector Herrera viu o segundo cartão amarelo e foi expulso. Numa falta sobre Hulk, importante, viu o primeiro cartão. Logo depois saiu da barreira, antes da marcação do livre, levou com a bola e acabou na rua. Ingénuo.

Herrera foi insensato, sim, o árbitro italiano também. Paolo Tagliavento instituiu logo ali a postura de picuinhas intransigente. Condicionou o jogo porque não teve a capacidade de se distanciar um milímetro do que diz a lei.

O FC Porto teve de abandonar o manual de instruções e agarrou num código de conduta distinto. Passou a noite menos obcecado pela bola, distanciou a linha de três médios (Josué recuou) dos dois avançados (Jackson e Licá), empregou uma intensidade raras vezes vista e, nas transições, esperou que algum passe entre linhas apanhasse a defesa russa em roupa interior.

A ideia, na verdade, era boa e o FC Porto até podia ter vencido. Lucho mandou uma bomba aos ferros, Varela alvejou a barra a meio do segundo tempo e o Zenit, em superioridade numérica, aparentava estar ao alcance. Fosse de boxers ou pijama completo.

FICHA DE JOGO E NOTAS

Para tudo ser perfeito nesta Perestroika improvisada, o FC Porto não podia errar. E Fernando tinha de ser monstruoso até ao fim. Fernando, senhoras e senhores, voltou a ser impressionante. Como tinha sido diante do Atlético Madrid.

O Polvo ganhou todos os lances individuais, entrou de carrinho e levantou-se, soprou os russos e saiu a jogar, carregou o dragão ao colo e sorriu para as câmaras. O médio brasileiro não merecia a tal punhalada de Kerzhakov, ao contrário de Alex Sandro, por exemplo.

O que se passa com o lateral? Apesar de poupado 45 minutos na Taça de Portugal, a meia-hora do fim já olhava para o relógio e respirava descompassadamente. Acabou de rastos, em sofrimento, a exigir banhos e massagens.

Alex Sandro terá sido a exceção numa equipa briosa e resistente, a merecer mais do jogo.

O FC Porto teve coragem e bravura, mas não a proteção que a expulsão lhe roubou. O dragão vestiu a pele de um índio cheyenne no desembarque da Normandia.

Encheu os olhos de raiva e o corpo de tatuagens tribais. Investiu uma e outra vez sobre o bunker russo, foi guerreiro. Faltou-lhe a armadura, contudo, o respaldo de um soldado moderno.

Ninguém vive a pão e água, mesmo que a alma tudo queira alimentar.