Jogo grande, com lotação esgotada no Dragão, o FC Porto-Barcelona tem muito que contar. Histórias de primeiras vezes, como a de Messi em 2003, de afinidades entre dois clubes que se fizeram bandeiras das suas regiões, de confrontos com memória, de reencontros. Nico González pode tornar-se o mais recente protagonista dessa história de caminhos cruzados. Uma noite especial para o médio que apontaram como sucessor de Busquets e que ainda procura o seu espaço no Dragão.

Esta é uma viagem pelo percurso de um jogador que, aos 21 anos, ainda tem todo o potencial para confirmar. A história do miúdo que nem gostava de futebol, que se destacou pela inteligência, na escola como no campo, e que deixou o Barcelona neste verão para rumar ao FC Porto, com o clube catalão a segurar uma opção de recompra. E que tem futebol no sangue.

Nico é filho de Fran, figura do SuperDepor que foi campeão espanhol em 2000. No tempo em que passaram muitos craques pela Corunha, entre eles Bebeto. Já no FC Porto, o médio reencontrou essas memórias, no jogo com o Farense. A foto com Matheus Oliveira, o filho de Bebeto, guarda essas recordações.

Nico cresceu com um pai famoso, mas nem ligava muito a futebol. «Há filhos de futebolistas que aos dois ou três anos já andam aos pontapés à bola. A mim não me atraía muito», contou numa entrevista ao Mundo Deportivo: «Na verdade, no primeiro dia em que fui treinar, com seis ou sete anos, fui todo o tempo a chorar no carro. Não queria ir.»

Tudo mudou quando foi para o Montañeros, onde era treinador o irmão de Fran, José Ramón Pérez, também antigo jogador. «Por causa da idade, só podia jogar futsal. Não queria, não gostava, chorava e protestava, acho que odiava mesmo. Falei com o Montañeros e perguntei se podia jogar lá para o atrair para o futebol. Foi fácil», contou Fran ao El Mundo.

Rapidamente se destacou e despertou a atenção dos gigantes espanhóis, sobretudo depois de marcar dois golos ao Barcelona num torneio. Entre o Real Madrid e o Barcelona, escolheu com o coração. «O Nico sempre gostou do Barça porque viveu-o desde pequeno: o tempo de Messi, Iniesta, Piqué, Puyol e companhia», diz o pai.

A família mudou-se com ele para Barcelona e isso foi crucial. «Tornou tudo mais fácil. Se tivesse ido para La Masia, a outra opção, teria sido mais complicado», contou Nico ao Mundo Deportivo.

O pai nem sempre estava presente, no meio do seu próprio percurso sempre ligado ao futebol, mas acompanhou de perto a carreira do filho. Fran era exigente, contou Nico à Barça TV. E repetia sempre o mesmo conselho: «É algo que ouvi mil vez do meu pai. Ele dizia que no futebol são precisas três coisas para ter sucesso: Trabalhar, trabalhar e trabalhar.»

Nico fez todo o percurso na formação do Barça, sem deixar cair os estudos. Era um excelente aluno que passou direto do primeiro para o terceiro ano no liceu, conta o La Vanguardia. Entrou na universidade, mas fez uma pausa no curso de administração e gestão de empresas para se concentrar no futebol.

Em La Masia cresceu depressa, em todos os sentidos. «Deu um salto brutal em três anos. Era muito potente fisicamente e muito forte muscularmente, por isso era capaz de competir com miúdos dois ou três anos mais velhos», recordou Fran.

«Queres que o teu filho seja um Iniesta, mas tens um Busquets»

Nico tinha recursos físicos e técnicos para se destacar em vários papéis, ainda que os treinadores da formação do Barcelona tenham visto nele potencial para ser a primeira referência do meio-campo. Ao nível de uma lenda. «Pode jogar em qualquer posição no meio-campo, inclusivamente num duplo pivot. Falávamos muito sobre isso com o pai dele», contou Franc Artiga, um dos seus treinadores na formação do Barcelona, ao La Vanguardia: «Eu dizia-lhe: ‘Queres que o teu filho seja um Iniesta, mas tens um Busquets’.»

Essa comparação acompanhou-o desde cedo. Era também a convicção de Garcia Pimienta, o atual treinador do Las Palmas, que o lançou no Barcelona B aos 17 anos, e que sempre disse que Nico tinha tudo para ser o herdeiro de Busquets.

Foi mesmo numa espécie de passagem de testemunho que Nico se estreou pela equipa principal do Barcelona em Agosto de 2021, quando saiu do banco aos 83m para render Sergio Busquets frente à Real Sociedad. Um momento especial, tanto que Nico guardou a camisola. «Não a ofereço a ninguém, é para mim. O meu pai pediu-ma, mas acho que a vou emoldurar, ou algo assim», disse depois da estreia.

Com Ronald Koeman no banco, Nico González foi ganhando tempo de jogo. No campeonato e na Liga dos Campeões, onde se estreou frente ao Benfica, na vitória das águias por 3-0 em setembro de 2021. Mas as coisas não corriam bem ao Barcelona, naquela primeira temporada depois de Messi. Koeman saiu em outubro, Xavi voltou ao Camp Nou. Nico continuou a ser opção, mas foi perdendo espaço ao longo da época. Fez 37 jogos e marcou dois golos nessa temporada, quando chegou também à seleção sub-21 de Espanha.

Nesse verão, depois de uma conversa com Xavi e perante a concorrência para o meio-campo – com Busquets ou Frenkie de Jong, mais a explosão dos jovens Pedri e Gavi e a chegada de Kessié -, decidiu sair temporariamente, para poder jogar mais. «O Nico veio ter comigo há três semanas. Insisti para que ficasse, porque teria minutos. Gosto do Nico. Mas há uns dias voltou e disse-me tinha uma equipa onde jogaria. Foi corajoso e vai para o Valencia», disse na altura o técnico.

Antes de sair, renovou contrato e ficou com uma cláusula daquelas que não saem do papel, mil milhões de euros. Em Valência, onde encontrou um clube a viver tempos atribulados, foi somando minutos, mas a época foi cortada por uma fratura num dedo do pé em dezembro, que o manteve afastado dos relvados por três meses. Voltou em março e, já com Ruben Baraja no banco, ganhou de vez um lugar na reta final da época.

Busquets apontou-o como sucessor, Xavi vê-o «como um Frenkie De Jong»

Voltou a Barcelona, de onde tinha partido Sergio Busquets. E o próprio mítico 5 do Barcelona apontou Nico como um dos seus potenciais sucessores. «Temos o Nico, que está cedido, que acho que tem estado muito bem, embora lhe tenha faltado um pouco de continuidade», disse Busquets em maio ao Mundo Deportivo, quando lhe perguntaram sobre as potenciais opções para o seu lugar em Camp Nou: «Tem muito talento, muitas condições e há que dar a oportunidade à gente da casa, gente jovem. Nico entende o clube e o estilo de jogo.»

Mas Xavi não vê em Nico um Busquets. «Vejo-o mais ofensivo. Tem uma mentalidade um pouco mais de ataque, mais de dividir, de driblar», disse o treinador do Barça em junho deste ano ao Mundo Deportivo: «Para terem uma ideia, um pouco como o Frenkie de Jong desta época.»

Nico também se definiu sempre como um médio versátil. «Sou um jogador bastante polivalente que pode abarcar muitos estilos de jogo diferentes. Posso jogar mais como pivot posicional, ou mais de interior, com mais chegada à área. Toda a gente gosta de pisar mais a área, marcar um golo. Quantas mais posições puder fazer e mais opções der ao treinador, melhor», dizia em 2022 numa entrevista à Barça TV.

No arranque da pré-temporada, Xavi dizia que iria observar Nico González e Abde Ezzalzouli, extremo que tinha estado cedido ao Osasuna. «O Nico e o Abde melhoraram e veremos na pré-temporada onde estamos e onde eles estão», afirmou, enquanto salientava também a difícil gestão do Barcelona, com as limitações financeiras que têm levado o clube a uma complexa ginástica entre a necessidade de aliviar massa salarial e a procura de reforços. «Depende do cenário, do que pudermos contratar, do fair play», desabafava Xavi: «Dependemos tanto, tanto da situação económica…»

Foi neste cenário que começou a desenhar-se outro futuro para Nico. Era um jogador com mercado, o clube foi buscar mais opções para o meio-campo – o regressado Oriol Romeu e ainda Gundogan – que reduziram as suas expectativas de jogar com regularidade. E o Barça precisava de vender. O processo arrastou-se, mas o FC Porto acabou por garantir mesmo a promessa culé, num negócio de 8.4 milhões de euros em que o Barcelona garantiu 40 por cento dos direitos de uma futura transferência, além de uma opção de recompra do passe de Nico González, no valor de 30 milhões de euros e válida até junho de 2025.

De Arouca para o banco e o que diz Conceição: «Tem de dar à pierna»

Sérgio Conceição começou por dizer que o reforço ainda teria de passar «pelo tempo de sofrimento» antes de se afirmar no FC Porto, mas foi-lhe dando tempo de jogo. Ficou no banco na Supertaça, entrou em campo a vinte minutos do fim na primeira jornada, frente ao Moreirense, e foi titular nas três rondas seguintes. Até ao FC Porto-Arouca.

O FC Porto viu-se a perder aos 84 minutos, num golo de Cristo González em que o avançado ganhou perante Pepê e Nico, que não conseguiu controlar a bola.

Nico foi substituído no minuto seguinte, para dar lugar ao reforço Iván Jaime. Nessa noite tinha-se estreado também Alan Varela – entrou ao intervalo – e a partir daí o argentino passou a fazer dupla no meio-campo com Eustáquio.

Passou um mês e Nico González só voltou a ser opção frente ao Shakhtar Donetsk, para a Liga dos Campeões, saindo do banco quando faltava pouco mais de um quarto de hora para o fim do jogo. A imprensa espanhola tem associado por esses dias aquele momento com o Arouca ao «desaparecimento» de Nico González.

Quanto a Sérgio Conceição, deixou uma resposta vaga, na antevisão do jogo com o Barcelona. «O Nico já jogou, está bem de saúde e pronto para dar o seu contributo», disse o treinador: «Está num processo de adaptação/evolução como os outros jogadores jovens que chegam a este clube e para se afirmar é preciso dar ‘à pierna’.»

Também Xavi foi questionado sobre Nico. «É um jogador que temos muito em conta. Precisa de se formar, de ter minutos», afirmou nesta terça-feira o treinador blaugrana. «Acreditámos que a ida para o FC Porto o podia favorecer. Há muita concorrência, não seria fácil. Mas é um jogador de grande nível.»