A salvação do Boavista estava ao segundo poste. E Zé Manuel encontrou-a. Cavalheiro e gentil, abraçou-a com a intensidade dos que partem e voltam muito depois, demasiado tarde. Neste caso, sugerem os dados, a tempo ainda de a beijar com força e selar a manutenção.

Três pontos de romantismo e coração cheio, o anel de compromisso entre os axadrezados e a I Liga. Ajoelhou? Agora é a hora de cumprir as intenções, três jornadas pela frente e 29 pontos no bolso.

A relação tem tudo para dar certo. Aqui não há «o problema é meu, não é teu». O problema esteve nos longos anos de separação e angústia. Agora não, com este Boavista atraente, pensado por Erwin Sanchez, as panteras jogam futebol e piscam o olho a uma vida passada, à era do Boavistão.

FICHA DE JOGO E A PARTIDA AO MINUTO

No Bessa, o Belenenses do señor Julio pouco ou nada pôde oferecer ao jogo. Prestável na atenção dispensada aos níveis de beleza do espetáculo, os azuis foram fiéis à sua ideia de jogo, mas reagiram pessimamente à pressão insustentável exercida pelos portuenses.

De lábios trincados e pulmões infatigáveis, o Boavista jogou nos limites até fazer o 1-0 (Zé Manuel, 42 minutos), manteve o pé no acelerador até o Belenenses passar a estar reduzido a dez unidades (vermelho a Ricardo Dias, 54) e geriu com uma inteligência incomum – pelo menos para quem joga sob a pressão matemática – o marcador na última meia hora.

A vantagem mínima disfarça, aliás, uma diferença maior entre as duas equipas: no volume de jogo, na quantidade de remates, na posse de bola, nos sinais de perigo. O Boavista foi superior em tudo e teve mais duas ou três ocasiões de excelência para aniquilar a dúvida muito antes do apito final.

No meio esteve a virtude ou, se preferirem, no meio esteve Rúben Ribeiro, o virtuoso. Um craque!

Quando o pé de Rúben toca a bola, ela não chora, como acontece no convívio com tantas outras chuteiras amarguradas; ela sussurra de prazer e pede mais, pois o pensador/executante do futebol axadrezado sabe todos os segredos do jogo e da arte da sedução.

DESTAQUES DO JOGO: Zé Manuel no limite, Rúben em todo o lado

Rúben foi grande, bem acompanhado por Renato Santos e um Tahar enorme e mandão no meio campo. Em bloco, sólido, anularam as ideias muito interessantes do Belenenses e decidiram o clássico entre dois clubes históricos do futebol nacional – ambos campeões nacionais – numa bola parada bem executada: canto de Renato, cabeça de Idris, finalização de Zé Manuel.

Ao Belenenses faltou, essencialmente, espaço para respirar. Os homens do Restelo jogam no risco, não abdicam do passe curto desde a primeira fase de construção e acabam por cometer erros desnecessários quando o processo não sai bem. Erros em zonas proibidas.

Julio Velázquez, insistimos, tem ideias interessantes e atraentes. Tanto assim é que, após o vermelho a Dias, desenhou uma defesa a três, com todos os elementos a marcar, homem para homem, e manteve o meio campo bem povoado. Com essa estratégia soube manter a equipa na discussão até ao fim, sempre equilibrada.

Não chegou para pontuar, a noite era do Boavista. Do Boavista e da sua salvação, um encontro romântico e marcado para horas próprias. Tudo dentro dos limites da decência e bons costumes.