A visita de Abel Ferreira serviu para o treinador do Palmeiras rever a família, ser condecorado pelo Presidente da República, falar à comunicação social e, claro, descansar. 

Durante mais de uma hora, o treinador vencedor da Libertadores e da Taça do Brasil respondeu a todas as questões dos jornalistas portugueses e aproveitou o evento para elogiar o trabalho do amigo Sérgio Conceição no FC Porto. 

Abel revelou anda quais são as suas quatro grandes referências no treino e explicou o que pretendeu dizer quando disse que gostaria de ver Pep Guardiola a dizer que seria campeão da Europa no FC Porto.
 

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Pergunta - O que representa a medalha recebida das mãos de Marcelo Rebelo de Sousa?

Abel Ferreira - Um orgulho imenso em ser português. Quando estava a receber esta medalha, pensei que estava a representar todas as pessoas que me ajudaram a chegar a esta condecoração. Não sei se sou merecedor de recebê-la sozinho. Muitos contribuíram para que os meus feitos fossem possíveis.

P – Consegue comparar a dimensão da Libertadores com a da Liga dos Campeões?

AF – A única diferença é o hino (risos). Quando ouvimos o hino da Champions sentimos um arrepio e ficamos com pele de galinha. Por outro lado, a Libertadores tem um slogan que bonito: ‘Em busca da glória eterna’. Ambas as competições têm impactos fortíssimos.

P – O Abel sempre mostrou um grande interesse pela psicologia no futebol. Como nasceu essa curiosidade?

AF – A psicologia é algo que me fascina desde 2004, quando eu era treinado pelo professor Jesualdo Ferreira no Sp. Braga. Nessa altura trabalhei também com um psicólogo chamado Jorge Sequeira. Percebi nessa época que há algo que pode fazer a diferença e está no meio das nossas orelhas: a cabeça. Não sou só eu que o digo. Falamos com o Miguel Oliveira e é isso que ele diz, o Cristiano Ronaldo a mesma coisa, grandes líderes e referências mundiais dizem que o limite é o que está nesta caixinha [aponta para a cabeça]. Isso fascina-me desde 2004 e fui tentando ler muito sobre o tema. O impacto que temos à volta das pessoas quando estamos mais em baixo ou mais animados; até a bolsa de valores é afetada por isso, pelo estado psíquico das pessoas.

P – O que sentiu nos momentos em que ganhou a Libertadores e que recebeu a condecoração do Presidente da República?

AF – Significa um orgulho tremendo em ser português, como já disse. Quando estamos fora percebemos isso melhor. Não sei se sou merecedor da condecoração, porque ela representa o trabalho de muito mais gente. No momento em que a recebi pensei em todos os que me ajudaram.

P – Em pouco tempo ganhou dois títulos importantíssimos no Palmeiras. Já teve tempo para pensar em tudo o que conquistou e no que isso significa para a sua carreira?

AF – Não há muitos treinadores europeus a atravessar o Atlântico, mas existem. E o contrário também. O Diego Simeone, por exemplo. Não perco muito tempo a pensar no que ganhei. A vida está tão rápida que uma hora parece um minuto. Agora estou bem, mas sei que vou passar mal. Isso faz parte da nossa caminhada. Procuro em cada momento tirar o máximo deles. Essas conquistas foram momentos intensos e quem as ganha sabe o que sofreu e chorou até lá chegar. Há um denominador comum nos vencedores: a disciplina, o método, o trabalho, a determinação, a exigência e a consistência.

P – Que diferenças encontrou entre o futebol europeu e o futebol brasileiro?

AF – A grande diferença que existe tem a ver com a densidade competitiva. Aqui na Europa vemos treinadores como o Klopp, o Guardiola a queixarem-se… posso dizer-vos que no Brasil tive três micro-ciclos com ‘jogo-descanso-jogo’. Um dia de descanso. Temos duas formas de olhar para isto: ou nos estamos sempre a queixar ou encaramos como um desafio. Eu comecei numa equipa B e sei bem o que passei. Num dia treinamos com 20 atletas, no dia a seguir recebemos mais três da equipa A, depois o presidente manda quatro ou cinco embora, enfim. Se olharmos para isto como um desafio, acho que podemos ser melhores. Outra diferença grande prende-se com a marcação individual, o encaixe. Começamos a ver isso mais vezes na Europa. Basta olhar para a Atalanta. Quando eu estava em Portugal, só uma equipa defendia assim, as outras marcavam à zona e em função da bola.

P – De que forma é visto o jogador português no Brasil?

AF – Mais do que nunca, o jogador nacional é muito valorizado. Não só pelas suas funções técnico-táticas, mas também pelas competências de liderança. No Manchester City há um jovem chamado Rúben Dias que tive a oportunidade de defrontar quando estava na equipa B do Sp. Braga. Víamos dentro de campo um miúdo de 17 anos a liderar a equipa. Foi para o City e num espaço de semanas assumiu protagonismo. O Bruno Fernandes no Manchester United é a mesma coisa. Há bons jogadores em todo o lado. A diferença é que em Portugal o selecionador tem dez milhões e uma parte deles são futebolistas e o selecionador brasileiro tem 200 milhões ao dispor (risos). Os brasileiros têm o samba nos pés, tecnicamente são muito evoluídos.

P – Porque é que não há muitos treinadores brasileiros a trabalhar na Europa atualmente?

AF – Há treinadores portugueses bons e há outros que não conseguem. É o mesmo com médicos, jornalistas, dirigentes de futebol. Eu diria que os treinadores brasileiros são assim, há bons e maus. O Tite está na seleção, o Scolari teve uma passagem importante pela Europa, o Vanderlei Luxemburgo chegou a treinar o Real Madrid. Feliz ou infelizmente vivemos num mundo global e a competitividade é feroz. Vivemos na selva e muitas vezes não olhamos a valores e a princípios para chegarmos onde queremos. Se me revejo nisso? Não. Mas é assim que ela funciona e na selva só há espaço para os melhores.

P – No Palmeiras tem uma equipa cheia de jovens. Isso também o motivou?

AF – O clube tem de saber o tipo de treinador que quer. O treinador de projeto, de momento, de formação, de resultados. Temos de ser verdadeiros. Ganho mais depressa com um plantel experiente do que com um plantel cheio de jovens a iniciar a carreira. Sempre contemplei na minha planificação a chamada de jogadores jovens. No Sporting, por exemplo, o Gelson era juvenil e chamei-o aos juniores. No Sp. Braga, o Trincão era juvenil e estava na equipa B, o João Queirós a mesma coisa. Nos seniores do Sp. Braga chamei o Xeka, o Trincão, o Jordão, o Pedro Neto, o Xadas. No PAOK e no Palmeiras mantenho essa ideia. Mas – este ‘mas’ é importante – é preciso ter jogadores que suportam o grupo e que ajudam a fazer crescer os outros. Os líderes do balneário, os capitães. Os jogadores são como as nossas mulheres, têm muitos ciúmes. No Palmeiras todos me falavam da garotada, mas onde é que entrava nisso o Felipe Melo? E o Luiz Adriano? E o Everton? E o Rocha? São extremamente importantes para os mais jovens. O meu falecido avô sempre me disse que as pessoas de cabelos brancos têm sempre coisas importantes a dizer.

P – Há uns dias disse que gostaria de ver Guardiola a dizer que um dia seria campeão europeu com o FC Porto. Consegue explicar melhor essa ideia?

Abel Ferreira – A minha maior referência no treino, como português, é o José Mourinho. Pelo lado competitivo que ele deu ao treinador português. Depois há mais três nomes que gosto de destacar. Escolheria também o senhor Bobby Robson, pela ética e por provar que é possível ganhar com uma postura exemplar. O Jurgen Klopp, pela forma pragmática e metódica como vê o jogo. E o Pep Guardiola, pela abertura e capacidade que teve de dar às suas equipas um ataque posicional extremamente forte. Falo destes quatro nomes para explicar o que disse há dias sobre o Guardiola. A verdade é que o Jesus e o Mourinho cresceram a partir de baixo e o Guardiola começou logo na equipa B do Barcelona e depois esteve no Barcelona, no Bayern Munique e no Manchester City. Nunca vai ter de treinar uma equipa da dimensão do União de Leiria, devido ao estatuto que atingiu. Não há guerra nenhuma com ele, apenas quis lembrar isso.

P – Que análise faz à participação do FC Porto na Liga dos Campeões?

AF – Eu e a minha equipa técnica vimos o jogo em Turim e sofremos muito. Principalmente depois da expulsão do Taremi. Para os clubes, para os jogadores, para os treinadores portugueses tem sido ótimo. O que o Sérgio Conceição tem feito pelo FC Porto e pelo futebol português tem sido notável. O que ele tem feito no FC Porto é notável, histórico. O que fez agora contra uma equipa com outros recursos só pode ser enaltecido. Tenho o prazer de ter uma boa relação com o Sérgio e já o felicitei por telefone várias vezes. E ele a mim. O que o FC Porto tem feito na Europa tem engrandecido muito o futebol português.