Ficando a faltar dez jornadas para o fim, dificilmente se poderá dizer que o desfecho do dérbi deste sábado vai sentenciar as contas do título – mas pode, particularmente em caso de vitória do Sporting, desenhar uma tendência difícil de contrariar até final. Afinal, mesmo tendo perdido algum impacto com a ascensão do FC Porto a partir dos anos 80, o dérbi continua a ser o confronto com mais influência nas decisões do título desde a primeira edição da Liga em 1935.

Como não gostamos de falar de cor fomos fazer as contas para o confirmar. A conclusão é simples: são 25 em 81 edições, quase um em cada três campeonatos tiveram decisão - direta ou indireta – com passagem pelo dérbi de Lisboa da segunda volta. São demasiados para detalhá-los todos neste espaço, mas vale a pena deixar uma panorâmica sobre as vezes em que os dérbis escreveram o nome do campeão.

De Peyroteo a Luisão

Na memória de todos estão os dérbis que, mais recentemente, tiveram efeito decisivo na atribuição do título. É o caso do da temporada 2004/05 (o famoso dérbi do golo de Luisão), em que o Sporting, ao perder na Luz na penúltima jornada, desperdiçou a liderança da Liga sobre a meta, com o Benfica a consumar a ultrapassagem e a festejar o título, uma semana depois, ao fim de onze anos de jejum.

Esses onze anos tinham-se iniciado com o título de 1993/94, sentenciado com a vitória do Benfica por 6-3 em Alvalade, na melhor noite da carreira de João Pinto. Mas esses foram apenas dois dos sete dérbis que, na história da Liga, resolveram a questão do título com uma reviravolta. O primeiro aconteceu na época de 1942/43, quando o Benfica recebeu o Sporting na penúltima jornada, em segundo lugar, com um ponto de atraso. Golos de Julinho e Manuel da Costa ditaram a ultrapassagem aos leões e o quinto título da história encarnada, com apenas um ponto de vantagem.

Nessa mesma década de 40 – sem dúvida a mais rica na história dos dérbis – houve outra reviravolta épica, esta a favor do Sporting, numa das páginas mais brilhantes da carreira do melhor goleador da história da Liga, Fernando Peyroteo: em 1947/48, o Benfica recebia o Sporting com dois pontos de vantagem, a cinco jornadas do fim. Na primeira volta, os encarnados tinham ganho no Lumiar e, jogando em casa, eram logicamente favoritos.

Cândido de Oliveira, treinador do Sporting, era benfiquista, e durante a semana alguns adeptos questionaram o seu empenho numa eventual reviravolta – decididamente, há coisas que não mudam. Mas em 25 de abril de 1948, no Campo Grande, Peyroteo marcou por quatro vezes, ditando uma vitória leonina (4-1) que viria a revelar-se decisiva para a atribuição do título: as equipas acabaram empatadas em pontos, mas com vantagem para o Sporting no confronto direto. E Cândido de Oliveira bateu com a porta, ofendido com as insinuações.

Para a história dos dérbis, e das reviravoltas, ficam também dois títulos decididos, em anos consecutivos, no dérbi de Lisboa: na penúltima jornada de 1985/1986, o Benfica recebia o Sporting, com os leões já arredados da luta pelo título. A correr por fora estava o FC Porto, que nesse mesmo dia se impôs no Bonfim, com um golo solitário de Paulo Futre. A vitória do Sporting (1-2), com golos de Morato e Manuel Fernandes, encaminhou o título para as Antas, como se confirmou na última jornada.

Apenas um ano depois, na primeira volta do campeonato 1986/87, o Sporting impôs ao Benfica uma goleada inesquecível: 7-1 em Alvalade, com quatro golos de Manuel Fernandes. Mas, por incrível que possa parecer, esse jogo marcou o ponto de viragem na temporada encarnada: sem qualquer derrota até final da época, o Benfica festejou o título de campeão no dérbi da penúltima jornada, vencendo o rival de Lisboa por 2-1.

Mais recentemente, fica a curiosidade de os dois últimos títulos de campeão do Sporting, em 2000 e em 2002, terem sido sujeitos a festa adiada, já que o Benfica, de visita a Alvalade, obrigou os leões a prolongarem um pouco mais a espera. Foi assim em 2000 (vitória encrnada com golo de Sabry) e também em 2002, quando o empate (1-1, com golos de Jardel e Jankauskas) atiraram as decisões para a 33ª e penúltima jornada.

OS DÉRBIS DECISIVOS, DÉCADA A DÉCADA

Anos 30 (um dérbi)

O primeiro dérbi decisivo na história da Liga aconteceu na segunda edição, em 1935/36. Benfica e Sporting partiam empatados na frente, a duas jornadas do fim. A vitória encarnada, por 3-1, no campo das Amoreiras, encaminhou o primeiro título de campeão as águias, que tiveram em Valadas, autor de um hat-trick, o herói da tarde – e da temporada.

Anos 40 (cinco)

A década de ouro dos dérbis: em dez anos, nada menos de cinco títulos resultaram de confrontos direto entre águias e leões. Os dois primeiros sorriram ao Benfica. Em 1941/42, graças à vitória por 4-3 sobre o rival, a quatro jornadas do fim, num jogo em que o Sporting até esteve a ganhar por 3-1 na primeira parte. No ano seguinte, 42/43, o tal dérbi que deu direito à primeira cambalhota na discussão do título, com o Benfica a partir para a penúltima jornada com um ponto de atraso mas, ao vencer por 2-1, a terminar a Liga no primeiro posto.

A desforra dos leões chegou em 1943/44 com um golo solitário de Peyroteo a ditar vitória leonina no dérbi da penúltima jornada, ampliando o avanço dos leões para três pontos. E em 1944/45, pelo quarto ano consecutivo, o dérbi foi decisivo para a atribuição do título, com a vitória do Benfica por 4-1 a aumentar o avanço encarnado para uns irrecuperáveis quatro pontos. A década dos cinco violinos não terminaria sem outro dérbi decisivo, o tal dos quatro golos de Peyroteo, em 1947/48, que não só permitiu aos leões alcançar o Benfica no comando, como lhes deu a decisiva vantagem final no confronto direto.

Anos 50 (três)

O Sporting foi o grande dominador dos primeiros anos da década de 50, e a conquista do título de 1951/52 passou pelo dérbi da segunda volta, com a vitória por 3-2 (golos de Vasques, Jesus Correia e Martins) a ditarem a ultrapassagem ao Benfica. Os leões voltariam a sair por cima de um dérbi decisivo em 1958/59, mas desta vez não foi em benefício próprio: a vitória sobre o Benfica (2-1) a duas jornadas do fim, beneficiou o FC Porto, que acabaria por sagrar-se campeão na diferença de golos. A desforra do Benfica chegou na época seguinte, com a vitória, por 4-3, a fixar um avanço irrecuperável sobre os leões, a duas jornadas do fim. Com a particularidade de esse título encarnado ter sido o ponto de partida para as campanhas dos títulos europeus de 1961 e 1962.

Anos 60 e 70 (três)

A partir dos anos 60 o impacto do dérbi na definição do vencedor da Liga diminui. Em 1962, ainda assim, foi a vitória do Sporting (3-1) sobre os encarnados – já arredados do título – na última jornada, a confirmar a festa leonina, para frustração do segundo classificado, FC Porto. Em 1967/68, o dérbi teve sinal contrário: o Sporting liderava, a três jornadas do fim, mas a vitória do Benfica, com golo de Eusébio, encaminhou irreversivelmente o título para a Luz.

Durante a década de 70, a decisão do título passou quase sempre ao lado dos dérbis – ao contrário do que sucedia na Taça de Portugal, onde os clássicos memoráveis aconteciam com uma regularidade quase anual. Na Liga, a história era outra. Em 1973/74, por exemplo, o Sporting foi campeão mesmo perdendo os dois clássicos com os rivais. A exceção à regra veio na época seguinte, o Benfica foi a Alvalade a precisar de um ponto para fazer a festa a uma jornada do fim, e foi precisamente o que aconteceu (1-1), com Diamantino Costa a marcar o golo da confirmação.

Anos 80 (quatro)

A importância dos dérbis renasce, depois do prolongado eclipse das décadas anteriores. O título do Sporting em 1981/82 fica marcado por um dérbi histórico – a vitória dos leões em Alvalade, por 3-1, com um hat-trick de Jordão. Foi o célebre jogo em que Bento foi expulso por agredir Manuel Fernandes – e embora esse dérbi tivesse acontecido a oito jornadas do fim, com o Sporting já firme na liderança, o seu desfecho praticamente sentenciou a questão. Em 1983/84, pelo contrário, foi o Benfica a fazer a festa - à custa do FC Porto - com o empate (1-1) na Luz, diante do rival lisboeta, na penúltima jornada. Seguem-se, a fechar a década, os dérbis decisivos das penúltimas jornadas de 1985/86 (em que o Sporting, ao vencer na Luz, atirou o título para o Porto) e 1986/87 (vitória do Benfica no dérbi da Luz a garantir o título de campeão).

Anos 90 (um)

Com o Sporting frequentemente afastado da luta pelo título antes das últimas jornadas, o dérbi volta a perder relevância nas decisões da Liga. Ainda assim, o incontornável jogo de maio de 1994 representa uma página incontornável na história da Liga, com a vitória do Benfica por 6-3 (hat-trick de João Pinto) a afastar os leões de uma liderança – e de um título - que parecia ao alcance da mão. A década encerraria com um dérbi não decisivo, mas simbólico – o tal do golo de Sabry, a adiar o reencontro do Sporting com o título de campeão, em 1999/2000.

Século XXI (um)

Em 2003, foi uma vitória do Sporting no dérbi de Lisboa, realizado no estádio Nacional, devido às obras na Luz, a sentenciar o título para o FC Porto a cinco jornadas do fim. Mas era apenas uma questão de tempo, visto que os dragões chegavam a essa fase da época com 11 pontos de avanço sobre os encarnados. Assim, o primeiro dérbi verdadeiramente decisivo no século XXI acontece em 2004/05, com a tal cabeçada de Luisão a mudar a agulha do título, de Alvalade para a Luz. Daí para cá, nenhum outro dérbi decidiu verdadeiramente o campeão – embora, em 2011/12, a vitória do Sporting sobre o Benfica (1-0), de Jorge Jesus, tivesse ajudado o FC Porto, comandado por Vítor Pereira, a chegar ao título.

A chegada de Jorge Jesus ao dérbi marca também, da parte do técnico, um ascendente sem precedentes na história – nenhum outro técnico na história ganhou tantas vezes e com tanta frequência como JJ. Isso inclinou a balança do dérbi a favor do Benfica, nos últimos seis anos, e a claramente favor do Sporting, na época em curso. O que é mais um ingrediente para apimentar o dérbi deste sábado. Decisivo? Provavelmente não. Mas, de todas as formas, absolutamente imperdível.

Os dérbis do «e se…»

Outro exercício curioso é ver quantos títulos de campeão teriam mudado de mãos com um resultado diferente no dérbi lisboeta da segunda volta. Aqui vai a resposta: ao todo são 20, mas 14 deles registaram-se nas primeiras 26 edições da Liga, entre 1935 e 1960. A partir da década de 60, as diferenças pontuais tornaram-se maiores e, com a entrada em cena do FC Porto, o dérbi tornou-se menos decisivo do que no passado. O que não invalida que continue a proporcionar vários momentos decisivos na história dos campeonatos. Eis os anos em que o dérbi teria dado um campeão diferente:

1935/36

Quem ganhou: Benfica, 3-1

Campeão: Benfica (se o Sporting tivesse ganho, o campeão teria sido o FC Porto)

1936/37

Quem ganhou: Benfica, 5-1

Campeão: Benfica (se o Sporting tivesse ganho, o campeão teria sido o Belenenses)

1937/38

Quem ganhou: Empate, 2-2

Campeão: Benfica (se o Sporting tivesse ganho teria sido campeão)

1938/39

Quem ganhou: Sporting, 1-4

Campeão: FC Porto (se o Benfica ganhasse teria sido campeão)

1941/42

Quem ganhou: Benfica, 4-3

Campeão: Benfica (Sporting teria sido campeão se ganhasse por três golos ou mais)

1942/43

Quem ganhou: Benfica, 2-1

Campeão: Benfica (se o Sporting ganhasse teria sido campeão)

1943/44

Quem ganhou: Sporting, 1-0

Campeão: Sporting (se o Benfica ganhasse teria sido campeão)

1944/45

Quem ganhou: Benfica, 4-1

Campeão: Benfica (se o Sporting ganhasse teria sido campeão)

1947/48

Quem ganhou: Sporting, 1-4

Campeão: Sporting (se o Benfica ganhasse teria sido campeão)

1951/52

Quem ganhou: Sporting, 3-2

Campeão: Sporting (se o Benfica ganhasse teria sido campeão)

1952/53

Quem ganhou: Sporting, 3-1

Campeão: Sporting (se o Benfica tivesse ganho por mais de um golo teria sido campeão)

1954/55

Quem ganhou: empate 1-1

Campeão: Benfica (se o Sporting tivesse ganho, o Belenenses teria sido campeão)

1958/59

Quem ganhou: Sporting, 2-1

Campeão: FC Porto (se o Benfica empatasse teria sido campeão)

1959/60

Quem ganhou: Benfica, 4-3

Campeão: Benfica (se o Sporting tivesse empatado seria campeão)

1967/68

Quem ganhou: Benfica, 1-0

Campeão: Benfica (se o Sporting ganhasse teria sido campeão)

1970/71

Quem ganhou: Benfica, 5-1

Campeão: Benfica (se o Sporting ganhasse teria sido campeão)

1981/82

Quem ganhou: Sporting, 3-1

Campeão: Sporting (se o Benfica ganhasse teria sido campeão)

1993/94

Quem ganhou: Benfica, 3-6

Campeão: Benfica (se o Sporting ganhasse teria sido campeão)

2004/05

Quem ganhou: Benfica, 1-0

Campeão: Benfica (se o Sporting ganhasse teria sido campeão)

2006/07

Quem ganhou: empate, 1-1

Campeão: FC Porto (se o Sporting ganhasse teria sido campeão)

Levando o exercício até ao fim, com estas contas, o Benfica perderia 12 títulos, ganhando outros 6. O Sporting perderia 5, ganhando 11. O FC Porto perderia 3, ganhando 1. E o Belenenses teria mais dois títulos de campeão…