Chegou ao Sporting em 2007, para jogar nos iniciados, e quase dez anos depois, Mica Pinto saiu de Alvalade sem se ter estreado oficialmente pela equipa principal dos leões.

Em entrevista ao Maisfutebol, o atual lateral-esquerdo do Sparta de Roterdão garante que não tem qualquer mágoa com o clube que o formou como homem e como jogador, recorda os tempos em que a sua casa era a Academia de Alcochete, mas não só.

Mica fala ainda da sua história na Holanda, onde está desde o início de 2018, do cancelamento prematuro da Eredivisie devido à pandemia de covid-19 e das diferenças culturais entre os 'tugas' e os 'laranjinhas'.

PARTE I: A vida de um jogador português na Holanda: «Isto vai deixar mossa»

PARTE III: «Em Portugal, se perdes um jogo nem podes sair à rua durante uma semana»

Maisfutebol – Nasceu no Luxemburgo, onde começou a jogar futebol, e depois fez formação em França, no Metz. Como é que foi parar ao Sporting?

Mica Pinto – Foi tudo muito rápido. Estive em França muito pouco tempo, quatro ou cinco meses, e depois nas férias costumava ir sempre para Portugal. Uma vez inscrevi-me naqueles projetos de férias na Academia de Alcochete, o meu pai sempre foi muito sportinguista e inscreveu-me para eu conhecer a academia, que já naquela altura era muito falada, tinha nome. Arrisquei e, na brincadeira, um ou dois treinadores gostaram de mim e convidaram-me para fazer testes em dezembro. Nisso os meus pais sempre foram fundamentais, nunca me impediram de nada e foram muito importantes para mim. Fui lá fazer o teste, era iniciado, e o meu treinador era o Luís Gonçalves. Eles gostaram de mim, conversaram comigo e mudei-me para o Sporting. Mas foi tudo muito rápido: tinha ido lá para o projeto de verão em agosto e em janeiro já estava a viver na academia.

MF – Ficou a viver na academia, com os seus pais no Luxemburgo. Como foram esses primeiros tempos? Imagino que não tenha sido fácil.

MP – Não, foi muito complicado. Quando estava em França, voltava para casa aos fins de semana, então a mudança para Portugal foi completamente diferente. Quando cheguei ao Sporting comecei a ver os meus pais e a minha família uma vez por ano. Nos primeiros seis meses lembro-me que sofri bastante, mas foi uma situação que me ajudou a crescer mais rápido e no Sporting deram-me sempre o melhor em todos os aspetos. É uma academia espetacular, das melhores do mundo, por isso foi uma decisão acertada.

MF – Que recordações guarda dos tempos em que viveu em Alcochete?

MP – Muitas, principalmente amigos. Ainda hoje tenho contacto com alguns, nas férias juntamo-nos. Um dos meus melhores amigos é o Tiago Ilori e todos os verões estamos juntos. O Sporting faz parte da minha vida, foi basicamente a minha infância toda. Foi a minha segunda família, foi incrível. Se tivesse de voltar atrás, tomava as mesmas decisões, cresci muito por estar em situações complicadas e ter de resolvê-las com uma idade tão jovem fez-me crescer bastante, por isso foi uma decisão acertada, sem dúvida.

Mica Pinto a disputar um dérbi frente ao Benfica pela equipa B do Sporting (instagram pessoal)

MF – Alguma história mais curiosa que possa partilhar?

MP – Fazíamos muitas marotices. Às vezes eram duas da manhã e nós íamos ao campo principal, onde jogam os jovens, e pegávamos nos altifalantes a cantar. Houve uma história curiosa comigo e com o Tobias Figueiredo: nós tínhamos de estar na cama a descansar às 23h00, mas num fim de semana, depois de um jogo, eram três da manhã e lembrámo-nos de ir para o campo e andar lá com o trator que corta a relva [risos]. Só que estragámos a bateria e tivemos de pagar uma nova. Ficámos assustados porque fomos apanhados pelo segurança, esquecemo-nos de desligar as luzes e queimámos a bateria. Mas pronto, são coisas que todos os jovens fazem. Depois dão-nos um bocado nas orelhas, mas aprendemos.

MF – Faz parte de uma geração com muitos jogadores que tiveram oportunidades na equipa principal. Guarda alguma tristeza por nunca ter tido essa sorte?

MP – Sem dúvida. Jogar pela equipa principal do Sporting sempre foi um dos meus objetivos. E mais vendo naquela época que tantos companheiros estavam a consegui-lo, sempre quis conseguir também. Continuo a sonhar com isso, pelo carinho que tenho pelo clube. Como já disse, o Sporting para mim é uma família, a minha vida foi o Sporting desde os 12 anos até aos 22, por isso sempre vivi o Sporting e um dia gostaria de jogar pela equipa principal.

MF – Fez muitos jogos pela equipa B, inclusivamente chegou a ser capitão. Sentia que tinha qualidade para fazer parte do plantel principal?

MP – Houve uma altura em que sim. O Mundial sub-20 [em 2013] correu-me muito bem e eu estava à espera de fazer a pré-época com a equipa principal, mas nunca tive essa oportunidade. O que se passou comigo passa-se com muitos jovens, às vezes basta ser o momento certo, ter um treinador que gosta de ti...  essas coisas são muito importantes. Às vezes tens a sorte de teres um treinador que gosta muito de ti e da tua forma de jogar e as coisas correm bem. Mas não é algo que me magoe, o Sporting deu-me tudo, formou-me em todos os aspetos. A pessoa que sou hoje é graças ao Sporting, só tenho de agradecer. E são esse tipo de situações que também me fizeram crescer, porque um jogador está sempre à espera que vai acontecer o melhor, mas às vezes não é isso que se passa. Mas isso ao mesmo tempo faz-te crescer e evoluir como jogador, por isso não há qualquer mágoa com o Sporting, só mesmo gratidão.

MF – ...

MP – Houve só um ano em que joguei dois jogos na pré-época, com o Marco Silva. Fui jogar aos Açores e joguei também na Taça de Lisboa, com o Belenenses. Foram as únicas oportunidades que tive, na Taça da Liga fui duas ou três vezes para o banco. Mas pronto, depois também decidi procurar outro rumo, porque sentia essa falta de aposta em mim e neste caso até correu bem porque agora estou a jogar na Erevidisie, que é um campeonato muito visto e muito talentoso, por isso foi uma decisão acertada.

MF – Dos tempos de formação, já algum colega se destacava?

MP – Sem dúvida o João Mário. Desde que éramos iniciados que já se via que tinha algo especial. Também teve uma situação difícil, foi emprestado ao Vitória de Setúbal, mas o João Mário sempre teve uma qualidade acima da média, já se notava que ia chegar longe quando era jovem. Sempre foi uma pessoa simples, é uma das características dele. É uma pessoa muito simples, muito humilde, por isso não fico surpreendido por tudo o que já conseguiu no futebol.

Mica Pinto com Gelson Martins, Daniel Podence e Francisco Geraldes

MF – Foi depois emprestado ao Recreativo de Huelva, que estava na 2.º B espanhola, equivalente à terceira divisão. Foi o Mica que quis sair ou foi o Sporting que o quis emprestar?

MP – No primeiro ano em que estive no Sporting B um dos nossos treinadores foi José Domínguez, que também foi jogador do Sporting. Ele foi treinar o Recreativo e uma das primeiras coisas que fez foi chamar-me, e eu não hesitei. Já o conhecia, dava-me bem com ele e sabia que ia ter minutos lá. Também precisava de um desafio novo e por isso é que tomei essa decisão. Foi um dos lugares onde eu e a minha esposa fomos mais felizes e estive lá seis meses sem receber, por isso imagine [risos]. Era mesmo um lugar especial, mas o clube estava a viver uma situação complicada. Mas imagino-me a voltar um dia, independentemente da divisão em que estejam, um dia gostava de voltar ao Recreativo.

MF – Foi difícil sair do Sporting, um clube de topo que dá todas as condições aos jogadores, para uma equipa com menos argumentos e que ainda por cima atravessava uma situação difícil em termos financeiros?

MP – No início foi complicado, mas eu sabia ao que ia. Sabia que o clube estava numa situação difícil economicamente, tinha descido duas vezes em três épocas, mas esse tipo de situações faz-nos sempre crescer, faz-nos pensar o que queremos para nós e para a nossa família. Essas coisas fazem sempre crescer os jogadores. Mas ao mesmo tempo era um lugar incrível, os adeptos eram incríveis, os adeptos eram incríveis, a cidade também. Mesmo a jogar na 2.ª B e com o clube numa situação má, às vezes tínhamos dez mil pessoas no estádio, por isso imagine. Fiquei com um carinho muito especial pelas pessoas, ainda hoje, em cada mercado de transferências, as pessoas pedem-me para voltar. Como já disse, quero voltar para poder ajudar o clube.

MF – Entretanto voltou para Portugal e assinou pelo Belenenses. Foi difícil deixar o Sporting de forma definitiva ao fim de tantos anos?

MP – Não. Estava à procura de dar o salto para a I Liga e no Sporting não estava a conseguir. Sentei-me com um dirigente e tivemos uma conversa honesta. Sempre fui bem tratado, o Sporting até ajudou a fazer o negócio, não pediu dinheiro ao Belenenses, só ficou com 50 por cento do meu passe. Eles também pensaram em mim, que precisava de dar esse passo, por isso não houve qualquer mágoa com o Sporting, eles ajudaram-me a dar esse passo.

Instagram pessoal

MF – E que tal a experiência na I Liga?

MP – Foi boa, mas infelizmente tive uma lesão grave no joelho e o Belenenses contratou-me lesionado, ainda com três meses de recuperação pela frente. Até comecei a época duas/três semanas antes do que os outros jogadores. No início foi difícil, vinha de uma paragem de sete meses e depois tive alguma dificuldade para me adaptar ao nível da I Liga e paguei um bocado por isso, não tive tanto tempo de jogo. Precisava de mais tempo para voltar à normalidade, mas o Belenenses tinha apostado em mim e tinha de render no imediato, então não correu bem. Mas também não há mágoa com o Belenenses, sempre me dei com o presidente e com toda a gente do clube e sempre fui bem tratado, só tenho a agradecer.