De um anónimo jovem inglês a jogar nos pubs para a elite dos dardos. O nome de Luke Littler, de 16 anos, ecoa na imprensa europeia, depois de o rapaz de Cheshire ousar desafiar as probabilidades e a história da modalidade. Há um mês, aquando do arranque do Campeonato do Mundo, Littler era apenas número 164 no ranking, e o nome nem se equacionava para as rondas finais da prova.

Entre os favoritos estavam, por exemplo, Brendan Dolan, Rob Cross ou Barneveld, todos eliminados por Littler, que alcançou a final, ameaçando o recorde de Michael Van Gerwen, o mais jovem campeão do mundo, aos 24 anos, em 2014. Eliminar os ídolos e campeões do mundo parecia o presságio de que – o até então desconhecido do grande público – caminhava para o impensável.

A dedicação a esta prática, pelo menos desde os 18 meses, e muitos meses a treinar nos pubs, valeram a Littler o primeiro momento alto com o seu dom. Na noite desta quarta-feira subiu ao palco do Alexandra Palace e, perante uma autêntica legião de milhares, “batalhou” com o então número três do ranking pelo ouro.

Contudo, numa recuperação digna do melhor do mundo, de 2-4 para 7-4, Luke Humphries estreou-se no Olimpo dos dardos. Será o “vilão” desta história? Bom, esta narrativa é composta por atletas, apaixonados pelo jogo. E Littler voltou a agigantar-se, pois, face aos apupos de alguns adeptos – certamente frustrados com a prestação exímia de Humphries – apelou ao desportivismo.

Um «grande futuro» para o estreante na Premier League

O percurso do britânico foi de tal modo digno de guião de Hollywood, que se tornou mediático, muitas vezes para lá deste talento. Dezenas de tablóides europeus replicaram questões quanto à idade de Littler, até que, por fim, a família do atleta divulgou a certidão de nascimento.

«Invejosos», atiraram os familiares de Luke, lembrando que a organização do Campeonato do Mundo exige tais documentos antes do arranque da prova.

Aparte das polémicas – das quais o jovem atleta se mostrou desinteressado – Littler continua a provar ser um mero jovem, sobretudo no X (antigo Twitter) e no Snapchat, ora a jogar Football Manager e FIFA, ora a celebrar uma vitória num kebab.

Um rapaz de 16 anos nas bocas da elite dos dardos desde o último verão, revela José Sousa. Em entrevista ao Maisfutebol, o campeão europeu de 2020, habituado a estas lides, aponta Littler como cabeça de cartaz da nova geração. Ainda que não se tenha cruzado com o britânico, uma vez que deixou o Mundial na segunda ronda, o principal embaixador nacional na modalidade antevê um futuro estrelato para Littler.

«Se ele conseguir continuar a jogar sem preocupação, com esta estabilidade emocional e consistência de performance, então terá um grande futuro. Está bem mentalmente, concentrado, sabe como reagir, agir e sabe como digerir os momentos. Estou certo que seguirá num bom caminho», analisa o "Special One" dos dardos.

E como se prepara um campeão nesta modalidade? Com muitas horas de treino, em casa ou nos bares, com consciência das fragilidades e com múltiplas opções para a preparação. Segundo José Sousa, um plano com partidas de 501 [em contagem decrescente até ao zero], dez bullseye, atingir os 100 pontos com três dardos ou os 170 pontos com nove dardos, será essencial para competir com a elite.

Após a derrota na final do Mundial, Littler não deixou o sorriso desvanecer – até porque havia enriquecido, pelo menos, 200 mil libras – e garantiu que a hora é de descanso e da família.

Como se tamanha felicidade não fosse suficiente, o jovem inglês recebeu mensagens de jogadores do Manchester United, como Jonny Evans, o número de seguidores no Instagram aproxima-se do milhão e, já esta quinta-feira, a Premier League – dos dardos – anunciou a inclusão do inglês na prova, que decorrerá entre fevereiro e maio, percorrendo o Reino Unido.

«Felizmente no último ano não fui incluído e tomaram a decisão correta ao me descartar, porque assim provei que estavam errados e aproveitei para crescer», havia dito Littler, que conta com um prémio de entrada na ordem das 60 mil libras. Na Premier League participarão outros sete atletas, entre os quais o heptacampeão Michael Van Gerwen e o campeão do mundo Luke Humphries.

Littler lembrou ao mundo a «espetacularidade» dos dardos

Para José Sousa, vice-campeão da Premier League em 2021, estar entre os melhores requer índices mentais estáveis, livres da pressão exercida pela imprensa ou pelas redes sociais. Até porque o calendário de Littler será preenchido, uma vez que competirá, em simultâneo, na Premier League, no Pro Tour e, provavelmente, no Tour europeu.

«O mediatismo e as redes sociais, por vezes, distraem os atletas do próprio rumo. Mas, creio que isso não acontecerá nos dardos», sublinha José Sousa. Aos 49 anos, e desde a província espanhola de Avila, onde reside, o atleta elege Josh Rock, de 22 anos, e Van Den Bergh, de 29 anos, como outras promessas. Em todo o caso, Littler eleva as expectativas a um patamar invejável.

«Ele faz-me lembrar o [tenista] Carlos Alcaraz, que, da noite para o dia, subiu ao topo do ranking mundial. É também um talento nato», explica o português.

Nas últimas semanas, os olhos do mundo estiveram colados ao Alexandra Palace, também graças ao crescente interesse num tal “puto” maravilha.

«Nos últimos cinco anos, as pessoas acordaram para a magnitude dos dardos. As redes sociais são um veículo rápido para a modalidade mostrar a sua dimensão e espetacularidade», salienta o José Sousa.

Luke Littler parte para as novas aventuras no 32.º lugar do ranking mundial – a conquista do Mundial poderia valer a subida ao nono posto – e com o estatuto de atleta profissional.

Quanto a José Sousa, o português prepara a mente para se focar, por completo, nos dardos, após cinco meses que descreve como difíceis. De olhos no futuro, o atleta de 49 anos, natural da Azambuja, retoma ainda este mês os treinos, sobretudo em casa, para, quem sabe, voltar às finais europeias.