«O Brasil tem quase 200 milhões de pessoas, e todos querem jogar futebol. Chegar à seleção é fantástico, e retornar é quase impossível. Mas como na vida nada é impossível, as coisas acontecem. Se você for íntegro e trabalhar, as pessoas vão reconhecer»

«Sei que tenho de melhorar no contato com as pessoas, com os jornalistas. Talvez na primeira passagem pela seleção, por ser oriundo do futebol e por não ter tido experiência anterior como treinador, tenha focado demais dentro de campo. Sobre os resultados dentro de campo eu não preciso falar muito, mas preciso aprimorar meu relacionamento com a imprensa, o que é normal. Esse é meu mea culpa»

«Não vou vender um sonho, vou vender uma realidade. Acredito na qualidade do jogador brasileiro.»

DUNGA, novo selecionador brasileiro, durante a apresentação



Importam-se de repetir? Dunga, de novo?

Até Jorginho, adjunto do técnico na primeira passagem pelo comando do escrete (2006-2010), hoje nos Emiratos Árabes Unidos, admitiu «surpresa» por este regresso: «Desejo sorte e sucesso neste retorno e somente o tempo poderá responder que a escolha da CBF foi bem feita para este novo momento na nossa seleção», comentou, citado pelo Globo Esporte.

Sem rodeios, Lédio Carmona, comentador na SporTV brasileira, atirou: «Isto é um tapa na cara de toda a sociedade e do futebol brasileiro. A ideia da CBF é botar um cara como escudo, que bota a cara a tapa e vai para o confronto, blindando a entidade. Entendem pouco da questão de bola, tática e estratégia. Não é forte do Marin e do Del Nero. Não acho que o Dunga tenha feito um trabalho ruim. Jamais seria o meu eleito. Mas a seleção e a CBF gostam de andar para trás. Vivem em círculos. Não há trabalho de renovação.»

Ainda na ressaca do «desastre» da Copa (1-7 com a Alemanha e 0-3 com a Holanda são dois desaires que vão ficar gravados para sempre na memória dos brasileiros), a tese dominante entre os analistas e os adeptos parecia ser a de que o sucessor de Scolari deveria marcar uma rutura nos métodos de trabalho e na forma de explorar o imenso talento brasileiro.

Muitos defendiam, até, a contratação de um técnico não brasileiro (José Mourinho foi um dos nomes que vieram de imediato à baila).

Mas perante a opção de se manter na «escola brasileira», houve algumas hipóteses que duraram alguns dias, desde que o «Mineiraço» com a Alemanha tornou claro que Scolari não teria condições de continuar depois do Mundial.

Tite, Cuca, Leonardo… cadê?

Foi mesmo essa a pergunta que ocorreu a Michelle Gianella, apresentadora brasileira e colunista da «Gazeta Esportiva»: « O quê? Dunga? E o Tite? Ok, Dunga teve bons resultados com a seleção brasileira, mas apesar disso, quando saiu não deixou saudades. Todos apostavam num nome, Tite. Aliás, não apenas todos, mas os entendedores do futebol, até mesmo os próprios treinadores. Tite é estudioso, foi campeoníssimo com o Corinthians, saiu do Timão aclamado e foi estudar o futebol europeu. Atualmente está desempregado, mas dizem as boas línguas que está prestes a assumir a seleção do Japão. Agora o detalhe mais tenebroso: notícias dão conta de que ele sequer foi convidado pelos dirigentes da CBF. Nem um telefonema… Estranho, não? Vamos ver o que será daqui pra frente. Oremos pelo nosso futebol.»

Tite, campeão do Mundo de clubes pelo Corinthians em 2012, e Cuca, campeão sul-americano pelo Atlético Mineiro em 2013, foram dois nomes «especulados» nos media.

O perfil de ambos mostrava, de algum modo, uma certa novidade em relação aos últimos selecionadores brasileiros (Scolari, Mano, Dunga, Parreira, Vanderlei Luxemburgo, Emerson Leão, Zagallo...)

Tite, 53 anos, tem carreira quase toda feita no Brasil, mas o futebol apresentado no Corinthians e no Inter de Porto Alegre mostrava ideias «europeizadas».

Depois do título mundial, em dezembro de 2012, chegou a ter o Inter de Milão como possibilidade, que não viria a confirmar-se e, meses depois, acabaria por sair sem glória do Timão, vítima dos maus hábitos dos clubes brasileiros de não «segurarem» os treinadores, depois de uma série de resultados negativos.

Cuca, de 51 anos, atualmente no Shandong Luneng, da China, era outra hipótese com fundamento, depois do trabalho feito no Atlético Mineiro, coroado com a Libertadores 2013.

E ainda houve um terceiro nome que, nos últimos dias, ganhou sustentação, como eventual sucessor de Scolari: Leonardo, 44 anos, antigo craque de PSG e AC Milan, que como treinador já orientou os dois eternos rivais de Milão.

A hipótese Leonardo agradava a quem defendia uma mudança maior, trazendo um perfil mais formatado por ideias europeias. Leonardo não tem, como técnico, os «vícios» que o futebol brasileiro precisará de curar. Mas a CBF também não foi por aí...

Dunga, mas desta vez moderado


«Não sinto rejeição. A pesquisa está aí para ser derrubada. Eu acredito muito no torcedor brasileiro, no carinho que o torcedor tem pela seleção brasileira. Toca a nós mudarmos a opinião das pessoas. Minha meta é mudar a maneira das pessoas pensarem a meu respeito. Nelson Mandela tinha tudo contra e conseguiu mudar a forma das pessoas de pensar com paciência. Espero que eu possa ter 1% da paciência dele. Eu não penso em mim, penso na seleção brasileira. Se a Seleção estiver bem, eu vou estar bem, estar feliz. Tem muito sacrifício, mas a alegria e satisfação é bem maior»
DUNGA, novo selecionador do Brasil, durante a apresentação

Acabou por vingar o regresso de Dunga, o técnico que não foi além dos quartos de final no Mundial-2010 (depois de vencer a Copa América 2007 e a Confederações 2009).

Na primeira passagem pelo comando do escrete, Dunga acumulou também a seleção olímpica, mas desta vez delegará essa função, para o projeto Rio-2016, em Alexanfre Gallo, técnico dos sub-20, que conhece a geração que irá tentar a medalha de ouro «em casa».

Retrocesso?


Jessica Corais, jornalista brasileira sediada no Rio, admite, em declarações ao Maisfutebol: «Praticamente ninguém acreditava que Dunga seria o técnico da seleção. Nem ele próprio.»

Numa altura em que a palavra de ordem era «mudança», não deixa de ser estranho que a escolha da CBF tenha recaído num técnico que já orientou o escrete entre 2006 e 2010.

Jessica Corais observa: «Depois de tudo o que foi visto, havia um clamor da população para que o técnico fosse estrangeiro. Já houve uma frustração quando a CBF anunciou que ele seria brasileiro. A frustração aumentou consideravelmente após o anúncio do Dunga. Tem praticamente 80% de rejeição em todas as pesquisas. Era a chance do Brasil mudar, olhar para frente, e ao chamar o Dunga a sensação que fica é de um certo retrocesso.»

Mário Magalhães, autor do «Blog do Mário», acoplado ao UOL Esporte, aponta, em jeito arrasador: «Ao contrário de um monte de gente, incluindo os que viram e os que não viram o Dunga boleiro, eu o considerava um baita jogador. Volante tanto de pegada, combativo, quanto de recursos técnicos acima da média. Seus lançamentos eram um primor estilístico. Pensava bem o jogo, como um técnico em campo, mais do que o capitão que se habituou a ser. A escolha de Marin e Del Nero, capi da CBF, premia a performance ruim. O treinador perdeu com a seleção na Copa de 2010. Depois, ficou anos parado e só trabalhou em um clube, o Inter, no qual ganhou o que valia menos e fracassou quando os desafios aumentaram. Isso mesmo, de 2010 a 2014, Dunga só foi técnico num clube, no qual não sobreviveu por um ano. O noticiário informa que ele estava acertando contrato com a seleção venezuelana. Seria um bom recomeço, para evoluir até encarar objetivos mais parrudos. De certo modo, este ainda é o tamanho de Dunga como técnico: dirigir a Venezuela. O recado dos chefões do futebol nacional é que ninguém precisa montar times bons, brilhar ou vencer, como tantos treinadores brasileiros e estrangeiros fizeram nos últimos anos. Às favas com o mérito!, parecem dizer. O escolhido tem um currículo modestíssimo, apesar de já ter comandado a seleção num Mundial.»

Para Vítor Birner, outro analista do UOL, Dunga é «mais do mesmo»: «Critiquei os primeiros meses do trabalho anterior de Dunga na seleção. Depois, quando vi que deu um rumo ao time, o elogiei bastante apenas pontuando alguns erros em meio aos vários acertos. Foi bom ver uma seleção guerreira depois de falta de respeito de Ronaldo, muito acima do peso, e de seus companheiros na farra em Veggis na Copa do Mundo em 2006. Tal qual citei no post, ainda não formei opinião sobre o técnico Dunga. Não tenho a menor convicção se vai ou não conseguir bons resultados. Minha única crença é de que se trata de mais do mesmo.»

Desvio de atenções

O que terá levado, então, a que a escolha recaísse sobre Dunga, perante tantas contra-indicações? «Muitos especialistas apostam que foi para desviar o foco tanto da imprensa e quanto da população dos inúmeros problemas da CBF, inclusive para desviar o foco de uma possível CPI a ser instaurada para investigar a entidade. Já o discurso quanto ao perfil de Dunga é que ele é um técnico que cobra comprometimento, seriedade, trabalho e amor a camisa. Em sua entrevista coletiva no seu retorno, já indica exatamente isso. Que quer muito mais seriedade dos jogadores, sem mídia e com o foco exclusivamente no trabalho», nota Jessica Corais.

A via de uma solução estrangeira parecia maioritária na opinião pública brasileira, mas a ideia foi prontamente rejeitada pelas altas esferas da Confederação Brasileira.

Jessica Corais comenta: «A alternativa mais pedida era a de um técnico estrangeiro. O Tite não teria sido escolhido, pois possui uma ligação grande com Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians, time que o treinador treinou e foi multicampeão, que por sua vez possui grandes divergências contra José Maria Marin e Marco Polo del Nero, presidente e presidente eleito da CBF, respetivamente. Já Cuca não tem a experiência, ainda, para dirigir a Seleção. Quanto a Leonardo era mais apontado para ser o novo coordenador técnico.»

Márvio dos Anjos, na Globo, analisa: «Os quatro anos de trabalho de Dunga, encerrados em 2010, não foram ruins. Obteve 75% dos pontos que disputou. Conquistou Copa América, Copa das Confederações, liderou a eliminatória sul-americana para a Copa de 2010. (…) O que impressiona, no entanto, são as pistas que Dunga dá do diagnóstico que a CBF fez da SeleçãoBrasileira de Luiz Felipe Scolari. A chegada de Dunga é sinônimo de mais compromisso e mais disciplina: consegue ser mais militar que Felipão. Onde Scolari é família, Carlos Caetano é código de honra, mas o restante do discurso é o mesmo: sangue, batalha amarga, a união em torno de um pensamento mágico com ares de irmandade religiosa, o orgulho nacional contra tudo e contra todos, imprensa incluída. Aliás, nisso Felipão e Dunga são muito parecidos: veem na crítica midiática um inimigo a ser derrotado.Lembremo-nos da patética tentativa de Felipão de esconder dos jornalistas a escalação de Bernard, fazendo-o treinar somente no final da prática que antecedeu o 7 a 1 fatídico.»

O argumento da experiência 

Apesar desta chuva de críticas, há quem veja na experiência de Dunga um argumento de peso. Américo Faria, ex-diretor da CBF, gostou da notícia: «Sempre defendo a experiência. Acho que o Dunga, na primeira passagem pela Seleção, conquistou bons resultados. Ele conseguiu formar um grupo, e o primeiro dever da comissão técnica é formar um grupo competitivo. Ele ganhou a Copa América, a Copa das Confederações, foi o primeiro nas eliminatórias...»

B.I.
DUNGA
Nome: Carlos Caetano Bledorn Verri
Data de nascimento: 31 de outubro de 1962 (51 anos)
Naturalidade: Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
Altura: 1,77 metros

Percurso como jogador: Internacional de Porto Alegre (1983-84), Corinthians (84-85), Santos (86), Vasco da Gama (87), Pisa, Itália (87-88), Fiorentina, Itália (88-92), Pescara, Itália (92-93), Estugarda, Alemanha (93-95), Jubilo Iwata, Japão (95-98), Inter de Porto Alegre (1999-2000), Brasil (1987-1998, 91 jogos, 7 golos)

Percurso como treinador: Brasil (2006-2010), seleção olímpica Brasil, Jogos 2008; Inter de Porto Alegre (2013), Brasil (2014)