Paulo Bento, o selecionador nacional, acredita que o Brasil-2014 não será a última oportunidade para a maioria dos jogadores que representam a Seleção brilharem num Mundial, baseando-se na ideia de que «cada vez mais os jogadores durarem para lá dos 30 anos».

A ideia justifica uma análise mais alargada. Será que as exigências da alta competição permitem que um futebolista se aguente ao mais alto nível muito para lá dos 30?

Como em quase tudo na vida, este é um daqueles temas que permitem exemplos que poderiam sustentar conclusões diferentes.

Se é verdade que há casos de jogadores que quase atingem os 40 anos e ainda atuam em bons clubes (o guarda-redes brasileiro Rogério Ceni, por exemplo, equaciona renovar mais um ano com o São Paulo, sendo que completa 41 anos no próximo mês de janeiro), mas é também verdade que são muiitos os casos de futebolistas que, pouco depois dos 30, se vêem obrigados a baixar de escalão ou, até, a abandonar as carreiras.

«Há uma certa contradição em relação a este assunto. Por um lado, vejo cada vez mais jogadores bem preparados até mais tarde. A idade dá-lhes instrumentos e experiência para aguentarem a pressão. Mas, por outro, a exigência em termos físicos retira-lhes a possibilidade de continuar ao mais alto nível. E depois há o problema das mentalidades. Os dirigentes dos clubes hesitam em rubricar contratos de dois ou três anos, e às vezes até só mesmo de uma época, com jogadores que já tenham passado dos 30», observa Jorge Silvério, doutorado em Psicologia Desportiva e psicólogo que trabalhou, nos últimos anos, com vários profissionais de alta competição.

Em declarações à Maisfutebol Total, Silvério revela, até, conhecer «casos concretos de jogadores que se encontram em perfeitas condições físicas e psicológicas de continuar a carreira a bom nível, mas que não encontram clube que lhes faça contrato, apenas e só por uma questão de mentalidade. Aqui em Portugal, há muito a ideia de que um jogador acima dos 30 anos está velho e o que sinto é que isso, infelizmente, ainda não mudou».

Três guarda-redes nos três mais velhos da Liga

Atualmente, na Liga, o jogador mais velho é Ricardo, guarda-redes do Olhanense e antigo titular da Seleção Nacional, com 37 anos. Seguem-se o portista Helton e o benfiquista Paulo Lopes, ambos com 35.

Três guarda-redes, portanto, entre os três jogadores com bilhete de identidade mais antigo, na Liga principal. Um dado que parece confirmar a ideia de que a posição conta quando falamos de idades de futebolistas.

O «jogador de campo» mais velho neste ranking é o lateral Rui Duarte, do Olhanense, também com 35 anos.

Com 34 anos aparecem Briguel (Marítimo), Filipe Anunciação (Paços), Luís Filipe (Olhanense), Koldrup (Olhanense), Peiser (Académica) e Alan (Braga). Com 33 surgem César Peixoto (Gil Vicente), Nuno Santos (Paços), Nivaldo (Rio Ave), Cássio (Arouca) e Ricardo (Paços), a completar o lote dos 15 mais velhos da prova.

Quem lideraria este ranking seria João Tomás, o ponta-de-lança de 38 anos que até à época passada se manteve em alta na Liga portuguesa, no Rio Ave, e se encontra agora em Angola, ao serviço do Recreativo de Libolo.

Na II Liga, Tiago, com 38 anos, continua a jogar no Trofense. É o jogador com mais idade, nas duas ligas profissionais em Portugal. Nuno Silva, do Leixões, também tem 38 e já soma 404 jogos oficiais pelo emblema leixonense.

No segundo escalão profissional há vários jogadores acima dos 36 anos: Zé António (FC Porto B), José Manuel (União) e Nuno Dias (Chaves).

Tiago conta o segredo

Tiago, 38 anos, conta à Maisfutebol Total o segredo da sua longevidade: «Acima de tudo, continuo a gostar muito do que faço. É claro que o essencial é treinar bem. Descansar, alimentar-me bem. Tratar bem de mim. E também foi importante, muito importante mesmo, nunca ter tido uma lesão grave na carreira».

Com um percurso muito rico e variado (Trofense, Famalicão, Marítimo, Benfica, Rayo Vallecano, Leiria, FC Porto, Boavista, outra vez Leiria e outra vez Trofense, o clube da sua terra, onde está há cinco épocas seguidas), Tiago garante: «Continuo a encarar isto como se fosse a primeira vez. Continuo a ter motivação. Isso é fundamental».

Acabar a carreira? Tiago não faz ideia quando vai ser. Não faz mesmo: «Se me disserem aqui no clube para continuar na próxima época, dizia já que sim. Sinto-me bem, é isso que interessa».

Se, há dez anos, dissessem a Tiago que aos 38 ainda jogaria num escalão profissional, ele não acreditava: «Talvez não, porque em Portugal um jogador com 30 e pouco é olhado como um velho. E isso é errado». 

Bons hábitos lá por fora

Na Premier League, Kevin Phillips é, aos 40 anos, o jogador mais velho em atividade. Em julho passado, o atacante renovou por uma época com o Crystal Palace.

Teddy Sheringham também passou dos 40 anos em plena Premier League, quando atuava no West Ham, em 2006/2007.

Neste momento, acima do 34 anos há na Premier League os seguintes jogadores: Kevin Phillips (Crystal Palace, 40), Ryan Giggs (Manchester United, 39), Mark Schwarzer (Chelsea, 40), Frank Lampard (Chelsea, 35), Karagounis (Fulham, 36), Jaaskelainen (West Ham, 38), Bellamy (Cardiff, 34), Distin (Everton, 35), Rio Ferdinand (Manchester Unitedm, 34) e Anelka (WBA, 34).

No Brasil, Rogério Ceni (quase 41, São Paulo), Juninho Pernambucano (Vasco da Gama, 38 anos), Seedorf (Botafogo, 37), Léo (Santos, ex-Benfica, 38) ou Forlan (Inter de Porto Alegre, 34) são exemplos de como a qualidade se pode prolongar cada vez mais no tempo.

E em Itália, claro, o exemplo fantástico de Francesco Totti, 37 anos, é um dos obreiros do extraordinário arranque de época da Roma. 

Jennings, Grobbelaar, Milla, Zoff, Southall, Shilton...

Nisto das idades, uma coisa é a média, outra são as exceções. E todos nos lembramos de algumas: Pat Jennings, por exemplo, foi o guarda-redes da seleção da Irlanda do Norte no México-86, com 41 anos.

Peter Shilton, que defendeu a baliza de Inglaterra em 125 jogos, jogou até aos 48 anos. Terminou a carreira no Leyton Orient, mas com 47 estava ainda no West Ham.

Veja uma seleção de grandes defesas de Peter Shilton:



Outro caso de incrível longevidade: Nevil Southall, guarda-redes galês, que jogou até aos 43 anos, no Bradford City.

O excêntrico Bruce Grobbelaar, titular a baliza do Liverpool durante mais de uma década, terminou a carreira aos 45 anos, no Hellenic, da Cidade do Cabo (é sul-africano), tendo atuado no Norwich até aos 41.

Dino Zoff, carismático guarda-redes campeão do Mundo por Itália em 1982, defendeu as redes da Juventus até aos 41 anos.

Todos estes exemplos são de guarda-redes, mas há também, claro, o exemplo de Roger Milla, avançado camaronês que aos 38 anos brilhou no Mundial de Itália-90 e ainda jogou até aos 43, no Bandung Raia, da Indonésia.

O golo de Roger Milla aos Camarões nos oitavos do Itália-90:



Mais preparados, mas mais pressionados

José Neto, professor universitário, também com doutoramento em psicologia desportiva e com uma forte experiência no trabalho no terreno (primeiro na área da preparação física, mais recentemente no trabalho psicológico de jogadores e equipas de futebol), aponta a mesma contradição, em conversa com a Maisfutebol Total: «Essa questão da idade depende duma série de fatores. Há, por exemplo, questões externas que podem ter uma importância tremenda. Casos de jogadores que acabam dum momento para o outro as carreiras por uma separação, um divórcio, um problema familiar...»

Para José Neto, «a alta competição exige, neste momento que um jogador seja forte, rápido, resistente, de modo a ser capaz de fazer coisas admiráveis perante a fadiga».

É possível fazer isso tudo com 35 ou 38 anos? «Há quem consiga continuar a jogar com essa idade. Mas o que vejo é que, no geral, o fazem em clubes de menor dimensão, em divisões secundárias. Jogar até perto dos 40 ao mais alto nível está reservado a muito, muito poucos», reforça o professor universitário.

«Quando isso acontece, houve quase sempre um quadro especial de boa preparação e uma história de vida positiva. Vejamos os casos de Aloísio ou Timofte, por exemplo», nota, na mesma linha, Jorge Silvério.

Tendências evolutivas

O Centro de Estudos do Futebol da Universidade Lusófona de Lisboa realizou um trabalho sobre Tendências Evolutivas do Jogo, a que a Maisfutebol Total teve acesso, no qual identifica dois pontos relevantes para esta matéria das idades: os jogadores jovens atingem a maturidade cada vez mais cedo (ainda antes dos 23 anos); os jogadores prolongam a sua longevidade profissional, continuando a jogar a alto nível.

Explicado de forma mais desenvolvida, os jogadores atingem níveis elevados mais cedo e estão preparados para assim se manterem até mais tarde. « Observa-se na actualidade e numa perspetiva de futuro, o sucesso dos jogadores mais jovens na competições de elevado nível de rendimento. A preparação desportiva dos jovens começa mais cedo na vida, ampliando o período de formação dos jogadores, preparando-os para o futuro. Verifica-se uma maior longevidade desportiva e profissional dos jogadores, basta para isso observar as percentagens de jogadores com idades acima dos 30 e mesmo dos 40 anos. Treina-se de forma a atingir elevados níveis de rendimento, mantê-los durante um maior período de tempo possível, aplicá-los consistentemente na competição e, resistir às alterações provenientes dos contextos de jogo», pode ler-se no estudo, efetuado pela equipa coordenada pelo professor Jorge Castelo.

Avança a idade, muda a posição


Mais uma vez, convém insistir neste ponto: não é possível apontar a «idade normal» para um jogador terminar a carreira. «Isso depende muito das características físicas de cada jogador, do seu histórico de lesões, das características psicológicas, da sua vida familiar... Depende muito. Uma coisa é ter em casa uma família que o acolhe e protege e abraça. Outra é ter um passado e um presente pessoal que, por vezes, são autênticas cruzes que os derrubam», nota José Neto.

Para este docente no ISMAI, antigo observador da equipa técnica do FC Porto nos tempos de Pedroto, na década de 80, «as exigências do futebol de hoje são cada vez maiores e nem todos aguentam». «Quem joga mais tem mais risco de ter lesões», nota.

A lista dos 15 mais velhos da Liga, acima exposta, destaca bem como os guarda-redes têm mais hipóteses de chegar mais longa na idade, mantendo-se no topo (cinco dos 15 mais velhos são guarda-redes). Jorge Silvério explica: «Mesmo para os jogadores de campo, as posições vão mudando. É normal que, à medida que a idade vai avançando, o jogador se adapte ao que consegue fazer. Falou-se, recentemente, na possibilidade do Cristiano Ronaldo, depois dos 30, vir a tornar-se ponta-de-lança, quando perder a capacidade de explosão que tem neste momento».

Treino, alimentação e descanso: a trilogia que conta

José Neto aponta uma trilogia que considera fundamental para que um jogador consiga galgar a barreira da idade para lá do que era esperado: « Treino, alimentação, descanso. Quem faz estas três coisas bem, de forma acertada, responsável, terá condições para jogar até mais tarde. Pelo menos, o que é certo que quem não fizer isto bem não chegará a ter uma carreira longa». «E depois», insiste José Neto, «o suporte da família é fundamental. Os jogadores não são bestas a quem treinamos o físico. São homens, seres humanos complexos, com uma vida, um histórico. Não são só físico. São um todo.»

Neto identifica: «Claro que as características vão mudando com a idade. A velocidade, a explosão, vão diminuindo com a idade. A resistência não. Mas cada caso é um caso».

Uma questão de mentalidade

A questão da mentalidade de quem contrata é outro ponto relevante.

Em declarações à Maisfutebol Total, Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, aponta: «Mais do que os méritos desportivos, prevalecem nos clubes portugueses os interesses económicos na hora de contratar. Não vejo um preconceito contra os jogadores mais velhos. O que vejo é que, perante a perspetiva de não ter retorno financeiro mais tarde, há receio em contratar um jogador com 30 e tal anos, mesmo que ele tenha qualidade desportiva».

Para Evangelista, «os critérios economicistas contam demais nas contratações. Um jogador que não tenha um bom empresário ou não dê perspetiva de retorno financeiro dificilmente consegue contrato».