Não é só no Brasil, mas começa a ser cada vez mais um problema do futebol brasileiro.

Se a tese de que é mais fácil culpar o treinador do que todo um plantel por uma derrota, ou um objetivo falhado, é mais ou menos universal no mundo da bola, será justo dizer que, por exemplo, no futebol português se fizeram avanços em relação a esses comportamentos, nos últimos anos.

Por cá, os treinadores têm um tempo de duração cada vez maior e o caso de Jorge Jesus no Benfica, por exemplo, dá conta de uma certa evolução de pensamento dos dirigentes, que começam a estar cada vez mais imunes à pressão dos resultados imediatos: num grande clube, que tem a obrigação de lutar pelo título todos os anos, Jesus está já na quinta época na Luz e, até agora, só por uma vez foi campeão.

Se a mentalidade de «despedir a meio da época» vai perdendo força em Portugal (embora ainda se verifique em algumas situações), o paradigma em vigor no Brasil continua a ser o do resultado imediato.

A lista de despedimentos a meio da época nos grandes clubes brasileiros nos últimos anos é impressionante. Ninguém escapa a este comportamento: os principais emblemas optam pela «chicotada» quando as coisas começam a correr mal; os técnicos (mesmo os mais conceituados, ou melhor, sobretudo os mais conceituados, porque são aqueles que estão mais sujeitos à pressão dos objetivos nos grandes clubes) sofrem o estalar do chicote, caindo ao fim de poucos meses, às vezes até de algumas semanas.

Roda viva de grandes nomes

Basta olhar para quem treinou os principais clubes brasileiros na última década.

A «roda viva» de grandes nomes a circularem pelos grandes clubes é impressionante: Muricy Ramalho passou por Inter de Porto Alegre (duas vezes), São Paulo (duas vezes), Palmeiras, Fluminense e Santos; Wanderley Luxemburgo já orientou Palmeiras (quatro vezes!!), Flamengo (três vezes!), Corinthians (duas vezes), Santos (duas vezes), Fluminense, Cruzeiro, Grêmio e Atlético Mineiro; Abel Braga passou por Atlético Paranaense, Atlético Mineiro, Botafogo, Flamengo e Fluminense (duas vezes); Paulo Autuori já dirigiu Botafogo, Cruzeiro, São Paulo (duas vezes), Inter de Porto Alegre e Santos; Dorival Júnior também já conheceu a experiência de orientar Cruzeiro, Coritiba, Vasco, Santos, At. Mineiro, Internacional, Flamengo e Vasco; Mano Menezes treinou clubes como Grêmio, Corinthians e Flamengo, além da seleção brasileira (tendo despedimento precoce nestas últimas duas experiências); Ney Franco cirandou por Cruzeiro, Flamengo, At. Paranaense, Botafogo, Coritiba e São Paulo (está agora no modesto Vitória, depois de ter sido «chicoteado» do tricolor, antes de Autuori, que conheceu o mesmo destino, poucos meses depois).

O que aconteceu com Abel Braga no Fluminense é paradigmático: levou o Flu ao título brasileiro em dezembro passado, mas um mau arranque de Brasileirão custou-lhe o despedimento, sete meses depois.

Casos um pouco diferentes serão os de Tite, Cuca e Oswaldo de Oliveira.

O primeiro estabilizou no Corinthians nos últimos três anos e já teve como fruto ter sido campeão da Libertadores e do Mundial de Clubes; Cuca pode estar a ir no mesmo caminho no At. Mineiro, com o título sul-americano já obtido e a preparar o Mundial de Clubes de dezembro; Oswaldo tem tentado também ter um projeto de fôlego no Botafogo, depois de cinco anos no futebol japonês, em ciclo que sucedeu ao tal «rodízio» a que também foi sujeito durante anos, com curtas passagens por Cruzeiro, Fluminense, São Paulo e Flamengo, nos anos anteriores.

Mesmo assim, no caso de Tite, o frustrante Brasileirão, que até agita o fantasma da descida, chegou a colocá-lo no fio da navalha, mas a opinião dos jogadores demoveu, pelo menos para já, a direção corintiana de o afastar.

Há ainda os casos de Marcelo Oliveira e Renato Gaúcho, dois técnicos com sucesso esta época, no Cruzeiro e Grêmio respetivamente, mas que em anos anteriores também sentiram essa instabilidade estrutural do futebol brasileiro, sobretudo Renato, que já saiu e entrou de Vasco, Flu e Grêmio, na última década.

O desabafo de Dunga

O caso mais recente aconteceu com Dunga. Antigo internacional brasileiro, carismático já como jogador (era capitão do escrete no «tetra» conquistado em 1994, no Mundial dos EUA), orientou a seleção brasileira no Mundial-2010.

Com 49 anos, está sem clube, depois de um despedimento algo traumático do Internacional de Porto Alegre. Motivo? Quatro jogos seguidos sem vencer no Brasileirão.

Dunga tinha no Colorado um projeto para o título, mas o facto de estar no sexto posto no Campeonato Brasileiro foi motivo para cair.

Nem a sua longa história no clube (foi jogador do Inter entre 83-84 e 99-2000, começando e acabando a carreira no clube de Porto Alegre) impediu esse destino.

Recentemente, Dunga desabafou: «Foi a cultura de sangue que vigora no futebol brasileiro que levou ao meu despedimento. Não tem essa de justo ou injusto. O futebol no Brasil é só resultado. Você ganhou, serve. Não ganhou, é ruim. E não é falar de dirigente, todos nós somos assim. Imprensa, torcedor, diretor. Fica mais fácil trocar o treinador. A própria mídia pede isso. É da cultura, vem dos romanos. Queremos ver sangue».

A solução mais fácil

Rui Malheiro, especialista em futebol internacional, aponta, em declarações à Maisfutebol Total: «No Brasil, acima de tudo, continua a defender-se o velho chavão: é mais fácil despedir o treinador do que uma equipa inteira. Os resultados provam que a maior parte das chicotadas não produzem efeitos e, em vários casos, a situação dos clubes piora. A paciência dos dirigentes e adeptos é muito escassa e existe uma clara cultura resultadista, que trava a ideia de projetos mesmo a médio prazo. O objetivo é sempre vencer o próximo jogo, até porque a densidade de jogos e competições é muito grande, o que faz com que, como só pode vencer algum, vários treinadores comecem a ser despedidos no decurso dos Estaduais. No fundo, uma revisão do calendário competitivo seria uma ideia interessante, até para a evolução do próprio campeonato, mas não se pensa muito nisso. O importante é que se jogue tanto ou mais do que se treine.»

A renovação que não se faz

O que está a falhar na renovação dos treinadores, se continua a haver tantos antigos jogadores no Brasil que pretendem impor-se como técnicos?

Rui Malheiro observa: «Não há nova vaga de treinadores, mas faria sentido que houvesse, atendendo à quantidade de ex-jogadores com vastas e ricas experiências no futebol europeu. Contudo, a maior parte optou por outras carreiras após o encerrar do seu ciclo como futebolista. Quando o técnico mais jovem da Série A é Argel, 39 anos, antigo central do Benfica e FC Porto, que treina o seu 11º clube em dois anos, algo não está bem, e é notório o tal rodízio de treinadores consagrados nos principais clubes. Do meu ponto de vista, apesar do abandono do tradicional 4x2x2x2, definido, em tempos, por Autuori como a “tática do pirilau”, e a utilização cada vez mais frequente de sistemas como o 4x2x3x1, o 4x3x3 ou o 4x4x2 losango, há ainda um longo caminho para perceber o quão determinante é definir um modelo e, sobretudo, entender os diferentes momentos do jogo ou a importância do scouting, sobretudo na vertente de análise dos adversários e da própria equipa.»

Uma questão de mentalidade

Falta de capacidade de atualização e diferenças de mentalidade em relação à forma como se trabalha na Europa? «Na minha opinião, a maior parte dos técnicos brasileiros olha demasiado para o umbigo, deveria preocupar-se mais em modernizar-se e ver mais futebol europeu de topo», admite Rui Malheiro.

Este especialista em futebol internacional vai mais longe e aponta a necessidade dos clubes brasileiros se abrirem a técnicos europeus: «Parece-me que o salto qualitativo passará pela entrada de bons treinadores europeus nestes clubes, que obriguem a trabalhar-se mais e melhor. Isso não invalida que existam treinadores com rasgo, como Cuca, Tite, Marcelo Oliveira ou Oswaldo de Oliveira, um veterano que evoluiu bastante com a sua experiência vencedora no Japão, ou então um técnico resultadista como Muricy, que somou 4 campeonatos brasileiros entre 2006 e 2010, dois campeonatos paulistas (2011 e 2012) e a Taça Libertadores (2011), ao serviço de São Paulo, Fluminense e Santos, mas que dificilmente ultrapassará a paupérrima imagem que deixou do Peixe (e do futebol brasileiro) na final do Mundial de Clubes 2011 diante do Barcelona, depois de vários meses a preparar esse jogo num registo algo fanfarrão. Deixo duas perguntas que considero serem bons motes para reflexão: 1) quais as experiências e resultados obtidos por esta elite de treinadores no futebol europeu? 2) quantos europeus que irão ler este texto, gostariam de ver um destes treinadores orientar a equipa de que são adeptos?»

Boas questões, sem dúvida. Sobretudo porque permanece a ideia de que, enquanto o jogador brasileiro será sempre um produto potencialmente apetecível, o técnico brasileiro ainda não é uma marca com entrada assegurada nos grandes palcos internacionais.

Até quando?