O ano de 2014 foi dominado pela vitória da Alemanha no Mundial, pela conquista da décima por parte do Real Madrid e pelo sensacional título de Espanha, de um Atlético Madrid renascido pela mão de Diego Simeone, um dos treinadores mais carismáticos da última década. Enquanto isso, na Alemanha, Guardiola e o Bayern esmagaram a concorrência e, em Inglaterra, o Chelsea termina o ano na pole position, ameaçando o título do City.

Individualmente, mesmo não conseguindo prolongar o estado de graça no Mundial, Cristiano Ronaldo e Messi continuaram a escrever história, semana após semana, e ganharam lugar cativo num onze difícil de fazer, face à abundância de talento e de boas memórias: este foi um ano rico em futebol de qualidade tornando a escolha ainda mais apertada do que em 2013.

Três alemães, três espanhóis (contando Diego Costa), dois argentinos, um português, um uruguaio e um holandês formam aquele que é, para nós, o melhor onze da temporada, englobando jogadores de sete clubes. A renovação existe: em relação a 2013, apenas quatro nomes se repetem, com um assinalável rejuvenescimento na média de idades. O Real Madrid é a equipa mais representada, seguida de perto pelo Bayern de Munique.



Guarda-redes
Desde 2002 (Oliver Kahn) que um guarda-redes não aparecia entre os três finalistas ao prémio da FIFA para o melhor jogador do ano. Mas quem acompanhou a carreira do Bayern e da seleção alemã não terá ficado surpreendido com a inclusão de Manuel Neuer no mesmo patamar de Cristiano Ronaldo e Messi – particularmente depois de, no segundo semestre, ter sofrido apenas quatro golos em toda a primeira volta da Bundesliga. Ninguém duvida de que a vitória da Alemanha no Mundial passou muito pela segurança do seu guarda-redes, cuja facilidade em jogar adiantado, como um líbero, deu ao posto uma influência tática redobrada.

Mas se Neuer é escolha quase unânime, não deve fazer esquecer outros guarda-redes que marcaram 2014. O belga Courtois, brilhante no At. Madrid, no Chelsea e durante o Mundial, cometeu a proeza de relegar Petr Cech para o banco. De Gea fez milagres para manter o Man. United competitivo, Buffon voltou a ser decisivo no título da Juventus e o português Beto brilhou na Liga Europa, para desgosto do Benfica. Casillas colecionou troféus, mas alternou jogos brilhantes com outros onde ficou patente a perda de foco. O Mundial ficou marcado pelos brilharetes de nomes como Howard, Navas, Ochoa ou Claudio Bravo, o único a manter estatuto de primeiro plano depois do Brasil.

Laterais

À direita ou à esquerda, já para não falar nas vezes em que joga no meio, Lahm continua a ser a maior referência de qualidade e inteligência num posto habituado a passar para segundo plano. A conquista do Mundial coincidiu com o seu adeus ao futebol de seleções – melhor para o Bayern, que continua a deliciar-se com a sua classe. Zabaleta também fez um Mundial de bom nível, a juntar ao título inglês pelo Manchester City. Na esquerda, Blind, outro caso de polivalência, brilhou no Mundial e no Manchester United, assumindo uma influência que vai muito para lá do papel habitualmente confiado a um lateral-esquerdo. Marcelo teve um ano sensacional em Espanha e até marcou na final da Champions, mas acabou penalizado pelo descalabro brasileiro no Mundial. Filipe Luís foi brilhante na primeira metade da época, pelo At. Madrid, mas depois de ter sido ignorado por Scolari na seleção tardou a impor-se no Chelsea face à concorrência do discreto e polivalente Azpilicueta.

Centrais

Mesmo cometendo vários erros defensivos em jogos importantes, a vocação goleadora de Sergio Ramos, especialmente ao serviço do Real Madrid, desempenha um papel tão importante nesta temporada que torna a sua inclusão no onze obrigatória. Afinal, quem marcou os golos que iniciaram a goleada ao Bayern, a conquista do Mundial de Clubes e, especialmente, o que, aos 90+3, evitou que a Liga dos Campeões fugisse para o At. Madrid?

Nessa noite, em Lisboa, o uruguaio Godín estava do outro lado da barricada. Uma semana depois de ter marcado o golo do título espanhol, ficou a escassos dois minutos da glória europeia. Mas nem isso, nem um Mundial discreto, impedem a sua presença nesta lista, até como tributo à grande dupla que formou com Miranda na defesa «colchonera». O Mundial serviu também para aferir a dimensão global de Garay, confirmada no Zenit depois do Benfica. Na Alemanha, Hummels mostrou toda a sua classe até ao Mundial, mas afundou-se, com o Dortmund, na segunda metade do ano. O versátil Boateng foi um caso sério de regularidade, no clube e na seleção, enquanto o belga Kompany voltou a ser decisivo no título do Manchester City.


Médios

A transformação de Di María em médio centro foi uma das chaves de Ancelotti para o título europeu do Real Madrid, fazendo do argentino algo muito mais influente e valioso do que um agitador de águas nos flancos. A tal ponto que, depois de um bom Mundial pela Argentina, só travado pela lesão nos quartos de final, a sua transferência para o Man. United – onde tem cumprido todas as expetativas - foi um dos pontos altos no mercado de verão.

Mas o meio-campo do Real tem espaço para outros protagonistas, que curiosamente trocaram de clube no verão. Até maio, Xabi Alonso foi fundamental na caminhada para o título europeu, formando com o excelente Modric uma dupla cortina que privilegiava a inteligência em relação ao físico. E só um jogador muito inteligente poderia fazer, como Xabi Alonso, a transição imediata para o coração do meio-campo do Bayern, onde depois do verão se assumiu como tradução em campo das ideias de Guardiola. No sentido contrário o percurso de Toni Kroos, referência do Bayern até maio, melhor médio durante o campeonato do Mundo, e maestro do novo Real, de agosto até à atualidade.

Com Modric como guarda de honra, a qualidade deste trio é inatacável, e obriga a deixar de fora aquele que foi, provavelmente, o maior destaque individual do Campeonato do Mundo – James Rodríguez - penalizado por meio ano fora dos radares, no Mónaco e por uma adaptação nem sempre fácil ao Real Madrid, depois do verão. Num ano em que as intermitências de Xavi e Iniesta custaram caro ao Barcelona, o culto de Arda Turan, sempre bem auxiliado por Koke, extravasou os limites do At. Madrid. Figura de proa no título do City, Yaya Touré eclipsou-se depois do Mundial, enquanto o croata Rakitic penou para replicar em Barcelona o nível fantástico atingido em Sevilha. Mascherano, central no Barcelona, foi um dos grandes médios do Mundial, Um jovem e um veteraníssimo, Pogba e Pirlo foram a alma de uma Juventus novamente campeã, e com crescente dimensão internacional.

Extremos/Avançados

Nos avançados, há Cristiano Ronaldo e Messi e depois... há todos os outros. Há vários anos que é assim e 2014 não foi exceção, mesmo com o Mundial a baralhar as contas. O argentino chega ao fim do ano sem troféus colectivos, mas com vários recordes batidos e uma influência acrescida, no clube e na seleção – ainda que o troféu para melhor jogador do Mundial tivesse caído dos céus, a sua inclusão neste onze não merece dúvidas. E o mesmo pode ser dito de Cristiano Ronaldo, apesar do eclipse brasileiro, motivado pelo excesso de jogos até maio. A conquista da Liga dos Campeões e do Mundial de Clubes, por entre uma enxurrada de golos, acaba por permitir-lhe fechar em alta um ano que já tinha começado com a conquista da Bola de Ouro.

É impossível escolher um terceiro avançado para este onze sem cometer uma injustiça flagrante com mais três ou quatro nomes. A nossa escolha recai em Diego Costa que, apesar de um Mundial falhado, a exemplo de toda a seleção espanhola, foi o símbolo do inacreditável título «colchonero» e, depois, aterrou com estrondo no Chelsea, tomando a Premier League de assalto. Robben teve um ano brilhante no Bayern e o seu Mundial não o foi menos. O mesmo pode ser dito do seu colega de equipa, Thomas Müller, que decididamente não falha nos grandes palcos. E se pensarmos que o Bayern ganhou, no verão, um reforço chamado Lewandowski, ainda mais arrepiante se torna o poder de fogo dos bávaros.

Alexis Sanchez esteve sempre em bom plano, no Barcelona, no Arsenal e no Chile, enquanto Gareth Bale, decisivo em Madrid, pagou o preço de jogar numa seleção de terceiro plano. Hazard prosseguiu o crescimento e vai ser um dos nomes incontornáveis a breve prazo. Em Barcelona e no Brasil, Neymar respondeu às críticas e dúvidas com golos e boas exibições – a sua lesão no Mundial foi o canto do cisne das ambições da sua seleção. O mesmo pode ser dito da mordidela de Luis Suarez, que assim passou de herói a réu e hipotecou a segunda parte de um ano que, entre janeiro e maio foi simplesmente demolidor, andando com o Liverpool às costas. Referência ainda para Ibrahimovic, sempre decisivo no PSG, e para o grande ano de Benzema, talvez o mais generoso e subvalorizado ponta de lança da atualidade.