*Enviado-especial ao Euro 2016
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Confesso que sinto a falta do predador Ronaldo, mas gosto deste novo capitão Cristiano. O capitão que, com João Moutinho cansado e ainda a sofrer de problemas físicos, diz

Tu bates bem, vais lá e vais fazer golo!

O que decide marcar o primeiro penálti para encaminhar o desempate. O que sofre, não quer ver, que espreita quase por entre as pernas dos colegas pontapé a pontapé e festeja cada um como se fosse um golo seu, faltando-lhe apenas, digo eu, aquele siiiiii que os acompanha.

Aquele que festeja com Quaresma, num abraço apertado, talvez mais apertado do que qualquer outro que tenha dado nos últimos anos no Real Madrid. O que fica ao primeiro poste porque é o único que consegue pairar no ar, abdicando, em nome da equipa, de fazer parte da grande maioria das transições para a outra área.

Gosto do Cristiano que toca para trás para manter a posse, e não o que se vira, condenado ao fracasso, para tentar o remate em desespero.

O predador veio só de visita a este Euro 2016, mostrou as garras com a Hungria, e voltou a recolhê-las – dois golos fantásticos, lindíssimos, que deveriam ter esvaziado grande parte da pressão, mas que aparentemente não chegam.

Parece humano, ou ainda menos que isso, a falhar remates que muitos outros acertariam, receções que se aprendem nos primeiros treinos na formação. Não é normal. Sente demasiado a necessidade de carregar o mundo às costas, como Óbelix e o menir, como se também ele acreditasse que caiu no caldeirão da poção mágica, debaixo das barbas de Panoramix.

A pressão deve ser incrível. Só posso imaginar. Opressiva. O ar irrespirável. A força da gravidade esmagadora. Ele no meio de tudo, e sem mais ninguém do mesmo patamar com quem dividir a responsabilidade. Portugal não tem Bales, Benzemas, Kroos, James, Modrics. Tem bons jogadores, mas não super-estrelas. E, sim, mesmo com todas elas, o Real não é o mesmo sem o velho Ronaldo.

Vive ao lado de 22, mas ao mesmo tempo sozinho. Ninguém que leia este texto viveu algo semelhante. Eu sei que não vivi.

A linguagem corporal assusta. De braços caídos, parece esgotado, mental e fisicamente. Espremido. Oco. Ao primeiro remate sorri para o azar, ao segundo já diz mal da sorte. Não mantém a poker-face, abre demasiado o jogo, expõe o flanco. Deixa passar a ansiedade para os companheiros. E esse é o lado mau, além dos golos não aparecerem. Líder-que-é-líder não tem de resolver todos os problemas, apenas apontar para a solução ou confiar que, uma vez por outra, alguém diferente a encontrará. Se se colocar sempre a si no meio do caminho, pedindo a bola quando não é a melhor altura, tapa-o, emperra o sucesso.

Claro que não desiste, claro que trabalha, claro que luta. E tenta, tenta e tenta, mesmo depois de três más tentativas. E se for preciso tentar sempre tentará sempre. Não se esconde, em nenhum momento. Isso tem de ter um valor enorme, é isso que o fez como é. Uma máquina avassaladora.

Sei que Ronaldo já descobriu o caminho, mas não o viu ainda em toda a sua extensão. Está mesmo ali, à sua frente, naquela frase para Moutinho

Tu bates bem, vais lá e vais fazer golo!

Está no tu. No tu que pode carregar o menir também um bocadinho, nem que seja só para descansar um pouco os braços.

E depois disso, sem um pouco do peso do mundo sobre as costas, os golos que Portugal ainda tanto precisa vão voltar a aparecer.

LUÍS MATEUS é subdiretor do Maisfutebol e pode segui-lo no TWITTER. Além do espaço «Sobe e Desce», é ainda responsável pelas crónicas «Era Capaz de Viver na Bombonera» e «Não crucifiquem mais o Barbosa» e pela rubrica «Anatomia de um Jogo».