Nenhum jogo é tão sincero como o futebol italiano: não há nada ali que seja um desatino, que seja uma promessa, que seja uma ideia utópica. As cartas estão todas na mesa.

Conta-se por exemplo que um dia, na saudação habitual antes do início do jogo, alguém atirou um «que ganhe o melhor» ao treinador de uma equipa italiana. A resposta veio embrulhada num rasgo de honestidade. «Esperemos que não».

O futebol italiano começa sempre num princípio muito básico: o risco é perigoso. A partir dessa premissa sobra o calculismo e a convicção de que não sofrendo golos se está sempre sujeito por um imponderável a ganhar o jogo.

Johan Cruyff sintentizou tudo o que é o calcio numa frase lapidar. «Os italianos não podem vencer-te. Mas tu podes perder contra eles.»

Durante muito tempo a coisa funcionou.

A Itália, é bom lembrar, foi quatro vezes campeã mundial. Deixou para a história resultados épicos como as vitórias por 4-3 sobre a Alemanha nas meias-finais do Mundial 70 e por 3-2 sobre o Brasil em 82.

O campeonato italiano chegou a ser o melhor. Dominou a segunda metade da década de 80 e a primeira da década de 90. Mais um pouco na década de 60. Nessa altura os melhores jogadores do mundo estavam na Série A.

Mas o futebol evoluiu. Ganhou cor e textura. Princípios estéticos. Globalizou-se. Os adeptos tornaram-se mais exigentes. É um espetáculo, e sendo um espetáculo convém desfrutá-lo: não faz sentido olhar para o jogo como um campo de sofrimento.

O futebol italiano não soube acompanhar a evolução. Manteve os princípios básicos: medo e mais medo, paciência e mais paciência, prudência e resignação. Enquanto Inglaterra, Espanha e Alemanha sorriam, Itália mantinha a cara de poucos amigos.

Essa hostilidade foi-lhe fatal.

Pelo meio surgiu o calciocaos, a corrupção e a vergonha. Nessa altura deixou de ser apenas feio: tornou-se feio e sujo.

Até que se chegou a este ponto: o ponto em que o futebol italiano entrou nos quartos de final das provas europeias sem nenhum representante na Liga dos Campeões e com a grande Juventus relegada para discutir a Liga Europa.

O ponto em que o calcio caiu efetivamente na segunda divisão do futebol europeu. O ponto enfim em que a Juventus de Pirlo, Pogba e Tevez, a Juventus de Arturo Vidal, Llorente e Vucinic está obrigada a disputar troféus menos relevantes com equipas de Portugal, Holanda, Suíça ou da segunda linha de Espanha.

E ninguém se surpreende.

O futebol italiano parou no tempo. Perdeu o mediatismo e a capacidade de atrair as grandes marcas. Foi ultrapassado pelo inglês, o espanhol e o alemão, em breve, desconfio, será também ultrapassado pelo francês.

Porquê?

Porque o jogo atingiu a idade adulta. A Liga dos Campeões tornou-se um fenómeno demasiado grande para se compadecer com especulações e aborrecimentos. Quer o melhor futebol do mundo. Quer golos, espetáculo e emoção. Quer uma embriaguez da alma.

Quer enfim que ganhe o melhor.

Box-to-box é um espaço de opinião do jornalista Sérgio Pereira, que escreve neste espaço às sextas-feira de quinze em quinze dias.