Andy Brassel é um jornalista inglês que dirige o World Football, na BBC Radio 5. Há uns anos, por indicação de um amigo, ouvi o podcast de um programa em que ele e um par de comentadores falavam do futebol português.

Dizia o jornalista que, e passo a citar, «um dos jornais desportivos tem uma página inteira todas as segundas dedicada a um painel de antigos árbitros e aos seus veredictos das cinco decisões mais controversas do fim de semana».

«É uma coisa que eu acho completamente desnecessária», acrescentava.

Os comentadores riam, naquele riso tipicamente inglês que flutua entre o sarcástico e a surpresa.

Andy Brassel continuava a falar. Revelava, por exemplo, que todos os canais de informação tinham um programa à segunda-feira só para rever e analisar as decisões dos árbitros: o que provocava mais risos dos comentadores, outra vez naquele riso tipicamente inglês que flutua entre o sarcástico e a surpresa.

Para eles, está bom de ver, falar do futebol português era divertido. Para mim era trágico.

Por estes dias particularmente agitados não pude deixar de me lembrar daquele programa da BBC Radio 5. Não pude, enfim, deixar de me questionar.

Quem defende o futebol português?

Os jornais e as televisões enfrentam uma concorrência violenta, degladiam-se por audiências, alimentam-se do que vende e o que vende são as polémicas. Não vão ser eles, infelizmente, a mudar o futebol.

Os adeptos levantam-se mais ferozmente da cadeira para protestar uma falta a meio campo do que para aplaudir uma ocasião de golo. Falam com mais euforia de um penálti mal assinalado do que de um golo de bicicleta e têm na ponta da língua todos os jogos em que foram prejudicados por determinado árbitro.

Os dirigentes, esses, enchem o futebol de ódio e teorias da conspiração. Insinuam que tudo no jogo é corrupção, que não existe verdade desportiva e que a culpa é dos árbitros.
Falam de futebol como se o futebol fossem eles.

Não são.

Por isso quem defende o futebol português? Quem devolve ao jogo a dignididade e o sorriso: quem consegue enfim torná-lo saudável?

Defender o futebol é salvaguardar a honra do jogo. É castigar o dirigente que critica uma arbitragem, o clube que pressiona uma Comissão de Disciplina e o avançado que engana o árbitro com uma queda na área que é uma grande mentira.

Num país a sério, seria o organizador o primeiro a fazê-lo. A Liga de Clubes, claro. Como a Liga Inglesa faz com o futebol inglês, por exemplo. Mas em Portugal a Liga de Clubes é um espaço de luta de poderes, de arranjinhos e vaidades.

Como os dirigentes repetem, existe para defender os clubes. Provavelmente sem perceberem que sem um futebol saudável não há clubes saudáveis. E que defendendo o futebol no princípio de tudo estariam a defender os clubes em última instância.

Enquanto isso vamos vivendo neste futebol que todos nos dizem ser sujo, feio e mau. Neste futebol que, dizem, nunca lava os dentes e raramente toma banho.

Correndo o risco de um dia, de tanto ouvirmos repetir as mesmas coisas, acreditarmos mesmo que o futebol português é sujo, feio e mau: deixando nesse dia de gostar do nosso futebol para nos dedicarmos a um futebol mais limpo, bonito e bom.

Já esteve mais longe.

Por isso, vale a pena voltar ao início. Quem defende o futebol português do riso tipicamente inglês de quem pode viver o jogo como ele merece: como o mais encantador espetáculo do mundo?

«Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias