Algo não bate certo para que a reintegração de um clube na Liga dure 13 longos anos.

O Gil Vicente foi despromovido administrativamente em 2006, na sequência da inscrição do avançado angolano Mateus (hoje no Boavista), tendo então recorrido aos tribunais civis.

Em maio de 2016, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa anulou o acórdão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol e abriu caminho ao regresso à I Liga do Gil, que reclamou a reintegração logo na época 2016/17.

No entanto, a 9 de maio de 2018, numa Cimeira de Presidentes da Liga, 12 clubes do designado G-15 bloquearam a reintegração dos barcelenses na época 2018/19, tendo ficado decidido que esta só ocorreria na época seguinte – 2019/2020.

Assim chegámos aqui: no final desta época, têm de descer três equipas à II Liga, em vez de duas.

Tendo em conta todos estes antecedentes, não deixou de causar espanto ver o presidente do Marítimo, Carlos Pereira, no final da reunião do G-15, na passada quinta-feira, pedir nova reunião para esclarecimentos do presidente da Liga, Pedro Proença, «em benefício do futebol português».

Ora, 322 dias depois do que foi definido na Cimeira de Presidentes, era preciso esclarecer o quê?

Visto de fora, a ideia que transpareceu é de que o G-15 pretendia salvar um dos seus na secretaria, atrasando de novo o regresso dos gilistas (que, em virtude deste caso, nesta época competem no Campeonato de Portugal sem que os seus jogos contem para o que quer que seja); ou, em alternativa, pretenderiam mais um alargamento de 18 para 20 clubes, tal como há anos foi possível alargar de 16 para 18.

Se há benefícios em os clubes assumirem as rédeas da gestão das competições profissionais, há também uma desvantagem crucial: sempre que o interesse maior da competição colidir com a pequena vantagem da uma porção significativa de clubes, os pratos da balança tendem a pender para esta última.

A visão estratégica tem pouca margem para vencer quando confrontada com as táticas de sobrevivência.

As movimentações dos últimos dias mostram quão difícil será pôr em prática no futuro um modelo competitivo mais atrativo em termos desportivos, financeiros e até mediáticos. Ninguém abre mão do seu centímetro de palco, ninguém aceita perder o seu quinhão de protagonismo. É assim no futebol como em qualquer outra atividade. É próprio da natureza humana.

Neste caso em particular, entrou bem em cena a Federação Portuguesa de Futebol, ao emitir um comunicado no início da reunião do G-15 da passada quinta-feira a exigir a reintegração do Gil Vicente. Por sua vez, Pedro Proença parece ter chegado atrasado ao ensaio, ao esclarecer só esta segunda-feira, no final da segunda reunião do G-15, que «a reintegração do Gil é um dado adquirido». 

Resumindo: a situação desbloquear-se-á com uma compensação financeira para o terceiro clube que irá descer de divisão nesta época. Assim sendo, tanto melhor.

O aparente golpe de teatro não terá passado de uma mise-en-scène.

Gil Vicente agradece por poder entrar em cena. Subam-lhe, finalmente, o pano.

--

«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.