Se há mérito que Luís Filipe Vieira tem é o de dar máxima estabilidade às equipas técnicas.

Em dez temporadas, o Benfica teve dois treinadores. Em termos comparativos, o rival Sporting teve o dobro no último meio ano.

Não foi, portanto, surpreendente ouvir do presidente dos encarnados na entrevista à TVI da passada semana que «Rui Vitória é o homem certo para o projeto que o Benfica quer», acrescentando: «Por minha vontade, fica até ao final do contrato.»

Com a ressalva de que tem alternativas e evocando o nome de Jesus, Vieira foi pressionado pelas notícias da véspera, que revelavam uma conversa, de dezembro do ano passado, com um empresário próximo sobre a possibilidade de uma transferência de Vitória para o Everton a meio da época.

Sobre o tema, o presidente transferiu a responsabilidade da abordagem para os ingleses: «Pelas condições que me disseram que ele ia ter nesse contrato, não era eu que ia cortar as pernas. Talvez fosse ganhar oito vezes mais.» No entanto, pelo que é possível perceber da conversa, o salário anual seria entre os três e os 3,5 milhões de euros, uma verba que não chega a ser o dobro da que Rui Vitória aufere.

Pesquisando, encontra-se uma notícia de 27 de novembro no tablóide Daily Mail, amplamente difundida pelos jornais portugueses, que aborda Vitória como um potencial candidato à vaga no clube inglês, gorada então a contratação do alvo primordial Marco Silva.

Nessa conversa entre presidente e o empresário, que assume o papel de emissário do Benfica, foi feito um ponto de situação: houve o envio prévio do curriculum do treinador e a disponibilidade em baixar a cláusula de rescisão de 15 para 10 milhões de euros.

Ou seja, fica a dúvida sobre se o interesse do Everton foi efetivo ou se a candidatura (em Inglaterra esse formalismo é regra) foi sobretudo instigada junto do clube inglês.

Tal como ao comum leitor, bastaria a Rui Vitória ler a notícia do Daily Mail e respetivas réplicas nacionais para se dar conta da possibilidade de o seu nome poder figurar na shortlist do Everton. Porém, a questão essencial não é essa. Mas sim se o treinador estaria, à data, a par das diligências do emissário do Benfica, que além de contactar com os responsáveis dos Toffees tratou de abordar também o seu empresário.

Na antevisão da receção ao Moreirense, Rui Vitória esclareceu o que pode sobre o tema. «Desde que entrei para o Benfica, nunca quis sair. Nem quero», afirmou.

Aparentemente, a indisponibilidade de Vitória para sair, não joga com a disponibilidade do presidente em baixar o valor da cláusula de rescisão.

Este episódio com quase um ano, mas apenas uma semana de conhecimento público, torna-se tanto mais relevante depois de na sexta-feira o Benfica ter somado a terceira derrota consecutiva; e de a derrota na Luz frente ao Moreirense (1-3) ter feito subir o tom da contestação dos adeptos.

Esta noite, no regresso à Luz, a receção ao Ajax será decisiva para a continuidade do Benfica na Liga dos Campeões.

Neste contexto, haverá muitos benfiquistas que continuam na dúvida sobre se Rui Vitória é a aposta firme para o projeto até ao final do contrato, renovado em abril de 2017 e que finda em junho de 2020, ou se poderá sair caso haja uma possibilidade que não deixe o ónus do despedimento sobre a direção. A terceira opção seria a direção assumir a demissão do técnico, mas um presidente que publicamente diz ter-se aprendido do erro de dispensar Fernando Santos com a época a decorrer (em agosto de 2007) e que em dez anos apostou na estabilidade de ter apenas dois treinadores será sempre avesso a esse tipo de solução. 

Ainda assim, sobre o episódio de há um ano – a meio da época em que o Benfica lutava pela conquista penta, por um lado, mas depois da pior temporada de sempre na Liga dos Campeões, por outro – ficou uma dúvida por responder:

Houve empurrão a Rui Vitória? Ou foi o contacto promovido pelo kick and rush dos ingleses?

É certamente importante para os adeptos do Benfica percebê-lo para, em caso de repetição, terem uma perspetiva mais rigorosa sobre este tipo de lance. De preferência, com um plano mais aberto do que o da transmissão televisiva de sexta-feira no final da derrota frente ao Moreirense.

--

«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.