Contornando todos os fantasmas e receios de um verão marcado pela angústia, o Benfica quebrou a tradição e voltou a vencer na jornada de estreia, algo que não lhe acontecia desde 2004. Frente a um Paços bem organizado por Paulo Fonseca, a equipa de Jorge Jesus chegou atrasada ao jogo, mas a tempo de mostrar que tem argumentos para lutar pela revalidação do título – se não perder mais jogadores chave até 31 de agosto.

Depois de todas as angústias suscitadas por uma pré-temporada com mais perguntas do que respostas, o Benfica entrou na Liga exatamente no mesmo ponto em que tinha ficado há uma semana: a festejar a inspiração de Artur. Ao defender um penálti de Manuel José, aos 10 minutos, o guarda-redes mal amado na Luz voltou a afirmar-se como protagonista neste início de época, atenuando um início muito problemático da equipa de Jorge Jesus.

É justo dizer que o Paços já era a equipa mais consistente, mesmo antes de, com um derrube pelas costas a Hurtado, Eliseu mostrar que todas as suas qualidades não o transformam num lateral-esquerdo de raiz. O peruano tinha aproveitado uma hesitação da defesa e ganho a frente a Maxi para entrar na área, numa bola longa que não foi aliviada a tempo. Mais um sintoma do desconforto do Benfica, incapaz de repetir a entrada autoritária do jogo para a Supertaça, e a consentir boas trocas de bola a um Paços de Ferreira organizado num 4x4x2 bem mais compacto do que o 4x1x3x2 inicial do Benfica.

A colocação de Talisca, ao lado de Lima, foi um dos pontos falhados na estratégia encarnada, prejudicada também pelo amarelo madrugador visto por Enzo (5 minutos), a retirar ainda mais intensidade ao meio-campo do Benfica nesses primeiros 15/20 minutos, ao fim dos quais uma bomba de Sérgio Oliveira ainda obrigou Artur a defesa atenta, num livre.

Mas a situação iria mudar pouco depois de Jorge Jesus trocar as posições de Enzo e Talisca, ganhando alguma capacidade de pressão no meio, com o brasileiro, e mais qualidade de receção e passe na frente, mesmo com Enzo claramente limitado.

Com Gaitán, Salvio e Maxi como aceleradores, quase sempre a partir do flanco direito, o Benfica construiu a primeira chegada com perigo à área do Paços aos 23 minutos. A jogada, bonita, passou pelos pés de Talisca, Salvio e Maxi, antes da conclusão imperfeita de Lima. Foi o suficiente para acordar a Luz e marcar um ponto de viragem no jogo: o golo surgiu dois minutos mais tarde, como prémio para a energia de Maxi que, depois de fletir para o meio, teve na subtileza de Gaitán o parceiro ideal para o deixar frente a frente com Defendi.

O remate de pé esquerdo fez mais do que abrir o marcador: retirou as incertezas ao Benfica e esvaziou a boa organização do Paços, que aos 28 minutos poderia ter sofrido o KO definitivo. Gaitán, na direita, teve um passe iluminado que deixou sem companhia na área. O argentino poderia ter oferecido o bis a Maxi, mas optou por uma cabeçada fraca, para as mãos do guarda-redes.

Até ao intervalo foi claro o ascendente do Benfica, mesmo com Talisca à procura de referências no meio-campo e Enzo, talvez a pagar o preço de uma pré-temporada relâmpago, a sair mais cedo, com queixas num joelho. O argentino, que já tinha sido o mais ovacionado no anúncio das equipas, foi para o banco sob uma chuva de aplausos em forma de ponto de interrogação: voltará a ouvir outra na Luz, atendendo a que o dérbi se joga a 31 de agosto?

Gaitán ilumina

Com Jara – regressado à Liga portuguesa após três anos de ausência - como segundo avançado, ao lado de Lima, e Talisca a usar o corpo para compensar a clara falta de rotinas no meio-campo, o Benfica manteve o jogo sob controlo, embora doseando as acelerações.

O Paços, sempre organizado e com boa circulação, tinha mais dificuldade para explorar a velocidade de Hurtado e, mesmo dividindo o jogo, raramente conseguiu esticá-lo até à baliza de Artur, à exceção de remates de muito longe de Manuel José e Sérgio Oliveira.

Com Salvio a mostrar-se numa forma muito interessante e com as intermitências de Gaitán a acenderem as bancadas a intervalos regulares, o Benfica deu a machadada final aos 72 minutos, num lance cozinhado por três argentinos. Jara descobriu o tempo certo para lançar Gaitán na esquerda. Com espaço, o 10 da Luz levantou a cabeça e fez um passe com açúcar para a cabeçada de Salvio ao segundo poste. Tudo bem feito, tudo fluido, e a fazer lembrar os melhores momentos da época passada, algo que, valha a verdade, só aconteceu muito de vez em quando.

Com o 2-0, Jesus pôde meter o jogo no congelador, trocando André Almeida por Talisca. A tarefa estava mais do que cumprida, quebrando-se o enguiço de dez anos sem ganhar na estreia, com uma exibição que começou com 20 minutos de atraso, mas chegou a tempo para afastar mais algumas angústias da pré-temporada. O resto – e um resto que envolve alguns dos nomes em evidência nesta estreia, como Artur, Enzo ou os reforços Talisca e Eliseu, os menos convincentes da tarde - ficará por resolver até final do mercado de transferências. Para já, o Benfica começa bem, melhor do que alguma vez o tinha feito sob o comando de Jesus. Não decide nada, mas pesa alguma coisa.