Pedro Ferreira cumpre os primeiros dias de uma ligação de três épocas ao Nottingham Forest, onde vai chefiar o recrutamento da equipa da Premier League que é treinada por Nuno Espírito Santo.

Para trás ficam 17 anos de ligação profissional ao Benfica e muitos mais de conexão sentimental.

Aos 41 anos, o homem que chefiou o departamento de scouting do futebol profissional dos encarnados nas últimas cinco épocas e meia e que, antes disso, liderou a prospeção da formação do clube ao longo de sete anos, admite que estava na altura de sair da zona de conforto e de perceber que há vida para lá do clube pelo qual se confessa apaixonado. E de crescer enquanto profissional para, que sabe, um dia voltar a «casa».

Numa longa entrevista ao Maisfutebol, a primeira após a saída do Benfica, Pedro Ferreira passou em revista, de uma área à outra do campo, o percurso nas águias.

Desde a chegada em 2007, como adjunto de uma equipa de benjamins que tinha acabado de receber Renato Sanches, quando ainda era estudante e árbitro de futebol, à passagem para o departamento de prospeção e o caminho para ultrapassar os anos – ou décadas – de atraso em relação ao eterno rival Sporting e ajudar a fazer do Benfica uma referência também na prospeção de jovens talentos.

Pelo meio, foi um dos intervenientes na ida de João Félix do FC Porto para o Benfica em 2015, processo que recorda nesta parte da entrevista.

Em 2019, num período de «introspeção» no clube, passou a liderar o departamento de scouting do futebol profissional do clube, que desde então fez as três maiores vendas de sempre: de João Félix, de Enzo Fernández e de Darwin, todas com a contribuição dele e do seu – como lhe chama – «departamento de soluções», através da identificação talentos desde a formação até à elite.

Na última época, mais do que casos de sucesso, foram notícia os chamados «erros de casting» do Benfica no mercado. Jurásek, contratado por 14 milhões de euros para ser o substituto de Grimaldo, não resultou e nenhuma das opções para a frente do ataque fez esquecer Gonçalo Ramos enquanto a escassos quilómetros da Luz um outro avançado trazia fartura ao Sporting.

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Maisfutebol – O João Félix chega ao Benfica numa altura em que o Pedro está à frente do departamento de prospeção do futebol de formação do clube. Ele não estava a dar no Porto, mas sempre acreditaram que outro contexto ia favorecê-lo?

Pedro Ferreira – O João era um atleta que sempre se destacou desde muito jovem. Tinha características ímpares: era muito evoluído tecnicamente e cognitivamente a nível da decisão. A dada altura, por uma questão física, por algum atraso maturacional, tinha mais fragilidades e acabou por ter menos tempo de jogo no FC Porto. Para nós, era óbvio que teria de ser obrigatório colocarmos pelos menos uma dúvida na cabeça dos pais: «Ok, ele não está a jogar no FC Porto, mas tem aqui a possibilidade de crescer num projeto desportivo que acreditamos que neste momento vai facilitar a evolução do João.»

«Era importante tirar pressão aos pais e dar-lhes, acima de tudo, soluções para todos os problemas que existiam na cabeça deles»

E decidiu-se avançar…

Acho que era obrigatório apresentarmos ao pai do João o nosso projeto desportivo e, depois disso, fazê-lo acreditar que aquilo era verdade e que ele iria ter espaço. Que tínhamos um meio para ajudar o João a crescer e a atingir o sonho que tinha, que era ser jogador de futebol profissional. Foi muito isso: desafiar a família a confiar no Benfica. É preciso também lembrar que o próprio Renato Paiva criou ali um ambiente muito importante, junto de uma geração de 99 com jogadores muito bons, para potenciar as qualidades do João Félix.

Certo.

E também tínhamos de pensar no todo, na família. Sabendo que o Hugo, o irmão mais novo, era o capitão dos sub-11 do FC Porto, poderia ser claramente difícil para ele continuar lá. E, se ele quisesse sair, tínhamos o projeto do CFT de Viseu como algo para ele evoluir, sabendo no ano seguinte, na passagem de sub-12 para sub-13, quando os atletas podem ir viver para o Benfica Campus, teríamos a capacidade de o absorver. Era importante tirar pressão aos pais e dar-lhes, acima de tudo, soluções para todos os problemas que existiam na cabeça deles.

João Félix (à esquerda) com o irmão Hugo, então capitão dos sub-11 do FC Porto e que acabou também por transferir-se para o Benfica

E deram ao João a garantia de que aquilo que ele estava a viver no FC Porto não sucederia no Benfica? O pouco tempo de jogo?

Ninguém iria vender algo que não iria acontecer. O Benfica também gostava de jogadores com as características do João e tinha treinadores capazes de os fazer evoluir. Na nossa equipa de 99 havia jogadores com características semelhantes. Olhando para estes casos, era fácil ele perceber que havia confiança do Benfica e que ele não deixaria de jogar por ser mais ou menos forte fisicamente. Noutras realidades, o modelo de jogador poderia ser diferente. Mas na nossa era um modelo de jogador claramente apetecível.

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