Villa Fiorito era um daqueles bairros: cheio de espaço, casas pobres e gente humilde. Onde os pais trabalhavam de sol a sol e as mães cuidavam dos filhos. Dona Tota teve sete e Diego era o quinto. Eram dias difíceis. D. Maradona, o pai, levantava-se às três da manhã e regressava a casa às sete da tarde.

Trabalhava numa empresa de transformação de fertilizantes e fazia horas extraordinárias para todos os dias colocar pão em casa. «Éramos muito pobres», conta Jorge Carrizo ao Maisfutebol. Jorge era vizinho de Diego, partilhava os descampados e os sonhos. «Vivíamos a cinco casas de distância um do outro.»

Os tempos livres eram passados a jogar à bola. «Havia quinze campos, na altura. Agora só há um». Villa Fiorito já não é Villa Fiorito. Jorge Carrizo continua a viver no bairro, mas está ansioso por sair. «É zona vermelha de Buenos Aires. Se precisares de telefone ou cabo, nenhuma empresa vem cá colocá-lo.»

O bairro está cercado por drogados e marginais. «Até a avó de Diego assaltaram. Depois a senhora saiu daqui», conta. «Já perdi a conta às vezes que me assaltaram. As ruas estão cheias de miúdos a roubar e a bater. Vê-los a drogar-se e não podes dizer nada, se não batem-te. Estou à espera da reforma para sair daqui.»

Os torneios em Villa Fiorito...

Já ninguém joga à bola na rua. O campo onde Maradona aprendeu a jogar futebol, aliás, foi destruído. «Está cheio de barracas, agora. Nem consigo passar por lá que começo a chorar», diz Jorge. Tem mais três anos do que Diego e fala com entusiasmo do amigo. «Ia buscá-lo a casa e passávamos os dias a jogar.»

Eram outros tempos, com outras prioridades. «Havia torneios de bairro. Só queríamos competir.» Um dia ouviram falar num torneio aberto num bairro vizinho. «Um torneio aberto é para toda a gente: vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos.» Jorge inscreveu-se com Maradona, o irmão Goyo, o Montañita e um guarda-redes.

«Eu tinha catorze anos, eles teriam dez ou onze. Quando olharam para o Maradona e o Montañita não queriam aceitar a equipa.» Arranja outros, disseram-lhe. «Disse-lhes que eram aqueles». São crianças, devolveram. Arranja outros. «Ou aceitavam aquela equipa ou não aceitavam. Aceitaram. Imagine? Fomos campeões.»

... o fim de Pelusa, que «não era nenhum maricas»

Na final Maradona marcou três golos, conta. «Era um fenómeno. Era muito pequeno, mas ninguém lhe tirava a bola. Já tinha um talento distinto. Ele não agarrava a bola, acariciava-a.» Homens de barba e bigode pediam então a Jorge para levar o Pelusa. «Entrávamos em todos os torneios. Todos nos queriam.»

Até um dia, claro. «O Maradona já jogava nos Cebollitas e o pai dele não gostava que jogasse no bairro. Sabe que o futebol no bairro é diferente. Era duro e tinha de se meter o pé. O Maradona não era um maricas, era um miúdo bravo. Tão bravo que um dia levou uma patada, lesionou-se e o pai nunca mais o deixou voltar.»

Foi o fim do futebol ao lado de Maradona: Jorge nunca jogou fora do bairro. «Não tinha o talento deles», admite. Maradona acima de todos, claro. «Mas quando tínhamos cinco ou seis anos, havia um miúdo chamado Sopatota... incrível. Depois o Pelusa tornou-se melhor. Com oito anos nem homens feitos lhe tiravam a bola.»

Veja um vídeo de Maradona no bairro: